Nos últimos dias, tem havido grande efervescência política com o
lançamento, claro ou velado, de diversas candidaturas à Presidência da
República, inclusive a da própria Presidenta. A profusão de prováveis
candidatos de oposição a Dilma – estimulados pela mídia - deixa
evidente, de cara, que o pessoal do PIG não acredita que Aécio ou
qualquer outro tucano seja capaz de vencer a eleição. E a direita
experimenta seus sonhos de consumo nas figuras de Marina Silva (nem de
direita nem de esquerda, porque tudo que cai na REDE é peixe...),
Eduardo Campos (cujo avô, Miguel Arraes, deve tremer no túmulo com
certos entusiasmos de ocasião destinados ao neto) e até uma outra, que
merece aqui observação mais atenta.
Recentemente – entre os dias 20 e 26.02 -, vimos surgir, nas charges
do Chico, cartunista/chargista de presença diária no “Globo” junto a
figuras de “presidenciáveis” – como Marina, Aécio e Eduardo – a do
ministro, Joaquim Barbosa. Nada a objetar, se ele não estivesse
aparecendo, como os outros e com os outros, no estilo “mocinho que
invade o saloon”, em atitude acintosa de oposição à presidenta Dilma. Em
uma delas, a que me parece mais grave, a charge vem acompanhada da
mensagem/fala atribuída aos quatro personagens – Joaquim Barbosa
inclusive - e dirigida à Dilma: “- Eu vou tirar você desse lugar”.
Chico costuma seguir, em suas charges, a linha editorial do
jornal onde trabalha. Nada contra: ele tem todo o direito de possuir o
posicionamento político-ideológico da mídia a que serve. Isso não se
discute. E é igualmente óbvio que ele pode fazer humor com as coisas e
pessoas que bem entender, assumindo, claro, suas responsabilidades
éticas. Mas é obrigação cidadã não deixar passar em branco aquilo
que – com humor ou sem ele – cheira a desvio antidemocrático.
No campo político, a charge envolvendo personagens do nosso dia a dia
corresponde a uma tradição e deve ser saudada como manifestação da
liberdade de comunicação e da expressão de ideias. Isso é ponto
pacífico. Creio mesmo que, apesar de pouco republicana, a colocação do
Presidente do Supremo ao lado de políticos oposicionistas mandando
mensagens contrárias à Presidenta é um direito do chargista. Lá no
fundo, ele pode estar desejando a candidatura do Ministro Joaquim
Barbosa a Presidente do país. Ou pode, o que seria postura lastimável,
estar torcendo pela monitoração do poder executivo pelo poder
judiciário.
Sabemos todos que os humoristas são sempre os primeiros a ser
perseguidos por sistemas repressores de poder. É só lembrar, na história
recente do país, a turma do Pasquim... No Brasil de hoje, felizmente, é
livre a comunicação. Mas é igualmente livre a interpretação que se
possa fazer das intenções de quem atua na mídia, humorista ou não. O
episódio das charges do Chico pode ser irrelevante para muitos. E ele
pode nem ter percebido o sentido que se poderia dar à sua criação. Mas
assim como “de grão em grão a galinha enche o papo”, de pequenos golpes
em pequenos golpes pode-se chegar a um grande ataque às instituições.
De qualquer forma, nada tenho contra o cartunista, apenas estou divergindo
de suas ideias. Tenho certeza de que ele não se importará nem um pouco
com os meus gostos, mas, entre os diversos Chicos brasileiros,
ideologicamente prefiro o Chico Buarque de Holanda – pela coerência ao
longo da vida – e o Chico Mendes – morto em defesa dos seringueiros
massacrados pelo poder. E quanto ao humor, minha predileção vai para o
Chico Anysio, pela sua criatividade não pautada...
Provoca estranheza, isso sim, que o Presidente do STF se deixe
retratar dessa forma, sem qualquer palavra a respeito. Não é por falta
de espaço na mídia, onde ele, seguidamente, vem opinando sobre diversos
problemas da sociedade. Não por acaso, no dia 01.03, ele foi personagem
central da coluna do Merval Pereira, com considerações do colunista
sobre a possibilidade de vir a ser candidato à Presidência da República.
E é claro que ele tem direito a postular o cargo, como qualquer cidadão
brasileiro. Mas, em nome da independência entre os poderes
constituídos, obtida a duras penas pela democracia brasileira, e
considerada, fundamentalmente, a sua condição de magistrado - julgador,
inclusive de feitos em que o poder executivo está envolvido -, ele
deveria contestar claramente uma possível inferência, extraída da
charge, de que – como presidente do Supremo que é - estaria “fazendo o
jogo” da oposição ao atual Governo, eleito, diga-se, pela expressiva
maioria do povo brasileiro.
No momento em que o julgamento do Mensalão, aplaudido por muitos, é
considerado por outros um episódio de cartas marcadas, político em sua
essência, onde terá faltado a observância a princípios básicos do
direito, com casuísmos e inversões doutrinárias, Joaquim Barbosa deveria
ser, no mínimo, por sagacidade e prudência, o primeiro a rejeitar tal
postura a ele atribuída, porque ele representa o poder maior da justiça
neste país e não pode, em hipótese alguma, deixar que se sobreponha a
essa posição a interpretação de que age politicamente, seja atrelado a
um grupo, seja a serviço de seus interesses pessoais. A não ser, é
claro, que concorde com a insinuação, hipótese em que deveria afastar-se
do Supremo e dedicar-se aos projetos de um candidato oposicionista.
Afinal, de todas as autoridades maiores dos poderes do país – que não
valem pelo que são individualmente, mas pelo que encarnam como
representantes dos interesses do povo -, esperam-se, permanentemente e
sem cochilos, posturas condizentes com os ideais republicanos que se
obrigam a defender.
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