Não há mais como
transigir , em nome da diversidade de opiniões, com a velha ortodoxia
assimilada pelos jornalões, portais e emissoras de televisão como
"exemplo de racionalidade econômica". Já aprendemos demais com a
tragédia para vê-la rediviva como farsa.
O
reino dos céus, de acordo com a tradição cristã, será dos homens de boa
fé. A eles já pertencem, na sua íntegra, os conteúdos noticiosos do
dispositivo midiático nativo. No momento em que a Comissão Européia
prevê um forte freio na atividade econômica em 2012 e não descarta a
hipótese de uma longa e profunda recessão, editoriais e os conhecidos
representantes do jornalismo de mercado pregam como "medidas de cautela
contra o contágio" a mesma agenda que quase nos levou ao colapso nos
oito anos do consórcio demotucano.
Fingindo
ignorar que se rompeu uma coisa que já estava rompida, homens e
mulheres de "boa fé," de prestigiosas redações, voltam a aplicar a
estratégia do terrorismo econômico, na expectativa de gerar uma profecia
que se auto-cumpre. Enquanto o Banco Central, acertadamente, revê
medidas de restrição ao crédito, depois de ter iniciado a redução das
taxas de juro em agosto, os oráculos da grande imprensa sonham em ver
reinstalada a política fundamentalista que, de 1994 a 2002, implementou
radical mecanismo de decadência auto-sustentada, marcada por crescentes
dívidas e desemprego, e anemia da atividade econômica.
O
Brasil ideal seria aquele com juros elevados, maior dificuldade de
financiamento, menor mercado para exportações e a volta a negociações
duras com bancos e organismos multilaterais. A nostalgia cega qualquer
possibilidade de análise séria. Se a liberdade de imprensa é tanto mais
ampla quanto maior for a responsabilidade ética dos que a fazem
diariamente, podemos afirmar, ancorados em um razoável número de
citações jornalísticas, que só a regulamentação da mídia pode salvar a
esfera pública por ela ameaçada.
No
capítulo das mentiras complexas que se arrastam há décadas, há que se
arremeter com energia demolidora contra o sequestro da moral pública
pelos critérios que definem a lógica do mercado. Está em curso uma ação
que não tem outro objetivo senão o do esvaziamento da essência da
política.
Não há mais como
transigir , em nome da diversidade de opiniões, com a velha ortodoxia
assimilada pelos jornalões, portais e emissoras de televisão como
"exemplo de racionalidade econômica". O receituário se repete como
mantra: liberalização do comércio; ênfase no setor privado como fonte de
crescimento, incluindo a privatização de empresas estatais; redução
geral de todas as formas de intervenção governamental no mercado de
capitais e no câmbio; precarização dos direitos trabalhistas e
sucateamento do Estado. Já aprendemos demais com a tragédia para vê-la
rediviva como farsa.
Sabemos que a
desregulamentação dos mercados financeiros resultou numa explosão da
dívida privada, numa especulação nunca vista anteriormente e abusos
sórdidos do capital financeiro. O fundamento religioso de mercado está
na base do estancamento da economia global e da crise que afeta a zona
do Euro. Por que reeditá-lo por aqui? São inocentes os consultores e
jornalistas de plantão? Não.
Eles
sabem que a repercussão de alguns destes problemas vão bem além da
esfera econômica. A capacidade de sobrevivência de governos democráticos
como os do Brasil, Argentina, Uruguai, entre tantos outros, frente a
contínuas reduções do nível de vida, seria discutível. Das redações o
mercado articula o golpe. São insanas as corporações midiáticas? Não,
são ávidas de poder, riquezas e inimigas juradas da democracia. O
desprezo com que se referem às instituições representativas revela o
autoritarismo que embasa sua estrutura discursiva. É preciso dar um
basta aos que se inclinam, siderados, a qualquer aventura
antidemocrática.
A "mão invisível" se move implacável em edições diárias.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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