"Nossos médicos não são bons clínicos e se baseiam só em exames. Não
dá para equipar um hospital no interior com tantos equipamentos", diz
doutor em Saúde
Por Maria Fernanda Ziegler - iG São Paulo
De sua casa em Araguaína, interior de Tocantins, Eduardo Medrado,
cirurgião geral aposentado de 67 anos, observa a polêmica da vinda dos
médicos estrangeiros ao Brasil com atenção.
Em 1995, então secretário estadual de Saúde, ele firmou um acordo com
Cuba para trazer médicos cubanos para o interior do Tocantins. “A ideia
inicial era ‘importar’ 200 médicos, mas, no fim, vieram 90 médicos
distribuídos em várias etapas entre 1995 e 2002”, diz.
“Foi uma experiência muito boa. O médico cubano tinha formação
socialista. Aqui no Tocantins a maioria das casas era de palha. Qual é o
médico brasileiro, de classe média, que vai querer morar numa casa de
palha?”, questiona Medrado, com uma leve risada.
Marco Aurélio da Ros, doutor em Educação e Saúde pela Universidade de
Sorbonne, na França, e com pós-doutorado na Universidade de Bologna,
Itália, também é favorável à vinda de cubanos para os rincões do País.
Para ele a questão não se resume apenas à falta de interesse dos
profissionais brasileiros em irem para o interior, mas está relacionada
principalmente com a má formação do médicos no Brasil.
“Os nossos médicos estão mal preparados e têm medo de ir para o
interior, pois lá eles não encontram a mesma infraestrutura que
encontram em hospitais das capitais do País”, diz o gaúcho, que
atualmente é professor aposentado da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
Ros também afirma que já foi comprovado que o problema não é dinheiro,
pois muitas prefeituras do interior oferecem altos salários, alguns
chegam a R$ 20 mil.
Para ele, o problema está no tipo de medicina ensinado, baseado apenas
em exames de alta tecnologia e não no exame clínico, que torna a oferta
de emprego no interior descolada da expectativa profissional dos
recém-formados.
“Nossos médicos não sabem mais fazer uma boa clínica e baseiam os seus
atendimentos apenas em exames. Não dá para equipar um hospital no
interior do País com tantos equipamentos assim para fazer exames”,
disse.
Marco Aurélio da Ros, no entanto, é contra a vinda de médicos
portugueses ou espanhóis para o Brasil. “Os médicos da Espanha ou de
Portugal vêm para cá para disputar mercado com os nossos médicos nos
grandes centros do País, pois não há mais mercado para eles na Europa.
Eles também não vão querer ir para o interior do Brasil. Quem vai para
lá é o médico cubano que recebe esta formação social e a ideia é que
eles fiquem por um período apenas”, disse.
De acordo com o Ros, o Brasil tem dois milhões de brasileiros em áreas sem atendimento médico.
“Temos 6.602 unidades construídas e que estão sem médico, só com
enfermeiro, principalmente em regiões da Amazônia, interior do Nordeste.
O que se pretende fazer com isto? Quem topa ir para a Amazônia?”
De acordo com o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto
D'Ávila, há 1,8 médicos para cada mil habitantes no País. Porém, ele
reconhece que há desigualdade entre as regiões.
Experiência no Tocantins
No projeto do Tocantins, os médicos cubanos passavam um mês estagiando no Hospital Público de Doenças Tropicais de Araguaína.
“Neste estágio eles se atualizavam sobre vacinação e doenças
imunopreveníveis. De malária, por exemplo, eles não sabiam nada, mas
como tinham boa formação em fisiopatologia aprenderam rápido.”
Medrado conta que os médicos cubanos recebiam o mesmo salário que os
brasileiros. “O salário era de 8 mil ou 10 mil, uma fortuna para eles. O
governo cubano cobrava 30% do que eles ganhavam independentemente se
fosse do hospital público ou do particular. E eles pagavam. Claro, o
governo deu a educação.”
O cirurgião-geral aposentado conta que o problema da falta de médico no
Tocantins foi solucionado, na época, “a partir da complementaridade”
entre brasileiros e cubanos.
“Não tínhamos médicos brasileiros de todas as especialidades que
precisávamos. Com a vinda dos cubanos, os 17 hospitais ficaram com todas
as especialidades”, disse. Ele conta que, antes do projeto, conseguiam
preencher apenas 50% das vagas com brasileiros. As principais carências
eram especialistas em ortopedia, anestesista e cirurgia.
