“A capa de Veja desta semana não é uma
reportagem sobre ética, comportamento ou mesmo sobre a televisão
brasileira; ela é, antes de tudo, um manifesto político de quem se pretende
porta-voz da luta contra a corrupção e acredita ser a vanguarda de um país que
não tolera mais o lulismo
Sutileza, nem sempre, é o ponto forte da
Editora Abril. Na capa de Veja, desta semana, dedicada à personagem Griselda,
da novela Fina Estampa, as intenções políticas já são reveladas na chamada de
capa – “a atriz Lilia Cabral encanta a nova classe média brasileira como um
exemplo de ética e valores familiares”.
Sim, Griselda, ou “Pereirão”, é uma espécie
de faz-tudo, na trama de Aguinaldo Silva, que representa a chamada “nova classe
média” brasileira. A mesma classe média, que, segundo o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, caberia ao PSDB reconquistar, uma vez que o “povão”, como
disse FHC, já pertence ao PT.
Onde estaria, então, a esperança de
alternância política? Na nova classe média, formada pelos brasileiros honestos,
“que trabalham e pagam impostos”, e não toleram mais tantos escândalos. E que
também prezam “valores familiares” – como Deus, a família e a liberdade.
Se a capa já insinua as primeiras intenções
de Veja, a Carta ao Leitor, assinada pelo diretor Eurípedes Alcântara, as
escancara:
“Fina Estampa se ancora na popularidade de
Griselda, cuja retidão e ética inabaláveis dão voz aos brasileiros que, na
falta de exemplos de padrão de conduta na vida real, em especial na esfera pública,
foram buscar um modelo na ficção. O sucesso de Griselda é mais uma evidência de
que milhões de brasileiros que trabalham, estudam e progridem querem um norte
moral, querem um país em que a meritocracia seja a base do êxito pessoal, mesmo
quando bafejam os ares da sorte. Não é porque ganhou na loteria que Griselda
perderá seus valores. Pelo contrário, eles se tornarão mais fortes. Pereirão é
o oposto de Odete Roitman. O retrato de um Brasil que não tolera mais o
vale-tudo.”
Traduzindo, agora, as mensagens
subliminares:
1) A falta de exemplos de conduta na vida
real, em especial na esfera pública, revela que o ar se tornou irrespirável,
pela corrupção, desde que “os petralhas” chegaram ao poder.
2) O norte moral é que o Veja (e talvez o
PSDB) se dispõe a oferecer aos seus leitores.
3) O país meritocrático é o oposto do país
do apadrinhamento e dos favores distribuídos pela “cumpanheirada”.
4) Se a nova classe média enriqueceu,
bafejando os ares da sorte, isso não se deve ao crescimento redistributivo da
era Lula nem deve colocar em xeque os sólidos valores morais do povo
brasileiro.
Num país de Griseldas, hoje seria dia,
portanto, de lotar as praças públicas do Brasil nas marchas contra a corrupção.
Mas a nova classe média brasileira, que, sim, enriqueceu nos últimos anos, tem
preferido gastar o tempo livre em atividades mais prazerosas, de lazer e
consumo.
Se a chamada de capa e o editorial não
disfarçam o caráter político da reportagem de Veja desta semana, a matéria
em si deixa tudo às claras. Há, ali, num quadro que explica “como os
planetas se alinharam” para o sucesso de Griselda, uma foto do ministro
defenestrado Orlando Silva.
Segundo Veja, a “virada ética” explica por
que a personagem de Lilia Cabral faz tanto sucesso. Diz o texto que “nos últimos
meses, as sucessivas quedas de ministros envolvidos em escândalos, como Wagner
Rossi, da Agricultura, e Orlando Silva, do Esporte, sugeriram aos brasileiros
que as denúncias de corrupção já não são respondidas com indiferença cínica”.
Prossegue ainda afirmando que o autor deu vida à personagem “no oportuníssimo
momento em que se fala de uma faxina ética” que vai “ao encontro das ansiedades
e esperanças do público”.
De acordo com Veja, a batalhadora e
incorruptível Griselda é quem queremos ser no futuro. E Griseldas não votam em
Lula e assemelhados. Montadas em suas vassouras, costumam votar em Jânio Quadros.
Ocorre, porém, que o Brasil, terra de Dercy
Gonçalves, não é o país dos Pereirões. E a nova classe média – que, sim, é
honesta – também é capaz de detectar falsos moralismos e hipocrisias.
A capa de Veja desta semana não tem nada a
ver com comportamento, ética ou mesmo televisão. Trata apenas de política.
As usual.”
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