Mudanças no alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e na
Polícia Militar, denúncias de corrupção e histórias novelísticas,
algumas delas desvendadas em capítulos pela mídia nos últimos meses,
expuseram parte da estrutura dos governos tucanos – há 17 anos no
Palácio dos Bandeirantes - que reforçou a violência policial e a
impunidade como características de políticas do Estado.
São Paulo - Um dos episódios mais bárbaros de violência policial da
história do país completa 20 anos no próximo dia 2 de outubro. O
Massacre do Carandiru aconteceu na véspera das eleições municipais
paulistanas que elegeram Paulo Maluf (antes PDS, agora PP) como
prefeito. Era um momento em que a violência era escancaradamente
defendida como política pública de segurança ilustradas pelo mantra
malufista “Rota na rua”. Só naquele ano, a polícia matou cerca de 1400
pessoas. Ao mesmo tempo que é um exemplo de violação dos direitos
humanos praticado pelo Estado, Carandiru é também um caso emblemático
de impunidade. Apenas uma pessoa foi condenada até hoje, dentre todos
os policiais que invadiram o presídio e mataram mais de cem presos à
sangue frio.
O tempo passou sob o governo do PSDB. Em 2006, o governo tucano de
Geraldo Alckmin selou de vez o compromisso do Estado com os setores
mais violentos da polícia, ao jogar para debaixo do tapete centenas de
mortes cometidas por policiais durante confronto com o PCC, a maioria
delas com marcas evidentes de execução. A maioria dos assassinatos
ocorreu nas periferias da cidade de São Paulo e na Baixada Santista.
Foram os mesmos personagens que se moveram na cena policial nos dois
episódios e em outros de menor notoriedade, mas que expõem a polêmica
relação das polícias com o crime organizado. Vários personagens
envolvidos nesses casos permanecem ligados entre si, presentes e
poderosos na vida política.
Mudanças no alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e na
Polícia Militar, denúncias de corrupção e histórias novelísticas,
desvendadas em capítulos pela mídia nos últimos meses, expuseram parte
da estrutura dos governos tucanos – há 17 anos no Palácio dos
Bandeirantes - que reforçou a violência policial e a impunidade como
características do Estado.
Do Carandiru ao PCC
As políticas de segurança eram centrais na gestão do governador Luiz
Antônio Fleury Filho (PMDB, 1991-1994). O decreto 33.134, pelo qual as
unidades prisionais deixaram de ser responsabilidade da Secretaria da
Justiça e passaram para a área de Segurança Pública, data do primeiro
dia de seu governo, 15 de março de 1991. A “militarização” do sistema
prisional estava longe de ser conflitante com a personalidade do
governador do Carandiru, cuja origem era o Ministério Público: no
governo anterior, de Orestes Quércia (PMDB, 1987-1991), Fleury ocupava a
Secretaria de Segurança Pública. Posteriormente, em 1993, depois do
Massacre do Carandiru, foi criada a Secretaria de Administração
Penitenciária. Nesse período, prevaleceu como política de segurança o
encarceramento em massa, expressa na maior curva de crescimento na
história, até os anos 2000. Junto com isso, o Estado viu também, depois
do massacre realizado pela PM no Carandiru, nascer o Primeiro Comando
da Capital (PCC).
Existem várias versões acerca do momento exato do surgimento do PCC.
Mas nenhuma delas contesta o fato que este teve como mote,
inicialmente, responder às políticas prisionais do Estado e ao mesmo
tempo estabelecer normas de convivência entre os presos. Essa
articulação nos porões do sistema penitenciário sempre foi sustentado
pela chamada economia do crime, principalmente o tráfico de drogas.
Alessandra Teixeira, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM), acredita que “foi justamente pelos efeitos perversos da
atuação do Estado, sobretudo na omissão e na violência institucional,
que nasceu o PCC. Mas como ele vai se expandir no sistema? Ele mantém o
monopólio de uma economia criminal lá dentro e vai transacionando com o
Estado. E vai assumindo gradativamente o papel de gestão desta
população prisional que deveria ser desempenhado pelo Estado”.
Desde o início do PCC, muitos outros episódios demonstraram conflito
entre esta organização criminosa e o Estado – na maioria das vezes com o
seu braço armado, a polícia. O sistema prisional se expandiu também
territorialmente e levou o germe da organização criminosa para outras
cidades do interior. E o controle do PCC sobre as drogas o levou para
muito além dos muros das penitenciárias.
Do PCC a maio de 2006
Um segundo episódio onde a polícia paulista demonstrou truculência
indiscriminada aconteceu em maio de 2006. Na versão contada pela grande
mídia, o episódio ficou conhecido como “os ataques do PCC”. Na visão de
familiares de mortos no conflito, são os “os crimes de maio”. Foram
assassinadas, só naquele episódio, 493 pessoas, segundo o Conselho
Regional de Medicina de SP. Um estudo da ONG Justiça Global, “São Paulo
sob achaque”, aponta que policiais realizaram, entre os dias 12 e 20 de
maio, 126 mortes, classificadas como “resistência seguida de morte”.
Mas há indício, inclusive o estudo e pelos laudos, de envolvimento de
policiais fardados ou encapuzados em muitas outras execuções. O caso
completa seis anos e também está em aberto.
O conflito, além do aspecto da violência policial, parece se interligar
com o próprio Massacre do Carandiru. Em outubro de 2005, José Ismael
Pedrosa, diretor do presídio na época do massacre, foi assassinado
quando retornava para sua casa, depois de votar no referendo sobre a
proibição da comercialização de armas de fogo. Em maio de 2010, foram
condenadas três pessoas – segundo a polícia, integrantes do PCC – pelo
seu assassinato.
Pedrosa, além de ter sido diretor do Carandiru, foi diretor da Casa de
Custódia e Tratamento de Taubaté durante muitos anos. O presídio é
conhecido por adotar o chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), na
qual as regras internas são consideradas muito mais rígidas. A elas
foram submetidos muitos membros do PCC. Um deles, o Geleia, foi apontado
pelo Ministério Público de São Paulo como o planejador do sequestro da
filha do então diretor penitenciário. A história do PCC, portanto,
passou, e muito, por dentro deste presídio, já que eles questionavam e
se organizavam a partir das práticas adotadas nas prisões.
Por coincidência ou não, um outro personagem do Massacre do Carandiru
voltou às manchetes um mês antes dos Crimes de Maio. Coronel Ubiratan
Guimarães, comandante da operação, foi acusado de matar 102 pessoas
durante a ação no presídio. Ubiratan havia sido condenado em 2001 a 632
anos de prisão e pode recorrer em liberdade até ser absolvido em
instância superior, em fevereiro de 2006. Maio passou, e ele foi
encontrado morto em seu apartamento, em setembro daquele ano. A primeira
suspeita é que membros do PCC seriam os responsáveis, mas sua
ex-esposa foi condenada justiça pela sua morte.
Cláudio Lembo (na época, do PFL), que havia assumido o governo do
Estado de São Paulo no dia 30 de março de 2006, após a renúncia de
Geraldo Alckmin (PSDB) para concorrer à Presidência da República,
descartou a hipótese de envolvimento do PCC na morte do coronel, até
porque, naquele momento, o discurso oficial visava consolidar a tese de
que a polícia havia reagido com “vigor” justamente para acabar com o
poder do PCC. As suspeitas de envolvimento do PCC no assassinato, no
entanto, foram motivo também de mensagens do consulado americano em São
Paulo, por meio do cônsul-geral, Christopher McMullen, com outros
consulados (revelados pelo Wikileaks em 2011).
No dia 31 de maio de 2006 entra em cena o personagem que pode ter
coesionado parte desta relação entre Estado e PCC. Antônio Ferreira
Pinto assumiu a Secretaria de Administração Penitenciária, e, sob o
governo de José Serra (PSDB) em 2009, tornou-se secretário de Segurança
Pública, cargo que ocupa até hoje.
Saulo de Castro é outra figura presente até hoje, mesmo discretamente,
já que é o titular da Secretaria de Transportes. O promotor de justiça
era o Secretário de Segurança Pública em 2006, no período dos conflitos
com o PCC. Em 2011, o Tribunal de Justiça determinou e o Ministério
Público passou a investigar o envolvimento de Castro no Massacre do
Castelinho, caso onde presos – supostamente ligados ao PCC - foram
retirados ilegalmente dos presídios e metralhados dentro de um ônibus
por mais de cinquenta policiais na rodovia Castelo Branco.
Hoje, entidades de direitos humanos apontam que os “ataques do PCC”
podem ter sido motivados por um desentendimento entre a Polícia Civil e
a organização criminosa. O delegado investigativo Augusto Pena chegou a
ser preso em 2007, por ter sequestrado e extorquido o enteado de um
dos líderes do PCC, o Marcola. Esse pode ter sido um dos motivos para
início dos confrontos, pois ele usava das investigações policiais para
extorquir criminosos. O relatório “São Paulo sob achaque” aponta que
haviam negociações entre a polícia e a organização criminosa antes do
ataque, e, que, para o fim do conflito em maio, também foram realizadas
novas negociações.
