Tomando como exemplo a compra da gigante
americana Heinz, pelo fundo 3G, de Jorge Paulo Lemann, há pouco mais de
um mês, o negócio foi fechado por duas vezes o faturamento e 19 vezes o
lucro da companhia. No caso da minúscula sorveteria Diletto, adquirida
por Verônica Serra, filha de José Serra, e o bilionário Lemann, os
parâmetros foram totalmente distintos, numa aquisição precificada em 17
vezes o faturamento de uma sorveteria que talvez ainda nem tenha
começado a lucrar. Ou há muita confiança ou algo ainda permanece
misterioso na transação.
Brasil 247
– No dia 14 de março deste ano, o fundo 3G, do bilionário Jorge Paulo
Lemann, protagonizou a maior aquisição da história da indústria
alimentícia. Por US$ 23 bilhões, ele e seus sócios compraram a
gigantesca empresa norte-americana Heinz, dona da principal marca de
ketchups do mundo.
Negócios desse porte sempre obedecem a critérios claros e objetivos. No
caso da Heinz, o 3G pagou o equivalente a duas vezes o faturamento da
Heinz, de US$ 11,5 bilhões no ano passado, e 19 vezes o lucro da
companhia. Essa relação preço/lucro, o chamado P/E (price/earnings), é o
principal parâmetro utilizado em avaliações de empresas. Uma relação de
dez vezes o lucro, muitas vezes, é adequada numa aquisição, mas há
também casos em que se pagam prêmios, como no caso da Heinz.
Nada, no entanto, é comparável ao negócio fechado por Lemann e Verônica
Serra, sócios do fundo Innova, na compra de 20% da minúscula sorveteria
Diletto, de Cotia (SP), por R$ 100 milhões. A empresa, que tem dois anos
de vida e fatura R$ 30 milhões por ano, foi avaliada em R$ 500 milhões.
Ou seja: 17 vezes o faturamento. Se o critério utilizado na Heinz fosse
semelhante, a empresa americana valeria US$ 195,5 bilhões, e não os US$
23 bilhões pagos pelo 3G. A relação preço/lucro da Diletto é
desconhecida, uma vez que seus números não são públicos e não se sabe
sequer se a companhia começou a lucrar.
Procurados pela reportagem do 247, nem o fundo Innova nem o bilionário
Lemann informaram quais foram os critérios que embasaram a aquisição.
Por exemplo, quem fez a avaliação e quais foram os parâmetros
utilizados?
Verônica, como se sabe, é filha de José Serra e teve seus negócios
esquadrinhados no livro “Privataria Tucana”, um best-seller publicado
pelo jornalista Amaury Ribeiro Júnior. Depois de uma bolsa de estudos
em Harvard, concedida pelo próprio Jorge Paulo Lemann, ela se tornou
gestora de fundos de investimento, ao lado do marido Alexandre
Bourgeois.
Lemann, por sua vez, foi diretamente beneficiado no governo FHC, pela
decisão mais importante de sua trajetória empresarial: a aprovação, pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, da fusão entre
Brahma e Antarctica, ocorrida em 1999, que lhe deu 70% do mercado
brasileiro e musculatura monopolista para crescer em outros países.
Naquele momento, o Cade era presidido por Gesner Oliveira e José Serra
era candidato à sucessão de FHC. Serrista de carteirinha, Gesner se
tornou presidente da Sabesp, estatal de saneamento, no governo tucano.
E, depois da fusão Brahma-Antarctica, o Cade jamais voltou a permitir a
realização de outros atos de concentração de mercado tão intensos. Por
exemplo, ao comprar a Sadia, a Perdigão se viu forçada a vender vários
ativos.
Leis que restringem monopólios existem nos Estados Unidos desde o início
do século passado para proteger indivíduos e consumidores do poder das
grandes corporações. Recentemente, ao tentar comprar a cervejaria
mexicana Modelo, Lemann teve suas pretensões barradas por autoridades
regulatórias dos Estados Unidos, país onde ele também enfrenta a
acusação de aguar a cervejaria Budweiser, prejudicando a qualidade de um
ícone americano, em favor do lucro.
O caso Diletto é tão fora dos padrões que gerou até uma movimentação
atípica, nos meios de comunicação, para preservar as imagens de Lemann e
de Verônica. Nas reportagens, o nome da filha de Serra aparece no fim,
quase escondido. Além disso, embora a transação tivesse sido anunciada
na noite de segunda-feira, uma reportagem-exaltação já aparecia
impressa, na manhã do dia seguinte, na versão brasileira da revista
Forbes, sobre o "estilo Lemann" e o porquê da decisão de entrar no
mercado de sorvetes.
Em reportagem anterior do 247 sobre o caso (leia mais aqui),
diversos leitores levantaram uma questão intrigante: será que, por meio
de uma aquisição totalmente fora dos parâmetros tradicionais, recursos
oriundos da chamada "privataria" estariam sendo internalizados no
Brasil?
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Um comentário:
E ela nunca vai entrar numa fria...
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