Aos poucos, Joaquim Barbosa autoriza o país a identificar um estilo político.
Sabendo do risco de ser adorado pelos conservadores, que tentam
enfeitá-lo com o mito de “menino pobre que mudou o Brasil”, agora
reproduzido até pela revista Time (se houve tal “menino pobre” nós
sabemos quem ele é, como se chama, de onde veio e o que fez, certo?),
Joaquim achou necessário colocar-se como pessoa de esquerda.
Apenas por isso declarou que a imprensa brasileira é de “direita”.
Tempos atrás, fez questão de revelar seu voto em Lula e Dilma, lembram?
Sempre de olho no povão, xingou o Congresso e disse que temos partidos
de mentirinha. Como isso é sempre chato e incomoda quem lê jornais,
mandou dizer que falou como acadêmico.
O método de Joaquim Barbosa para construir seu próprio mito político já é
conhecido. Consiste em quebrar regras de convívio democrático e
respeito entre instituições. Depois, dá uma volta sobre o próprio
passo.
Quem procura, de uns tempos para cá, conseguir um lugar na turma do
gargarejo finge que não vê a coerência em determinados movimentos apenas
porque são duplos.
Joaquim disse em tom de crítica:
“O Congresso não foi criado para única e exclusivamente deliberar sobre
o Poder Executivo. Cabe a ele a iniciativa da lei. Temos um órgão de
representação que não exerce em sua plenitude o poder que a Constituição
lhe atribui, que é o poder de legislar.”
Sob a presidência de Joaquim, o Supremo inaugurou uma fase na qual tem
feito o possível para diminuir o Congresso e interferir em sua
atividade.
O Congresso tentou legislar sobre royalties do petróleo. Foi impedido
pelo Supremo. Tentou regulamentar a distribuição de verbas públicas e
tempo na TV para partidos políticos – Gilmar Mendes assinou uma liminar.
O Congresso quer resolver o que fazer com o mandato de deputados
condenados no mensalão, como diz a Constituição. O Supremo manda cassar
de qualquer maneira.
Já aposentado, o ex-presidente do Supremo, Ayres Britto, justifica a atuação extrajudicial do STF sem muitos pudores.
Diz que “o experimentalismo” do Supremo se explica pela “inércia do
legislador.” Ou seja: com este Congresso lento, sem lideranças (quem
sabe preguiçoso e corrupto, não é assim?), o STF se acha no direito de
fazer mais do que a lei manda. É a Constituição à moda de Ayres Britto.
Eu acho muito estranho que alguém reclame da omissão do Congresso
semanas depois da aprovação de uma lei crucial para o bem-estar do país
-- a legislação que regula o trabalho doméstico, última herança do
regime escravocrata.
Considerando que foi uma legislação criada pelos parlamentares e
aprovada por eles, após pressões, manobras protelatórias e ataques de
todo tipo, que se prolongaram durante anos, pergunto como alguém pode
reclamar do Congresso nesses dias, como se fosse possível esquecer um
avanço numa área que se encontrava estagnada desde 13 de maio de 1888.
Ou melhor: entendo perfeitamente porque se fala mal do Congresso por esses dias. Uma pena.
Há outras coisas, também.
Jornalistas que integram a Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo, que possui tantos profissionais respeitáveis em seu
quadro de sócios e dirigentes, resolveram convidar o presidente do STF
para uma palestra.
Pergunto se aquele jornalista que deveria chafurdar na lama estará na plateia.
E aquele outro, brother, que ousou perguntar pela serenidade do ministro do STF, e foi advertido que isso era visão de branco?
Podemos imaginar, desde já, o próximo release explicando, mais uma vez,
que o ministro falou na ABRAJI como acadêmico, num “exercício
intelectual”, numa tentativa de disfarce conhecido, pois poder não faz
“análise”, nem “sociologia”, nem “psicologia”.
Poder é poder durante 24 horas do dia.
Se isso fosse verdade, não haveria motivo aceitável para um assessor do
STF esclarecer opiniões privadas do seu presidente, concorda?
Não custa lembrar que movimentos temerários de aproximação com posturas
autoritárias costumam fazer vítimas entre os companheiros de viagem.
Principal trombone do golpe de 64, Carlos Lacerda não demorou a perder
seus direitos políticos. Articulador civil do golpe, o Estado de S.
Paulo tornou-se alvo prioritário da censura.
Depois de apoiar centros de tortura, nossos espertalhões de ontem
derramam lágrimas de crocodilo quando falam sobre as revelações da
Comissão da Verdade.
Aliomar Baleeiro, udenista que foi golpistas em 1954, 1956 e 1964,
acabou a carreira no Supremo, fazendo arrependidas manifestações a
favor os direitos humanos e das liberdades públicas. Tarde demais –
mesmo para limpar biografias.
A questão de Joaquim é aqui e agora.
Em maio de 2013, o ambiente em torno do Supremo é outro. O debate sobre
embargos irá abrir, necessariamente, uma discussão que ficou abafada
durante o julgamento, em torno de falhas e contradições que ajudaram a
produzir penas tão severas.
Será difícil repetir aquele ambiente de unanimidade cívica do ano passado.
Mas Joaquim vai tentar.
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