Já naquela situação, o alto escalão do governo sinalizava, por um lado,
o diálogo entre forças com o PCC, e, de outro, métodos de utilização
da estrutura policial para exercer diferentes tipos de negociação. O
ex-secretário adjunto de Segurança Pública, Lauro Malheiros Neto, foi
acusado de receber propina para anular demissões de policiais acusados
de corrupção – como o próprio Augusto Pena, que o acusou -, já que ele
assinava as decisões sobre esses processos administrativos que
investigavam irregularidades. Ele pediu demissão em 2008.
2012, 2006 e 1992
Novos capítulos, reproduzidos ou não pela grande mídia, demonstraram
conflitos internos na polícia paulista. Mas não só. Expuseram a rede
política do governo do estado - envolvendo os setores mais retrógrados e
violentos da polícia. A atual corrupção policial, relação com o crime
organizado e a impunidade se encontram no tempo com o Massacre do
Carandiru e os Crimes de Maio de 2006.
A primeira mudança significativa aconteceu em novembro de 2011, quando o
coronel Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada se aposentou e passou o
comando das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) para o coronel
Salvador Modesto Madia. Nos dois anos e meio de Telhada no posto, a
Rota inflou o número de mortes sob sua responsabilidade em 63,16% , com
os 114 assassinatos cometidos. Telhada é um conhecido linha-dura, que
se orgulha em sentenciar “bandidos” com morte (sob seu próprio
julgamento) e ter 29 processos judiciais e militares arquivados. Ele se
filiou ao PSDB recentemente e deve ser candidato a vereador este ano.
Madia, o atual comandante da Rota, é réu no processo do Massacre do
Carandiru, por ser acusado de matar 76 presos. Nos números oficiais,
foram executados 111 prisioneiros pela Polícia Militar, mas testemunhas
apontam número muito superior e há pessoas que sequer encontraram os
corpos de seus familiares mortos.
O Coronel Álvaro Batista Camilo, que estava no comando geral da Polícia
Militar de SP, se aposentou antes do previsto e deixou o cargo no dia 2
de abril deste ano. Sua vaga era foco de disputa. Ele também deve
concorrer a uma vaga na Câmara dos Vereadores, mas, pelo PSD de
Gilberto Kassab.
Matéria da Carta Maior
apontou, em novembro de 2011, que havia uma interferência da SSP em
investigações recentes feitas pela Polícia Civil em casos de mortes
praticadas por policiais militares. A tese era baseada no afastamento da
delegada do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP)
Alexandra Comar, que investigava algumas mortes – ou execuções -
praticadas pela Rota durante ação num suposto assalto a caixas
eletrônicos em um supermercado. Junto com o afastamento, seu namorado,
Arnaldo Hossepian, deixou o cargo de secretário-adjunto da SSP para
retornar ao Ministério Público.
No último mês, a TV Bandeirantes fez uma série de reportagens que
mostravam vários desses documentos arquivados. Os Relatórios de
Inteligência passam pelo crivo da cúpula da Secretaria de Segurança
Pública antes de ir pra gaveta. Neles, haviam algumas investigações a
partir dos seguintes casos (todos denunciados pela Band a partir dos relatórios do DHPP):
1. No dia 31 de julho de 2010, a sede da Rota foi supostamente atacada
por criminosos, que dispararam contra o prédio e foram mortos pela
polícia. Na época, o comando era do coronel Telhada. As investigações
da Polícia Civil indicam que os ataques foram forjados, inclusive pelo
fato do irmão do homem morto ter perdoado o Batalhão, já que era sócio
de Telhada.
2. Na noite deste mesmo dia, houve um suposto ataque à casa do Coronel
Telhada. Ele reagiu e matou mais supostos criminosos. A mídia cobriu
ostensivamente. Mas as investigações apontam que o ataque também teria
sido forjado.
3. Rafael Telhada, filho do coronel, também da Rota, estaria sendo
investigado em relatórios do DHPP por possível envolvimento em assaltos
a caixas eletrônicos.
4. As matérias da Band também mostram que o DHPP investigava a denúncia
de que policiais militares eram pagos por membros do PCC para executar
pessoas.
