No livro “Doutrina do Choque”, a escritora Naomi Klein mostra que os dois armaram uma bomba relógio.
Naomi Klein |
Uma aula brilhante de mundo moderno. É uma maneira sintética de definir o livro A Doutrina do Choque, da escritora, jornalista e ativista canadense Naomi Klein, 44 anos.
Vou colocar, no pé deste artigo, um documentário baseado na obra, com
legenda em português. Recomendo que seja visto, e compartilhado.
Naomi, como é aceito já consensualmente, identifica em Reagan e
Thatcher, cada um num lado do Atlântico, um movimento que levaria a uma
extraordinária concentração de renda no mundo.
Ambos representaram administrações de ricos, por ricos e para ricos. Os
impostos para as grandes corporações e para os milionários foram sendo
reduzidos de forma lenta, segura e gradual.
Desregulamentações irresponsáveis feitas por Reagan e Thatcher, e
copiadas amplamente, permitiram a altos executivos manobras predatórias e
absurdamente arriscadas com as quais eles, no curto prazo, levantaram
bônus multimilionários.
O drama se viu no médio prazo. A crise financeira internacional de
2007, até hoje ardendo mundo afora, derivou exatamente da ganância
irresponsável e afinal destruidora que as desregulamentações estimularam
nas grandes empresas e nos altos executivos.
No epicentro da crise estavam financiamentos imobiliários sem qualquer
critério decente nos Estados Unidos, expediente com o qual banqueiros
levantaram bônus multimilionários antes de levar seus bancos à
bancarrota com as previsíveis inadimplências. (Ruiria, com os bancos,
também a ilusão de que o reaganismo e o thatcherismo fossem eficientes.)
Tudo isso, essencialmente, é aceito.
O engenho de Naomi Klein está em recuar alguns anos mais para estudar a
origem da calamidade econômica que tomaria o mundo a partir de 2007.
O marco zero, diz ela, não foi nem Thatcher e nem Reagan. Foi o general
Augusto Pinochet, que em 1973 deu, com o apoio decisivo dos Estados
Unidos, um golpe militar e derrubou o governo democraticamente eleito
de Salvador Allende no Chile.
Foi lá, no Chile de Pinochet, que pela primeira vez apareceria a
expressão “doutrina de choque”. O autor não era um chileno, mas o
economista americano Milton Friedman, professor da Universidade de
Chicago.
Um programa criado pelo governo americano dera, na década de 1960,
muitas bolsas de estudo para estudantes chilenos estudarem em Chicago,
sob Friedman, um arquiconservador cujas ideias beneficiam o que hoje se
conhece como 1% e desfavorecem os demais 99%.
Dado o golpe, os estudantes chilenos de Friedman, os “Chicago Boys”,
tomaram o comando da economia sob Pinochet e promoveram a “Doutrina do
Choque” – reformas altamente nocivas aos trabalhadores, impostas pela
violência extrema da ditadura militar.
Da “Doutrina do Choque” emergiria, no Chile, uma sociedade abjetamente
iníqua que anteciparia, como nota Naomi Klein, o que se vê hoje no
mundo contemporâneo.
O Brasil, de forma mais amena, antecipara o Chile: o golpe militar,
também apoiado pelos Estados Unidos (e pelas grandes empresas de
jornalismo, aliás), veio nove anos antes, em 1964. Tivemos nossos
Chicago Boys, mas em menor quantidade, como Carlos Langoni, que foi
presidente do Banco Central.
Com sua sinistra “Doutrina do Choque”, Friedman, morto em 2006, é o
arquiteto do mundo iníquo tão questionado e tão merecidamente combatido
em nossos dias.
Um dos méritos de Naomi Klein é deixar isso claro – além de lembrar a
todos que situações de grande desigualdade são insustentáveis a longo
prazo, como a guilhotina provou na França dos anos 1790.
No Diário do Centro do Mundo
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