O Supremo Tribunal Federal (STF) está dividido no entendimento sobre
a competência constitucional do Senado para suspender a execução de
lei declarada inconstitucional pelo próprio Supremo, ao contrário do
que se depreendeu da reação desproporcionalmente grande à tramitação, no
Congresso, de proposta de emenda constitucional que disciplina o
controle de constitucionalidade e define o Senado e o referendo popular
como última instância das decisões sobre inconstitucionalidade tomadas
pela mais alta corte judiciária do país.
Na mesma sessão plenária do STF de ontem, e em torno da mesma
matéria que provocou a pergunta de Marco Aurélio Mello ao seu colega
Gilmar Mendes, sobre se ele queria revogar um artigo da Constituição,
três dos cinco ministros que proferiram voto em relação a uma
reclamação feita pela Defensoria Pública da União entenderam que o
Senado tem que se pronunciar sobre lei declarada inconstitucional em
pedido de Habeas Corpus para que a decisão do STF produza eficácia.
O voto do relator, o ministro Ricardo Lewandowski, contesta o voto
do relator anterior da matéria, Gilmar Mendes, que foi o primeiro a dar
parecer sobre o caso cujo julgamento começou em 2007, e todos os seus
argumentos. Foi o debate sobre o relatório de Gilmar Mendes que
provocou a discussão entre ele e Mello – Mendes defendia que os artigos
da Constituição que previam o Senado como última instância de decisão
de inconstitucionalidade no caso de julgamentos de Habeas Corpus, que
normalmente envolvem outras questões, havia caído em desuso. Ou melhor,
haviam sofrido "mutação" e se descolado da intenção original do
legislador.
Lewandowski destruiu, em seu relatório, os argumentos de Mendes
invocando um clássico princípio da democracia, a divisão entre poderes.
Seu relatório é um forte arrazoado jurídico e coloca a questão na
dimensão do papel político das instituições democráticas.
“Tal interpretação [a de Gilmar Mendes], a meu ver, levaria a um
significativo aviltamento da tradicional competência daquela Casa
Legislativa no tocante ao controle de constitucionalidade, reduzindo o
seu papel a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo Tribunal
Federal nesse campo. Com efeito, a prevalecer tal entendimento, a Câmara
Alta sofreria verdadeira capitis diminutio no tocante a uma
competência que os constituintes de 1988 lhe outorgaram de forma
expressa.”, diz Lewandowiski, em um dos trechos de seu relatório.
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Leia abaixo matéria do site Consultor Jurídico sobre a sessão do
julgamento da Reclamação 4.335. Em anexo, leia a íntegra do voto de
Lewandowski.
STF discute controle de constitucionalidade pelo Senado
O Supremo Tribunal Federal voltou a se dividir, nesta quinta-feira
(16/5), ao discutir a amplitude das atribuições do Senado diante de
decisões do tribunal que declarem a inconstitucionalidade de leis em
ações de controle difuso. O debate se dá por conta de uma previsão da
Constituição Federal.
Em seu artigo 52, inciso X, a Constituição prevê que compete
privativamente ao Senado “suspender a execução, no todo ou em parte, de
lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal”. Por enquanto, por 3 votos a 2, o Supremo se inclina
por decidir que a lei declarada inconstitucional em pedido de Habeas
Corpus depende da chancela do Senado para ter eficácia geral. Ou seja,
para vincular as decisões de instâncias inferiores e da administração
pública.
Nos casos em que o Supremo declara a inconstitucionalidade de leis em
ações de controle concentrado, casos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, as
decisões surtem efeito imediato, também por conta de previsão expressa
da Constituição.
No artigo 102, parágrafo 2º, o texto fixa: “As decisões definitivas de
mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos
demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Mas quando essa declaração de inconstitucionalidade é feita no
julgamento de outras ações, como a de Habeas Corpus, existe a dúvida
sobre se a decisão do STF surte efeito imediato ou se depende da
chancela do Senado. O tema divide o tribunal e faz a temperatura subir,
ainda que não muito, como se viu nesta quinta.
