Despachos oriundos da embaixada de Buenos Aires, vazados pelo
Wikileaks, revelam que o novo papa da Igreja Católica, o argentino Jorge
Bergoglio, era um nome bastante citado pela oposição argentina em
conversas com diplomatas americanos.
Embora não haja nenhuma conversa direta entre o líder religioso e os diplomatas dos Estados Unidos, os oito cables
que citam o cardeal no período de 2006 a 2010 mostram que a oposição
do país vizinho, assim como os americanos, via nele um agente político
poderoso contra os Kirchner.
O atual papa Francisco é citado em um documento do final de outubro de 2006
que trata do revés político sofrido pelo aliado de Néstor Kirchner,
então presidente, na província de Missiones, no nordeste do país. Carlos
Rovira, tentara um plebiscito para alterar a constituição da província
e tornar possível sua própria reeleição por indefinidas vezes. Mas foi
batido pela oposição liderada pelo bispo emérito de Puerto Iguazú,
Monsignor Piña.
“O Cardeal Jorge Mario Bergoglio, líder da Arquidiocese Católica de
Buenos Aires, ofereceu seu apoio pessoal aos esforços de Piña, mas
também desencorajou qualquer envolvimento oficial da Igreja em
política”, relata o documento. O engajamento de outros religiosos na
política é descrito neste mesmo telegrama. “A lista de candidatos da
oposição era constituída principalmente de líderes religiosos, incluindo
ministros católicos e protestantes, que eram amplamente vistos como
líderes morais livres de qualquer bagagem política”, apontaram os
diplomatas.
E se Bergoglio descartava o envolvimento “oficial” da Igreja, outros
documentos revelam que ele não se mantinha longe da política. Em um documento de maio de 2007,
a relação entre a Igreja Católica e o governo Néstor Kirchner é
descrita como “tensa”: “Bergoglio recentemente falou de sua preocupação
com a concentração de poder de Kirchner e o enfraquecimento das
instituições democráticas na Argentina”. Além disso, reportam os
documentos, Bergoglio agia fortemente nos bastidores, provocando a
irritação dos partidários de Kirchner. “O prefeito de Buenos Aires,
Jorge Telerman, e sua parceira de coalizão e candidata a presidência,
Elisa Carrio, supostamente encontraram-se com Bergoglio em abril, e a
inclusão do líder muçulmano Omar Abud na lista de candidatos ao
legislativo de Telerman foi supostamente ideia de Bergoglio”, reportaram
os diplomatas. O religioso também era muito próximo de Gabriela
Michetti, então ex-vice prefeita de Buenos Aires e atualmente deputada
federal da oposição, segundo outro telegrama, de 26 de janeiro de 2010.
A relação desgastada entre a Casa Rosada e a Arquidiocese de Buenos
Aires chegou ao rompimento entre as duas instituições. Os laços
institucionais entre a presidência argentina e o cardeal só seriam
retomados por Cristina Kirchner em 2008, quando ela se encontrou com
Bergoglio, segundo telegrama de abril daquele ano.
Dias depois, os americanos especulam sobre a possibilidade do Cardeal
negar-se a celebrar a missa de 25 de maio – data nacional na Argentina –
em decorrência da mudança das festividades de Buenos Aires para Salta.
Um líder manchado pela relação com a ditadura
Outro telegrama que cita Bergoglio, de outubro de 2007,
narra a condenação de Christian Von Wernich, padre e ex-capelão da
polícia de Buenos Aires durante a ditadura na Argentina. Wernich foi
considerado cúmplice em sete assassinatos, 31 casos de tortura e 42
sequestros.
Após o veredito, a arquidiocese de Buenos Aires publicou uma nota em
que convocava o sacerdote a se arrepender e pedir perdão em público. “A
Arquidiocese disse que a Igreja Católica Argentina estava transtornada
pela dor causada pela participação de um dos seus padres nestes crimes
graves”, relata o despacho.
Para os americanos, este evento acabaria impactando na imagem de
Bergoglio. “Entretando, numa época em que alguns observadores consideram
o primaz católico romano Cardeal Bergoglio ser um líder da oposição à
administração Kirchner por conta de seus comentários sobre questões
sociais”, comenta o documento, “o caso Von Wernich pode ter o efeito,
alguns acreditam, de minar a autoridade moral ou capacidade da Igreja
(e, por conseguinte, do Cardeal Bergoglio) de comentar questões
politicais, sociais ou econômicas”.
Marcus V F LacerdaNo Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário