Existe alguma dúvida de que a denúncia do PGR contra Renan Calheiros tramitou em uma semana, após ficar parada durante anos, só por razões políticas?
A Constituição de 1988 dotou o Ministério Público do Brasil de funções,
competências e garantias sem precedentes em relação às Constituições
anteriores. As prerrogativas conferidas à instituição pelo texto
constitucional por certo permitiram um significativo avanço de nossa
ainda imberbe democracia. Contudo, o MP brasileiro se encontra sob
ameaça.
O Ministério Público Federal (MPF) é parte do Ministério Público da
União (MPU), também composto pelos Ministérios Públicos do Trabalho,
Militar, do Distrito Federal e de Territórios (MPDFT). Juntos, MPU e
Ministérios Públicos Estaduais formam o Ministério Público Brasileiro.
Atribuições e instrumentos do Ministério Público estão previstos no
artigo 129 da Constituição, no capítulo “Das funções essenciais à
Justiça”. Funções e atribuições do MPU estão na Lei Complementar nº
75/93.
Os leitores deste blog por certo já leram, nos preâmbulos das representações ao MPF aqui publicadas, que “O
Ministério Público (MP) é uma instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art.127, CF/88)”.
O MPF é chefiado pelo procurador-geral da República, escolhido e nomeado
pelo presidente de turno após a aprovação de seu nome pela maioria
absoluta dos membros do Senado Federal.
Desde a fundação do Ministério Público da União, determinada pela Carta
de 1988, o cargo de Procurador Geral da República foi ocupado por
Geraldo Brindeiro (1995-2003), nomeado por Fernando Henrique Cardoso, e
por Cláudio Lemos Fonteles (2003-2005), Antonio Fernando Barros e Silva
de Souza (2005-2009) e Roberto Monteiro Gurgel Santos (2009- ), todos
nomeados por Luiz Inácio Lula da Silva.
De todos esses procuradores-gerais, somente o último vem tendo um
comportamento que, além de escandaloso, é arrogante e ameaçador à
instituição que chefia. Dirão que o pior PGR foi o de FHC, que ficou no
cargo de ponta a ponta daquele mandato presidencial, tendo engavetado
tudo que não interessava ao governo que o nomeou.
Discordo.
Brindeiro, o inesquecível “engavetador-geral” da República, teve uma
atuação discreta e limitou-se a não fazer nada. Apesar de ser vergonhosa
a atuação daquele indivíduo, passou os oito anos do governo do PSDB sem
ao menos ser notado.
Roberto Gurgel é diferente. Não se limita à inoperância e vai ao ataque
sob um escandaloso viés político-partidário. A diferença dele para
Brindeiro é que este defendeu o governo que o nomeou, enquanto que o
atual PGR se transformou em adversário político de quem o nomeou e do
partido de quem o nomeou.
Esse cargo, explica-se, não pode, em nome do melhor interesse
democrático, ser ocupado nem por aliado, nem por inimigo de quem o
preencheu.
Gurgel, porém, tornou-se infinitamente pior ao se transformar em ator
político, com suas seguidas entrevistas à imprensa oposicionista, nas
quais se converteu em detrator do partido da presidente da República
enquanto, contra si, pesam omissões escandalosas como no esquema do
bicheiro Carlos Cachoeira e suas relações perigosas com o ex-senador
Demóstenes Torres e com o governador de Goiás, Marconi Perillo.
Denunciando petistas com fúria redobrada e acobertando demos e tucanos
com singeleza e desvelo, Gurgel, agora, chega ao ponto máximo de sua
atuação político-partidarizada no caso do novo presidente do Senado,
Renan Calheiros.
As denúncias contra Calheiros explodiram em 2007, quando deixou o mesmo
cargo para o qual acaba de ser empossado no âmbito de um escândalo que
envolveu até uma ex-namorada que se valeu da fama que interesses
políticos lhe delegaram para posar nua para uma revista masculina, a
despeito da ausência de maiores atributos físicos.
Nos últimos cinco anos, a denúncia oportunista feita contra Calheiros
dormitou nos escaninhos da Justiça e do Ministério Público. A “fartura”
de provas contra o senador peemedebista que a mídia partidarizada
alardeia, ao que tudo indica não teria virado denúncia formal se o mesmo
não tivesse se candidatado à Presidência do Senado.
Qualquer cidadão que não seja um completo cara-de-pau – ou um completo
idiota – achará que acatar de repente uma denúncia que ficou parada por
anos, e justamente a uma semana da eleição para a Presidência do Senado,
equivale a transformar a Procuradoria em linha auxiliar de um grupo
político.
Existe alguma dúvida de que a denúncia do PGR contra Renan Calheiros
tramitou em uma semana, após ficar parada durante anos, só por razões
políticas? Quem tem coragem de exibir tanta falta de vergonha na cara
negando que Gurgel transformou o Ministério Público em um organismo
partidarizado e, mais do que tudo, desavergonhado?
É lamentável e altamente danoso à democracia que uma instituição como o
Ministério Público, tão necessária, seja conspurcada por uma figura
menor e que, de forma alguma, reflete o conjunto da instituição, pois,
em verdade, ela abriga muita gente idealista e decente, ainda que,
conjunturalmente, possa estar em minoria.
Conforme bem lembrou o site Brasil 247,
caberá a Calheiros analisar representação do senador Fernando Collor de
Mello contra Gurgel por ter acobertado durante anos o esquema de
Carlinhos Cachoeira e as relações criminosas do ex-membro do Ministério
Público e ex-senador Demótenes Torres, mas só até que a Polícia Federal
fizesse o que o MP não fez.
Passou da hora de o Congresso se levantar contra essa escandalosa
utilização política do Ministério Público do Brasil por ação de alguém
que está enlameando e desacreditando a instituição e, assim, todos os
seus membros, cada vez mais vistos como suscetíveis de serem corrompidos
por grupos políticos e econômicos.
O ataque da trinca Ministério Público, “imprensa” e Supremo Tribunal
Federal ao Poder Legislativo precisa de resposta, razão pela qual até
senadores da oposição negaram a essa trinca a prerrogativa de coagir o
Senado a eleger quem preferia para presidir a Casa. Que esse sentimento
prospere e chame Gurgel às falas, em defesa da democracia.
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