Os ministros julgavam a Reclamação 4.335, ajuizada pela Defensoria
Pública da União contra decisões da Justiça do Acre que negaram a
progressão de regime a condenados por crimes hediondos. O Supremo já
declarou inconstitucional a lei que proibia a progressão. No julgamento
do HC 82.959, o plenário decidiu derrubar o artigo 2º, parágrafo 1º, da
Lei 8.072/90, que proibia a progressão. Apesar da decisão, o juiz da
Vara de Execuções Penais de Rio Branco vinha rejeitando os pedidos de
progressão de regime com o argumento que a decisão depende de ato do
Senado. Por isso, a Defensoria entrou com Reclamação no STF.
A Reclamação começou a ser julgada em fevereiro de 2007. O ministro
Gilmar Mendes, relator da ação, entendeu que a decisão do Supremo surte
efeito imediato, independentemente de o Senado se manifestar ou não.
Nesta quinta, voltou a defender sua tese. Segundo ele, se o STF decidir
de forma diferente, se transformará em um clube
“lítero-poético-recreativo”. A ação foi suspensa por pedido de vista do
ministro Eros Grau, hoje aposentado.
Em 19 de abril daquele ano, Eros Grau devolveu o processo para
julgamento e votou com a corrente iniciada por Gilmar Mendes. Mas os
ministros Sepúlveda Pertence, já aposentado, e Joaquim Barbosa
divergiram. Para os dois, quando o Supremo declara uma lei
inconstitucional em controle difuso, a decisão vale só para as partes.
Para ter eficácia geral, depende de resolução do Senado. Na ocasião,
Pertence disse que não pode ser reduzida a uma “posição subalterna de
órgão de publicidade de decisões do STF” uma prerrogativa à qual o
Congresso Nacional se reservou.
O julgamento foi retomado nesta quinta-feira, com o voto do
ministro Ricardo Lewandowski, que fez coro aos argumentos de Pertence e
Barbosa. O ministro lembrou que essa é uma prerrogativa dada ao Senado
desde a Constituição de 1934 e que não cabe ao Supremo fazer pouco de
uma previsão expressa da Constituição.
O ministro Lewandowski observou que entre 7 de fevereiro de 2007 e 16
de junho de 2010, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado
pautou, para deliberação dos senadores, 53 ofícios encaminhados pelo
Supremo solicitando a promulgação de projeto de resolução para suspender
a execução de dispositivos declarados inconstitucionais em sede de
controle difuso.
Ainda de acordo com o ministro, dispensar o ato do Senado “levaria a um
significativo aviltamento da tradicional competência daquela Casa
Legislativa no tocante ao controle de constitucionalidade, reduzindo o
seu papel a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo Tribunal
Federal nesse campo”. Segundo ele, “a prevalecer tal entendimento, a
Câmara Alta sofreria verdadeira capitis diminutio no tocante a uma competência que os constituintes de 1988 lhe outorgaram de forma expressa”.
O clima esquentou no tribunal — mas não chegou perto de outras
discussões assistidas recentemente na Corte. O ministro Marco Aurélio
afirmou que “não interessa declarar guerra total, considerado o
Legislativo”.
Depois, Marco Aurélio questionou Gilmar Mendes: “Então Vossa Excelência
conclui pela inconstitucionalidade do inciso X do artigo 52?”. Mendes
se irritou: “Não, Vossa Excelência já deveria ter lido o voto. Vossa
Excelência teria me honrado se tivesse lido o voto”. Marco, então,
apaziguou os ânimos: “Eu quero ouvi-lo. Por isso é que estou
aparteando. Não fique nervoso”. Mendes devolveu: “Um pouco de respeito
há de vir”.
O julgamento não foi concluído porque o ministro Teori Zavascki pediu
vista da ação. Em tempos de tensão entre poderes por conta de recentes
decisões do Supremo, como a liminar que suspendeu a tramitação do
projeto de lei que inibe a criação de partidos, e em razão da proposta
que submete parte das decisões do STF ao crivo do Congresso, o pedido de
vista veio em boa hora, disseram alguns observadores.
No Jornal GGN
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