Joaquim pode ter amargura no coração.
Saiu na revista IstoÉ:
De doméstica a ministra
Ela trabalhou em lavouras e foi
empregada na adolescência. Agora, como membro do Tribunal Superior do
Trabalho, é figura-chave nas discussões da PEC das domésticas
Izabelle Torres e Josie Jeronimo
TRANSFORMAÇÃO
Delaíde tem nas mãos 12 mil processos e o desejo assumido de ajudar pessoas com biografia semelhante à sua
As discussões envolvendo a PEC das Domésticas, promulgada em abril pelo
Congresso, colocaram luz sobre a atuação e a história de vida de uma
ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Aos 60 anos, avó de
três netos, Delaíde Miranda Arantes trabalhou nas pequenas lavouras do
pai no interior de Goiás, foi empregada doméstica na adolescência e se
tornou advogada aos 27 anos. No TST desde 2011, ela tem nas mãos 12 mil
processos e o desejo assumido de ajudar pessoas com uma biografia
semelhante à sua. Transformada em atração nacional depois da aprovação
da emenda 72 – que regula o serviço doméstico -, seu gabinete virou um
ponto de encontro de parlamentares, lideranças sindicais e assessores do
Ministério do Trabalho interessados em debater a regulamentação da
proposta. Na semana passada, entre uma audiência e outra, a ministra deu
a seguinte entrevista para ISTOÉ:
ISTOÉ – A sra. foi empregada
doméstica e ascendeu na carreira jurídica, em uma trajetória de
superação que lembra a do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Como
avalia a atuação do ministro?
Delaíde Miranda Arantes – Eu não sou Joaquim Barbosa. Temos essa
coincidência de trajetórias, mas não penso como ele. Tenho respeito. E
tenho o dever hierárquico de respeito, porque ele comanda o Supremo.
Entretanto, ele faz críticas à magistratura que eu não faria, pois não
contribuem para alterar nada no Judiciário, especialmente pela forma
como ele faz. O presidente do Supremo também critica advogados.
Preocupam-me as declarações que ele fez ao ministro Ricardo Lewandowski
durante o julgamento do mensalão. Eu não critico um colega que vota
diferente de mim. Não acho que tenho esse direito. Eu realmente tenho
uma preocupação com a forma como ele fala e como se coloca.
ISTOÉ – Qual o problema desse comportamento?
Delaíde – A impressão que tenho é que o presidente do STF pode
ter amargura no coração. Às vezes faz discursos duros contra tentativas
de defesa de réus. A gente não sabe por que faz isso. Quem sabe Freud
possa explicar.
ISTOÉ – A sra. tem alguma amargura pelo sofrimento que passou?
Delaíde – Nenhuma. Sou liberada, meu coração é livre. Quando me
formei em direito, minha carteira foi assinada por um sindicato de
trabalhadores com um salário bem pequeno. Fui fazer um cadastro para
comprar roupa a crédito e a moça falou: “Olha quanto ela ganha, por isso
eu não estudo.” Uma vez fui arrumar emprego em Goiânia e uma das moças
que moravam comigo numa república disse que eu não poderia trabalhar em
escritório porque não tinha roupas. Na verdade, eu tinha duas roupas,
dava para enganar. Um dia usava uma. No outro, a outra.
ISTOÉ – Seu passado como empregada
doméstica a transformou em uma interlocutora de diversos setores nas
discussões sobre a PEC 72. Como a sra. vê essas discussões?
Delaíde – A discussão é saudável. O Congresso está preocupado com
a multa de 40% em caso de demissão. Faz sentido. Uma empresa tem uma
rubrica financeira para as despesas trabalhistas. Quando o empregador é
uma pessoa física, isso fica mais complicado. É importante pensar na
criação de um fundo com participação do poder público, mas não tenho uma
fórmula. Haverá uma solução e acho que ela não demora.
ISTOÉ – Os conflitos gerados pela PEC vão inundar a Justiça?
Delaíde – Em 1988, milhares de empresas disseram que iriam à
falência em função de alguns direitos trabalhistas. Agora não temos
empresas reclamando, mas empregadores dizendo que não podem mais ter
empregadas, que não vai ser possível suportar. Mas o ônus não é tão
grande. Está havendo um superdimensionamento. O ponto principal é tomar
cuidado para não criar condições de questionamentos judiciais em
demasia, em especial quanto às horas extras. O resto ainda será
discutido. Aposto muito no diálogo entre empregada e empregador.
ISTOÉ – A PEC está sendo criticada
porque foi aprovada sem prazo para regulamentação e sem recursos para
cursos de profissionalização. A sra. concorda?
Delaíde – Considero que o apoio de políticas públicas será
fundamental. Será necessário abrir creches, escolas infantis de tempo
integral e até criar uma política de incentivo para a aquisição de casa
própria para empregados domésticos.
ISTOÉ – Mas o governo não está conseguindo sequer cumprir as metas de construção de creches anunciadas antes da PEC…
Delaíde – Esta é uma demanda de muitos anos. Não é possível fazer
tudo ao mesmo tempo. Acho que o setor privado terá que ajudar. Não é
possível imaginar que só o setor público dará vazão a essa demanda.
ISTOÉ – A PEC é eleitoreira?
Delaíde – Na minha opinião, pode ter um componente desse tipo.
Todo avanço social, em tese, rende votos. Não tem como se aprovar nada
no campo social ou previdenciário que não se transforme de alguma forma
em voto. Mas uma eleição é mais complexa e isso não vira voto
diretamente. Quando for votar, a empregada não vai escolher alguém
apenas porque aprovou uma emenda. Se houver vantagem eleitoral, será
indireta.
MÉRITO
Delaíde nunca foi petista, mas admira o trabalho de Lula no governo
ISTOÉ – A Justiça do Trabalho mudou de perfil nos últimos anos?
Delaíde – Não há dúvida. É uma mudança que reflete as
transformações recentes do Brasil. Elas permitiram que uma antiga
empregada doméstica, como eu, fosse nomeada ministra do TST. Há alguns
anos, isso seria quase impossível. Mas hoje somos um País preocupado com
a pobreza. Isso se reflete no trabalho da Justiça e amplia o leque de
quem conhece seus direitos e busca por eles. O Brasil presidido por um
metalúrgico e depois por uma mulher não é o mesmo País de antes.
ISTOÉ – A sra. é petista?
Delaíde – Nunca fui petista, mas fui comunista por mais de 20
anos. Era uma militante de base do PCdoB, com um papel secundário no
partido. Fui diretora da OAB, da associação dos advogados trabalhistas
de Goiás e até hoje estou filiada à associação das mulheres de carreira
jurídica. Eu me desfiliei para atender à lei da magistratura nacional.
Também me desvinculei porque gosto de ser séria em tudo o que faço.
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