5. Uma outra denúncia é relativa ao convênio firmado entre a
Universidade de São Paulo e a SSP. A parceria surgiu depois da morte de
um estudante. Os relatórios investigativos dizem que os assassinos do
estudante eram traficantes da região e membros do PCC, e diziam que
policiais do 16º Batalhão de Polícia Militar recebiam pagamento da
organização, em um pacto de ocupação territorial da região.
Outros casos foram acontecendo durante o período de mudanças na
secretaria e no bojo das denúncias da emissora, que também virou foco
de disputa:
1. Polícia Militar descobre um plano de sequestro do apresentador José
Luiz Datena, da TV Bandeirantes, no dia 28 de março. Ele elogia o
trabalho de inteligência da PM durante seu programa.
2. No dia 5 de abril, um soldado do mesmo 16o. BTM foi preso pela
Polícia Civil por ser suspeito de ajudar uma quadrilha especializada em
assaltos a casas em SP. Soldado da Rondas Ostensivas com Apoio de
Motocicletas (Rocam), ele mantinha contato com os ladrões e
informava-os sobre aproximações policiais.
3. No dia seguinte, no dia 6 de abril, uma história mais espetaculosa
ainda acontece. O programa do Datena, na TV Bandeirantes, transmitia ao
vivo. Ele passou a se preocupar, pois a ocorrência mostrada do
helicóptero da emissora era bem em frente à sua casa, perto da
emissora, no bairro do Morumbi.
Depois de algum tempo dramatizando, a história é contada. O Coronel
Telhada estava com amigos e seu filho, Rafael Telhada, soldado da Rota,
saindo do Palácio dos Bandeirantes. Não disseram, e também ninguém
perguntou, o que faziam lá. Viram um veículo suspeito, e, quando
comprovaram que se tratava de uma tentativa de sequestro a uma mulher,
passaram a atirar. Mataram um homem, dois foram presos, um fugiu e a
mulher foi salva. Coronel Telhada foi exaltado por Datena porque, mesmo
aposentado, ele agiu “contra o crime”.
As mortes e os arquivamentos tomaram uma proporção assustadora. Desde
que a Polícia Civil começou a investigar os casos classificados como
“resistência seguida de morte”, do dia 6 de abril de 2011 ao dia 27 de
março deste ano, apenas três policiais militares foram presos, das 392
ocorrências.
No 1º semestre de 2012, a polícia já matou 75 pessoas, 25% a mais do
que o mesmo período do ano anterior, segundo dados oficiais. A SSP não
divulga separadamente o número de pessoas mortas em confronto com PMs
de folga.
O número, portanto, pode ser maior e podem se confundir com o aumento
do número de homicídios, já que são contabilizados como homicídios
dolosos.
As investigações passaram para a Polícia Civil depois da divulgação de
uma gravação onde uma mulher relatava por telefone uma execução
praticada por um soldado da PM. Da ausência de investigações nesse tipo
de ocorrência que ocorria antes, para as investigações que são
arquivadas, transferiu-se a responsabilidade para o DHPP, o que acirrou
o conflito entre as policias militar e civil.
Os casos investigados - e arquivados - e as mortes praticadas que
parecem feitas especialmente para serem repercutidas pela mídia para
mostrar eficiência da PM – para aqueles que concordam com as célebres
frases de Maluf -, levaram a disputa no interior do governo, da SSP e
da polícia para as ruas. Mais do que os conflitos entre Polícia Civil X
Polícia Militar; PSDB de José Serra (Antonio Ferreira Pinto) X PSDB de
Alckmin (Saulo de Castro), existem razões mais antigas e de fundo que
apontam sentido ideológico na atual briga.
Disputa antiga na polícia
O cientista político Guaracy Mingardi busca uma explicação histórica
para os conflitos no interior da polícia. Segundo ele, até a década de
70 havia três polícias em São Paulo: Civil, Força Pública (uma espécie
de exército paulista que ficava aquartelado, como uma milícia que
respondia só ao governador) e a Guarda Civil. “Em 69, o regime militar
disse ‘isso não dá certo porque a gente não controla a polícia’.
Então, eles juntaram no mesmo balde a Força Pública, a Guarda Civil e
criaram a Polícia Militar. E para manter aquilo sob controle o
primeiro, segundo, terceiro comandantes foram coronéis ou generais do
Exército, pra militarizar aquela polícia. Ou seja, militarizou com base
no que o Exército achava que era o trabalho policial”.
