Entupir o leitor com fofocas de gente famosa não merece nunca ser chamado de jornalismo.
“Qual a sua visão sobre jornalismo de celebridades?”, me pergunta Caio, repórter da Trip, por telefone.
“Jornalismo de celebridades bom é jornalismo de celebridades morto”, respondo.
Penso num instante se estou exagerando e logo concluo que não.
Jornalismo pode não ser um sacerdócio, como alguns românticos pensam –
mas também não é o comércio abjeto de fofocas e intrigas que é o
jornalismo de celebridades.
O jornalismo de celebridades deseduca o leitor. Contribui para que ele permaneça no hades da ignorância que o faz acreditar que é importante saber que a atriz da novela das 8 está namorando com o galã da novela das 9.
Some publicações como as revistas Quem, Caras e Contigo, e mais as
assemelhadas que copiam a fórmula, e você vai chegar a zero em dignidade
jornalística. Você não vai sair do zero se acrescentar as primas-irmãs
deste tipo de publicação, as colunas sociais dos jornais.
É chocante que Quem, Caras, Contigo et caterva sejam impressas no
chamado “papel isento” — um velho benefîcio fiscal supostamente
destinado a estimular a produção de conteúdo educativo.
Se o jornalismo de celebridades fosse uma escada rumo a leituras mais
sérias, haveria algum sentido nele. Mas não. É uma jornada que leva do
zero ao menos 1, e daí para baixo. Lamentavelmente, até a mídia digital
foi infestada de jornalismo de celebridades. O que os internautas mais
consomem, no mundo inteiro, são futricas – e bizarrices.
E não só eles, é claro. Em meus dias de editora Globo, certa vez a
então diretora da Quem veio a minha sala com um ar triunfal. Um
conhecido banqueiro, me disse ela, se revelara na velhice homossexual.
“Conta pro João que ele adora esse tipo de história”, me disse ela. João
era João Roberto Marinho, aliás é, que eu via toda terça pela manhã nas
maçantes reuniões do Conselho Editorial da Globo. Não sei se João gosta
mesmo de fofocas, e acho mesmo que não. O certo é que não transmiti a
ele o recado.
Há um notável contraponto no jornalismo digital: o Wikileaks.
Passados alguns anos, eu imaginava que já teriam surgido outros
Wikileaks ao estilo do de Julian Assange. Mas o combate feroz de que é
vítima o Wikileaks parece ter desestimulado iniciativas do gênero.
(Assange está enclaururado há meses na embaixada do Equador porque duas
mulheres que quiseram dormir com ele quando ele era o “cara mais legal
do mundo”, nas palavras de uma delas, o acusaram de forçá-las.)
O jornalismo de celebridades é um Big Brother em forma de notícias:
não há milagre que o melhore. Rastejará qualquer que seja o formato. Na
Inglaterra, como lembra o jornalista John Pilger, os tablóides começaram
a morrer como alguma coisa editorialmente significativa quando se
renderam ao jornalismo de celebridades. Daí a invadirem criminosamente
caixas postais de pessoas em busca de furos foi apenas um passo.
Os tablóides ingleses são agressivos em relação às celebridades. São,
nisso, o oposto do jornalismo de celebridades do Brasil, onde todos os
personagens são lindos, íntegros e felizes.
Nenhuma das duas fórmulas – agredindo ou louvando — salva o
jornalismo de celebridades da espantosa mediocridade a que ele condena a
si próprio e aos leitores.
Jornalismo sem nada de educativo não é jornalismo. Exclamação. E o jornalismo de celebridades apenas deseduca.
Não sei se era exatamente isso que Caio, o repórter da Trip, esperava
ouvir. Mas uma vida inteira passada em redações consolidou em mim não
diria nem aquela opinião – mas aquela convicção plena, total, reluzente
de tão clara e límpida.
Paulo NogueiraNo Diário do Centro do Mundo
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