A
revelação das ligações do senador Demóstenes Torres com o bicheiro
Carlinhos Cachoeira lança uma sombra de suspeita sobre o procurador
geral Roberto Gurgel.
Demóstenes
foi elemento central na recondução de Gurgel ao cargo de Procurador
Geral, desempenhando papel bastante conhecido em assembléias de
acionistas.
Nessas
assembléias há um estratagema corporativo que consiste em canalizar as
insatisfações dos minoritários para um deles. O sujeito esbraveja, fala
alto e torna-se o líder da resistência contra os controladores. Depois, à
medida em que a AGE avança, ele cede rapidamente aos argumentos dos
controladores, esvaziando a reação dos demais.
Demóstenes desempenhou esse papel no processo de recondução de Gurgel ao cargo de Procurador Geral.
Primeiro
esbravejou, exigindo de Gurgel a abertura de processo contra Antonio
Palocci, ameaçando não votar a favor da sua recondução ao cargo. Depois,
recuou, disse que, infelizmente, as alegações de Gurgel - de que não
havia nenhum elemento que comprovasse origem ilícita dos recursos de
Palocci - eram corretas e só lhe restava acatar a lei.
Independentemente
do mérito dos argumentos de Gurgel, os movimentos iniciais de
Demóstenes lhe conferiram o papel de líder dos minoritários; e seu
convencimento final matou toda a reação contra a indicação do Procurador
Geral.
Poderia
ser apenas um caso de um Senador procurador reconhecendo o mérito da
alegação de outro, não fosse a circunstância de que Gurgel há dois anos
estava sentado em cima de um inquérito que denunciava as ligações
espúrias de Demóstenes com Cachoeira.
Demóstenes
só chegou a essa posição de destaque no Senado, a ponto de ser figura
chave na aprovação do Procurador Geral, graças à cobertura que recebia
da revista Veja - que, por sua vez, se associou ao bicheiro Carlinhos
Cachoeira em diversas denúncias. E foi graças a essa posição de destaque
que Demóstenes tornou-se suspeito da mais grave armação contra as
instituições desde o Plano Cohen: a farsa do grampo sem áudio.
É
importante entender que essa promiscuidade mídia-político-criminoso -
que não é generalizada na velha mídia, mas específica da revista Veja -
não é apenas um caso de exorbitância jornalística: é algo que ameaça a
própria normalidade institucional do país, abrindo espaço inédito para
que o crime organizado ascenda aos mais altos escalões da República,
constrangendo autoridades diversas. No caso Daniel Dantas, a revista
fuzilou reputação de Ministro do STJ que havia confirmado uma liminar
contra o banqueiro.
Até
agora, apenas alguns blogs, isoladamente, têm atuado como contrapeso a
esse poder avassalador de um jornalismo sem limites. Mas somos vítimas
de uma judicialização da discussão - com torrentes de ações desabando
sobre nós. Em nome de uma visão equivocada sobre os limites da liberdade
de imprensa, o Judiciário é condescendente. Quando age, sempre é com
enorme atraso, devido aos problemas processuais conhecidos. Os demais
veículos se calam antes os abusos da Veja.
Gurgel
terá que provar, daqui para diante, sua independência - e não
propriamente em relação ao Executivo. E os poderes públicos -
especialmente o Judiciário - terão que acordar para a realidade de que,
hoje em dia, são reféns da escandalização praticada pelo mau jornalismo.
E que a melhor maneira de defender a liberdade de imprensa é expurgar
as práticas criminosas que se escondem debaixo do seu manto.
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