Mingardi faz uma distinção importante sobre o papel da polícia e o das
Forças Armadas. A segunda é treinada para abater inimigos externos. Em
sua opinião, “a partir dos anos 70 esse comando do Exército foi
recriando a ideia do inimigo. É nesse momento que vem a figura do
suspeito: preto, pobre, da periferia, porque, para um agrupamento
militar é preciso ter a ideia do inimigo, que deve ser identificável
enquanto grupo que deve ser derrotado”.
Durante a formação da primeira geração de oficiais com essa
mentalidade, chamados tenentes-bandideiros – que são os matadores -,
havia mais dois grupos que disputavam o comando da PM. Com o final da
ditadura militar, o grupo ligado ao Serviço Nacional de Informações
(SNI) – órgão da inteligência do regime – perde força e a disputa fica
entre os tenentes-bandideiros e o comando formal da PM.
“Houve mudanças, mas a desmilitarização legal não foi acompanhada da
desmilitarização do pensamento. Isso é importante porque a questão
legal, se não é acompanhada pela mudança de mentalidade, muitas vezes
provoca uma briga que quem sofre é parte da população. O grupo mais
legalista e o grupo mais militarizado da polícia brigam e aquele que é
mais violento vai querer impor suas táticas apesar da legalidade ser
outra. E nós ficamos espremidos no meio da briga”, disse Mingardi
durante seminário “20 Anos de Massacre do Carandiru: Memória e
Presença”, realizado no último dia 25, em São Paulo. “A disputa que está
acontecendo agora tem muito a ver com isso.
Aparentemente chegou-se num acordo, mas foi uma briga de meses”,
concluiu o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, que defende que a
ala linha-dura da PM é segunda geração dos tenentes-bandideiros criados
pelos coronéis da ditadura militar.
Blindagem judicial
O último fato, que chama a atenção e expande a dimensão do conflito,
também aconteceu no dia 6 de abril. O Ministério Público do Estado de
São Paulo, órgão responsável por fiscalizar o governo local, passava
por eleições internas. De acordo com o regimento, o governador é
responsável pela nomeação do Procurador-geral de Justiça, a partir da
lista dos mais votados. Geraldo Alckmin escolheu o segundo colocado, o
que causou estranhamento geral, inclusive porque o mais votado foi
Felipe Locke, que ficou internacionalmente conhecido e ganhou menção
honrosa no Prêmio Direitos Humanos em 2001, justamente por sua atuação
no caso do Massacre do Carandiru, no qual era promotor.
Locke comentou brevemente o caso e disse que os argumentos de sua não
escolha devem ser dados por Alckmin. O promotor descartado busca até
hoje julgar os envolvidos no Massacre do Carandiru. Enquanto isso, o
atual secretário do Colégio de Procuradores do MP, posto importante do
órgão, é Pedro Franco de Campos, que, justamente na época do massacre
era nada mais nada menos que o Secretário de Segurança Pública e foi
testemunha das mortes.
O MP, dirigido pelo escolhido de Alckmin, Márcio Fernando Elias Rosa, é
um espaço onde personagens como o atual secretário de segurança,
Antônio Ferreira Pinto, e o anterior, Saulo de Castro, têm influência. A
Polícia Militar mata – muitas vezes pra mostrar ‘eficiência’ diante de
denúncias de corrupção -, a mídia cobre os fatos isoladamente, a
Polícia Civil inicia as investigações, a SSP as arquiva, e o Ministério
Público não toma providências a respeito, mesmo diante de evidências,
permitindo assim que o governador permaneça imune.
Em uma análise mais geral da relação do Estado com o crime organizado
depois do Massacre do Carandiru e dos Crimes de Maio, Alexandra Teixeira
afirma que a violência institucional anda ao lado da corrupção. “Elas
se referem ao mesmo fenômeno. No Brasil, historicamente, o Estado se
inseriu no crime. Claro que existe uma relação direta entre crime
articulado e a economia criminal com o Estado. Isso é muito patente. No
caso do PCC, há diversas matizes que deixam isso mais claro. No mínimo,
há um acordo tácito entre a administração prisional e o PCC. E não por
acaso o atual secretário de segurança pública assumiu como secretário
de administração penitenciária depois dos ataques de maio. Isso é
evidente. Também são evidentes os acordos com a Polícia Civil, que foi o
que detonou os ataques de 2006”, diz Teixeira.
Na opinião da especialista, existe um abafamento “porque, com este
Estado, com essa política de militarização, a PM é o cartão postal da
eficiência e da segurança, principalmente no estado de São Paulo. Esse
discurso é, infelizmente, acatado pela mídia”. Obra do PSDB e de seus
aliados.
Fábio NassifNo Carta Maior
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