Pacto com o diabo
Argumenta a direção de Veja, apoiada por um grupo de acólitos
furibundos e direitistas desnorteados, que os repórteres da revista, em
razão da natureza da reportagem, mantiveram relações perigosas com
Carlinhos Cachoeira como, às vezes, exige a insalubridade da missão do
profissional em busca de informações importantes para conhecimento da
sociedade.
Há registro de mais de 200 telefonemas trocados entre os repórteres e
Cachoeira, uma fonte de onde jorraram algumas das principais
“investigações” daquela revista semanal.
O
princípio defendido é correto. E o número de ligações telefônicas, por
si só, não significa nada além do fato de se falarem muito. Mas as
conversas travadas pelo repórter e o contraventor Cachoeira são de
preocupante intimidade, como mostram algumas transcrições já publicadas.
“Fala pra ele que é de confiança o homem”, diz o senador Demóstenes
Torres para Carlinhos Cachoeira ao se referir ao repórter de Veja.
O repórter é sempre o elo mais fraco nesse processo, conforme deixa
entender Eurípedes Alcântara, diretor de redação de Veja. Ele tentou
explicar assim o envolvimento da revista com um contraventor que agora
já pode ser carimbado como criminoso: “… casos assim jamais são decididos individualmente por um jornalista, mas pela direção da revista”.
A frase de Alcântara protege o pé e descobre a cabeça. Talvez ele tenha
tentado preservar o repórter dos longos braços da CPI, mas certamente
expôs os donos da revista. Ele próprio ocupa um “cargo de confiança”
pelas mesmas razões que o repórter de Veja era da confiança do senador
Demóstenes.
Confiança no Brasil traduz a confiança “pessoal” e não a “profissional”.
Esse processo confirma, em última instância, que o repórter de confiança
do editor e de Cachoeira é também de confiança do dono. Assim fica
claro que o acordo liga Cachoeira diretamente a Roberto Civita, dono da
Veja.
Nesse caso, portanto, a tese correta sobre a insalubridade do trabalho do repórter desvirtuou-se na prática.
A crítica que se faz é ao desvio de conduta, comprovada por uma série
histórica de erros intencionalmente cometidos. O elenco é grande e
aponta uma tendência política. São geralmente denúncias, ao longo dos
governos de Lula e Dilma, notadamente apontando suspeitas de focos de
corrupção em setores específicos da administração federal.
A base do acordo entre o contraventor e Veja foi firmado assim: ele entregou as informações e ela silenciou sobre os crimes cometidos para obtê-las.
Repórter conversar com demônios faz parte da rotina do trabalho. A
questão está no pacto que se firma. O repórter só pactua com o aval do
editor.
Adrian Leverkun, pianista, personagem de Thomas Mann (Montanha Mágica)
entregou a alma ao demônio para obter sucesso. Antes, o Fausto de Goethe
fez o mesmo.
Além de poder assumir aparência humana, há quem diga que o diabo seja o
inspirador do neoliberalismo. Há mesmo quem sustente hipótese de a “mão
invisível” de Adam Smith ser a própria mão do diabo.
Nos anos 1940, o jovem estudante Raymundo Faoro, ao mudar de Vacaria para Porto Alegre, tentou um pacto para sobreviver à fome.
“O diabo não me deu nenhuma importância”, conta Faoro nos inéditos Manuscritos Perdidos, ainda em preparo.
O silêncio diante da proposta de Faoro sugere que o diabo sabe com quem faz acordo.
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Do Blog O Esquerdopata.
Um comentário:
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