A candidata a presidente Marina Silva não tem partido e o Partido Socialista Brasileiro não tem candidato. A morte de Eduardo Campos subverteu a hierarquia da coalizão (proto-Rede e PSB) impondo um noivado em que nenhum dos nubentes escolheria voluntariamente o outro. Certamente, Marina Silva nunca foi uma socialista e nem o Partido Socialista Brasileiro teria imaginado apoiar a hegemonia de um banco na Presidência da República. O pacto eleitoral que servia a Eduardo Campos e ao carona Rede passou a acorrentar mutuamente Marina Silva e o Partido Socialista Brasileiro.
Candidata a vice-presidência, Marina
podia difundir o Rede, continuando a apologia de uma política de
princípios inegociáveis, enquanto cabia a Eduardo Campos conduzir a
campanha de acordos eleitorais conforme a conveniência. Eventuais vetos
de Marina, como a recusa de participar da campanha em São Paulo,
oficialmente em virtude de oposição ao PSDB de Geraldo Alkmin,
ratificavam a aura da imaculada candidata a vice. Perdendo a eleição
sairia dela pura como entrara, levando na algibeira uma possível bancada
parlamentar de marineiros. Se vencedora, continuaria com maior rigor a
vigilância de superego à sombra da coligação, permanecendo Eduardo
Campos responsável pelos inevitáveis acordos de governabilidade. Faria
seu caminho institucional em direção à direita sem se chocar
explicitamente com os ambientalistas não reacionários.
Cabeça de chapa, Eduardo Campos estava
a salvo de interpelações sobre temas delicados, protegido pelo
patrimônio ideológico do PSB. Ao mesmo tempo, esperava se apropriar de
parte substancial dos eleitores seduzidos por Marina, revelados na
surpreendente votação que ela obteve em 2010. Liberando-a para atitudes
dissonantes, destinadas a marcar posição sem danos sérios à campanha (
afinal,o vice-governador de São Paulo pertence ao PSB), Eduardo Campos
operava com inteligência para fazer com sucesso a travessia em que o
Partido Socialista Brasileiro estava empenhado.
O Partido Socialista Brasileiro foi um
dos dois partidos de esquerda a ter crescimento parlamentar constante
nas últimas três eleições. O outro foi o Partido Comunista do Brasil,
crescendo 25% entre 2002 e 2010. O salto do PSB, de 22 para 35
deputados, correspondeu a excepcional crescimento de 59%, em oito anos.
Comparado aos outros 13 partidos que apresentaram candidatos nas três
eleições, verifica-se que 6, entre os 13, obtiveram uma representação em
2010 inferior à de 2002. Eis a lista: PT, PSDB, PP, DEM, PTB e PPS.
Conquistou ainda o Partido Socialista Brasileiro, em 2010, razoável
número de governos estaduais. Tendo sido coadjuvante leal e solidário
nos períodos presidenciais do PT, as eleições de 2014 propiciaram
excelente oportunidade para galgar posições e adquirir lugar de
protagonista na política nacional. Se perdedor na corrida presidencial, o
Partido Socialista Brasileiro contava, no mínimo, eleger uma bancada
de deputados que consolidasse sua posição de segundo partido de
esquerda mais relevante na composição governamental e, quiçá, superior
até mesmo aos centro-direitistas da coligação, PP e PR. Enquanto vivo o
candidato, embora os esperados eleitores do Rede não comparecessem nas
intenções de voto presidencial, a trajetória do Partido Socialista
Brasileiro se antecipava muito bem sucedida.
A morte de Eduardo Campos não trouxe
tragédia apenas à sua família e ao seu partido. Marina Silva perceberia
em breve que o mórbido presente que supôs ter recebido da Providência
Divina abrigava a inevitável revelação do verdadeiro destino de sua
trajetória: a direita. Por um momento tentou mantê-lo sob disfarce à
força de uma retórica peculiar, mas arguta. Em 2010 declarara, em
espetacular golpe de marketing, que perdera, vencendo. Agora, ciente do
poder das palavras, fazia acrobáticos pronunciamentos de difícil
interpretação. Ou vazios como a declaração de que seus dois adversários
queriam o embate e, ela, o debate. Mas a fuga durou pouco.
A rápida subida nas pesquisas de
intenção de voto precipitou um relaxamento em sua guarda e iniciou os
anúncios e declarações absolutamente incompatíveis com o histórico do
PSB. Inimiga da economia material, à qual sempre contrapôs alternativas
futurísticas e inteiramente descoladas da agenda real e urgente do
País, apresentou improvisado programa de governo e indicou assessores,
cujos pronunciamentos revelaram assustadora ignorância da economia e
das articulações entre a política econômica e a política social no
Brasil. As reacionárias passagens de seu programa, associadas a
desastradas declarações de conselheiros só fizeram trazer à lembrança a
adesão de Marina a posições hiper conservadoras durante sua passagem
pelo ministério do Meio Ambiente e pelo Senado Federal. Ao mesmo
tempo, a preferência pelo lado do capital financeiro em competição por
lucros com o agro-negócio, marcada por violenta agressão ao senador da
bancada ruralista, Ronaldo Caiado, esclareceu-se pelo congraçamento
entre a candidata e o setor financeiro. Hoje, é patético o papel do PSB
como avalista da aproximação entre Marina e o setor agrário moto
mecanizado. Do desnudamento do projeto marineiro às retificações do
programa de governo, aos subterfúgios lingüísticos e aos repúdios de
convicções passadas, não se passaram mais do que duas semanas. Mas seu
projeto de transformar o Rede em importante partido de direita foi
truncado pela tragédia de Eduardo Campos e exposto à luz da competição
ideológica real.
O incômodo da coligação entre Marina e
o Partido Socialista Brasileiro resulta da associação de dois projetos
truncados e opostos: sendo o de Eduardo e do PSB o de elevar o partido
a grande protagonista na esquerda e o de Marina alcançar destaque na
rede da direita, dona de um partido de ambígua definição ideológica. O
resultado não podia ser outro: uma campanha amarga e gaguejante da
candidata a presidente em que os socialistas se vêem constrangidos a
votar contra si próprios.
Wanderley Guilherme dos Santos
No Manchetômetro
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