De acordo com Medrado, em 1995, havia apenas 64 leitos em todo o Estado –
que tem 139 municípios. ”Com os cubanos foi para 2.640”, afirma.
O entrosamento entre os médicos dos dois países não foi imediato. “É uma
formação diferente. Um é socialista o outro capitalista”, brinca o
médico que teve a vida política iniciada no PC do B, quando ainda era
estudante de medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Medrado conta também que logo os brasileiros passaram a atuar nas clínicas particulares, enquanto os cubanos permaneciam no SUS.
“Porém o dermatologista cubano é melhor que o brasileiro, né? E todo
mundo ia se consultar no SUS. Com o tempo os cubanos foram trabalhar
também nas clínicas particulares.”
Idioma e doenças locais
Uma das principais críticas do Conselho Federal de Medicinal para o
atual projeto de “importação” de médicos estrangeiros é rebatida por
Medrado. Ele afirma que a diferença de idioma entre médico e paciente no
programa realizado no Tocantins não era problema.
“É melhor ter um médico que fale espanhol do que nenhum. Precisávamos resolver o problema de falta de opção."
Embora lembre do projeto com muita alegria, Medrado afirma que teve
problemas com a baixa aceitação no Conselho Federal de Medicina. Algo
que acredita que irá se repetir com o novo plano do governo.
“Foi muito difícil para conseguir emplacar este projeto. Eu respondi por
25 processos entre 1995 até 2010. Só não gastei com advogado porque meu
filho é advogado”, conta.
Medrado afirma que na época tinha de responder em vários estados
brasileiros aos processos do Conselho Federal de Medicina e os Conselhos
Regionais de Medicina.
“No Amapá, fui recebido no aeroporto por médicos segurando cartolinas
contra mim. Cheguei a ficar 30 dias sem exercer a medicina por causa de
um processo”, diz.
Embora admire a formação socialista dos médicos cubanos, Medrado entende
a falta de interesse dos médicos brasileiros em preencher vagas em
hospitais nos rincões do País. Além do filho advogado, Medrado tem uma
filha que é médica. “Eu tiro a medida por mim, se eu tivesse um filho
que fosse trabalhar no interior do Tocantins, eu não ia deixar.”A filha
de Medrado trabalha na Beneficência Portuguesa em São Paulo.
Um comentário:
Interessante! Como médico especializado na França e na Itália, o senhor Ros demonstrou que realmente não conhece nada do SUS. Querer justificar um problema complexo da saúde pública em nosso país, colocando a culpa na classe médica é no mínimo infantil, além de demonstrar a total falta de argumentos do mesmo. O médico brasileiro não tem medo de ir para o interior, os gestores não oferecem as mínimas condições de infraestrutura, mas como o próprio senhor Ros disse: "não dá para equipar um hospital no interior país com tantos equipamentos assim para fazer exames". Ora, então eu pergunto: não dá por que? A população do interior não merece hospitais equipados como os hospitais dos grandes centros? O que é feito com o dinheiro que deveria chegar nesses locais? Parem de culpar a classe médica. Nenhum ser humano no mundo aceitaria trabalhar sem condições. Por que senhores o exército consegue colocar médico em São Gabriel da Cachoeira(extremo norte do Amazonas)? Porque existe uma carreira de médico no exército! Não nos façam de idiotas! E parem de falar nesses salários fictícios R$ de 20-30.000, isso não existe! Mas sabe o que existe? Médico trabalhando em Nova Olinda - AM, apenas com contrato verbal e recebendo R$ 12.000. Agora uma outra pergunta. O senhor afirmou também que antes dos médicos cubanos chegarem existiam apenas 64 leitos em todo o estado, que possui 139 municípios e, com os cubanos foi para 2.640. Então, eles trouxeram os leitos? Bom, então acho que vou começar a pensar que além de médicos eles também fazem mágica! Por fim, quero saber se o dono do blog e o senhor Ros já ouviram falar em "Desvinculação de Receitas da União"? Pois é, 20% de tudo o que o país arrecada e, que deveria ser investido em educação e saúde, o governo nos toma e utiliza da forma que quiser. Esse prezados senhores, é UM dos motivos de "não ter como colocar hospitais bem equipados no interior do país", é UM dos motivos do complexo problema de saúde do nosso país. PAREM DE CULPAR OS MÉDICOS!
Ou vocês acham que nós vamos acreditar que o problema da educação é a falta de professores? O problema da violência é a falta de policiais? e que o problema da fome no mundo é a falta de cozinheiros? Acho que só vocês acreditam!
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