A exemplo de quarta-feira, quando foi eleito o novo papa, o Jornal Nacional de sexta-feira também
foi quase todo dedicado ao assunto. Com a íntegra em mãos, planejava
contar quantas vezes, em 33 minutos de noticiário, determinadas
palavras apareceram. Desisti após o primeiro bloco, quando já se
somavam 23 “papas”, sete “Jesus Cristo”, seis “missa” e uma pilha de
“cardeais”, “igreja”, “basílica”, “deus”, “cúria”, “senhor” etc. Montei
então o roteiro de frases abaixo, todas ditas pelos apresentadores
William Bonner (nos estúdios da Globo no Rio) e Patrícia Poeta (no
Vaticano) e pelos repórteres da emissora que fizeram a cobertura por
lá, na Argentina e em Jerusalém. É bom sublinhar que esse texto nem de
longe consegue retratar o que foi essa edição do JN de fato. Tudo o que
é descrito a seguir vinha acompanhado da entonação certa, trilha
“emocionante”, edição cuidadosa, sorrisos etc. As frases estão em ordem
de aparição no programa:
“O primeiro dia do novo papa, a primeira missa”“Como o papa se tornou conhecido pela simplicidade”“Um papa matutino”“Começou impondo um estilo novo ao papado e recusou o carro oficial”“´Também sou um peregrino´, disse”“Comportou-se como um padre, quase um pai de família. Nem usou o trono para a homília”“Tem a simplicidade evangélica de João 23 e o sorriso paterno de João Paulo I”“O papa Francisco começa a conquistar um certo fascínio que já existia entre os cardeais”“O colégio de cardeais, num grande e inteligente gesto, em poucas horas mudou o rosto da igreja”
Uchôa se questiona: “De onde vem essa inspiração, esse sentimento de humildade?” |
Aí entra ao vivo Don Odilo Scherer, que respondeu a 4 perguntas
rápidas. Terminou a última, sobre a “torcida brasileira” a seu favor,
dizendo que “os cardeais deveriam escolher aquele que deus indicasse”. E
Patrícia, emocionada: “Que assim seja”.
Vem então uma reportagem sobre beatificação de João Paulo 2º: “O
papa peregrino, João Paulo 2º, pregou com gestos a humildade … tinha
sorriso sereno e cativante … enorme carisma para se comunicar com as
multidões… a igreja concluiu sua beatificação, último passo antes de
torná-lo santo … O clamor começou logo após sua morte, em abril de 2005.
Depois, veio a descoberta do primeiro milagre. A cura de uma freira
francesa, que sofria de mal de parkinson”. Sim, amigos. O tal
milagre entra dessa forma, como uma notícia banal. E, mesmo em um
jornalzinho de faculdade parece-me prudente, tratando-se de um
“milagre”, usar um “suposto” ou “segundo a igreja”…
Continuam as frases do JN:
“O moderado e humilde Jorge Bergoglio”
“Antes mesmo de se tornar papa, já era conhecido por cultivar hábitos simples”
“Nos primeiros gestos, nas primeiras palavras, já um jeito próximo, natural. ´Irmãos, irmãs, boa noite’. Ali estava não mais o Jorge, mas o Francisco”
“O nome já era um recado, mas era necessário mais. E para esse papa, o mais era o menos. Despojado, sem joias, apenas a batina branca”
“Repare no crucifixo, é de aço, nem mesmo é de prata”
“[Deixou que] vários cardeais se apertassem no elevador com ele”
“Preferiu ir de ônibus com os cardeais, deixando o carro especial do pontífice seguir vazio”
“De onde vem essa inspiração, esse sentimento de humildade? Até agora, o próprio papa não falou nada sobre isso”
“Francisco parece já ter definido como prioridade do seu papado a solidariedade para os que mais precisam”
“Ontem ao se despedir do público, dizendo ´boa noite, bom repouso´, parecia um pai que vela pelos filhos. Sua santidade. Santa simplicidade”
Começa um bloco sobre a vida de Bergoglio na Argentina. O JN lembrou
rapidamente das críticas mais fortes que pesam sobre o novo papa, seu
alegado apoio à ditadura no país vizinho: “Durante a década de 1970,
na ditadura argentina, Bergoglio era a principal autoridade
eclesiástica do país. Um jornalista o acusou num livro de ter dado
informações que levaram à prisão de 2 padres jesuítas, que supostamente
teriam ligações com grupos de esquerda. Em sua defesa, Bergoglio disse
que há um documento que prova o contrário. Ele pediu a renovação dos
vistos de permanência no país de um deles. Já um biógrafo do papa diz
que ele agiu secretamente para ajudar a retirar perseguidos políticos da
Argentina”. Esse pedaço “crítico” do noticiário durou pouco mais de um minuto, e termina assim: “Papa Francisco tem posição semelhante a de Bento XVI: é contra o uso de preservativos”.
Voltam as frases:
“Na terra santa, as pessoas rezaram e se disseram contentes com a escolha de um papa humilde, de nome Francisco”“Por todo Oriente Médio foi assim: atenções voltadas para o homem de fala suave e olhar sereno”
“Procuramos muito e achamos uma lembrancinha, tá aqui Bonner, to mostrando pra vocês” |
“Já que estamos falando de carisma, o que chamou a atenção hoje aqui
nas ruas do Vaticano foi o número de fieis tirando fotos, entrando nas
lojas e perguntando se tinha um santinho, um terço, uma lembrança do
novo papa. Isso horas depois dele ter sido eleito. E quem procurou
muito, acabou encontrando. Eu achei, nós procuramos bastante e achamos,
tá aqui: “Habemus Papam Franciscum [e mostra um santinho com a cara do argentino]. Tá aqui Bonner, tô mostrando pra vocês”
No bloco final, Patrícia ameaça com um pouco de jornalismo: “Apesar
de tanto segredo, a imprensa daqui começa a publicar alguns detalhes do
conclave que elegeu o novo papa. De acordo com o que um respeitado
vaticanista declarou a um jornal italiano, a primeira votação apresentou
o italiano Ângelo Scola, o canadense Mark Ouellet e Jorge Bergoglio
com mais votos”. Mas logo desconversa: “Mas isso não importa mais…”.
E segue:
“Em mais uma demonstração do bom humor que estamos começando a conhecer, o papa brindou com os cardeais que o escolheram”
Em seguida, recebe os cumprimentos do parceiro de bancada e editor do
JN, William Bonner, que encerra assim o Jornal Nacional desse 15 de
março:
“Missão cumprida, Patrícia. Para você e para toda nossa equipe que fizeram esse trabalho belíssimo aí no Vaticano, parabéns”.
“Missão cumprida, Patrícia. Parabéns” |
No Desculpe a nossa fAlha
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