A
igreja católica não quer abrir mão do espaço que conseguiu na Empresa
Brasil de Comunicação (EBC). No início de 2011, depois de prorrogar por
um ano seu posicionamento, o Conselho da EBC decidiu que os programas
religiosos – cultos e missas – deveriam sair da grade de programação da
TV Brasil. Para chegar a isso, a EBC colocou o tema em consulta pública.
Por fim, decidiu que os programas das igrejas tinham um prazo para sair
do ar – setembro de 2011 – e seriam substituídos por programas
educativos que tratassem do fenômeno religioso. É o lógico, é o correto,
é o decente.
Mas, quando estava
prestes a cair o prazo para a igreja abandonar o lugar que não lhe
pertence, ela apelou para o “tapetão”, a Justiça. E achou um juiz que
manteve os privilégios.
Não me
espanta que a igreja católica tenha feito isso. Acharia estranho se ela –
democraticamente – acatasse a decisão. Por quê? Porque estamos tratando
de uma religião acostumada a mandar, dar ordens, determinar como o
mundo girar e, naturalmente, ter poder acima de todos os outros poderes.
A igreja se acha o deus que ela inventou. E para deixar bem claro quem
manda, coloca o crucifixo (seu símbolo) no plenário da Câmara dos
Deputados, no Senado, no Supremo Tribunal Federal, nas várias
Assembleias Legislativas. Inaugurada em 2010, a Câmara Distrital do
Distrito Federal ostenta no plenário um grande crucifixo. Sobre a mesa,
aberta, a Bíblia alerta sobre quem manda ali. O cristianismo – católico
ou evangélico – não abre mão do poder.
A
igreja católica entrou na justiça contra a EBC porque ela sempre mandou
neste país – em todos os poderes – e não admite deixar esse poder. É
claro que, do ponto de vista da moral, não há sustentação para ela
permanecer ocupando esse espaço público. Mas desde quando a igreja tem
pudores com relação à usurpação de espaços públicos?
A Constituição proíbe, mas...
Vide
o que ocorre em todas as cidades do Brasil. A igreja sempre pegou os
melhores terrenos para construir seus templos, suas catedrais, suas
casas paroquiais etc. Isso não é coisa do passado. O caso de Brasília é
emblemático. Ao buscar um terreno para instalar a Universidade de
Brasília, Darcy Riberio descobriu que a melhor área já tinha dono: a
igreja católica. Em seu livro Confissões, ele relata como teve que ir ao
Vaticano para negociar com o papa o terreno.
Como
a igreja conseguiu um terreno numa cidade que mal tinha sido
inaugurada? Ela comprou esse terreno? Claro que não. Do mesmo modo, não
veio um centavo do Banco do Vaticano para comprar o terreno e construir a
catedral de Brasília, na Esplanada dos Ministérios. É a única religião
instalada na Esplanada dos Ministérios. Como ela conseguiu pegar esse
terreno público em área nobre, destinada somente aos ministérios? Ora,
porque sempre foi poder.
Hoje,
quando a catedral precisa de reforma ou de ampliação de suas
instalações, são empregados recursos públicos. Para construção do
batistério, por exemplo, ela recebeu R$ 1 milhão. Na verdade, essa coisa
de receber dinheiro público para reconstrução de igrejas “seria”
ilegal, mas como elas (essas igrejas velhas) recebem a tipificação de
“patrimônio histórico”, sempre têm dinheiro público para sua
reconstrução. Isso está em lei. Ou melhor, no acordo assinado pelo
governo brasileiro com a Santa Sé – a gente reconstrói as igrejas deles.
A Constituição proíbe, mas como se trata da igreja católica... Ou a
sociedade aceitaria o investimento de recursos públicos num templo da
Igreja Universal?
Revelações do passado
Esse
tipo de coisa acontece em todo Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo,
as pessoas acham normal ter uma imensa imagem católica (o Cristo) num
espaço público, construído com recursos públicos, mas sob o comando da
igreja. Ela fatura para “administrar” essa imagem. Em determinadas
regiões, como no Nordeste, a força da igreja é tal que metade dos
terrenos de alguns municípios lhe pertence. Sem contar o seu esforço de
continuar dominando o povo pobre com milagres e mistificações. O melhor
exemplo, no caso, é Juazeiro do Norte (CE), onde se estimula o
sofrimento como forma de moeda de troca do deus criado pela igreja
católica e se reconstrói a imagem de Padre Cícero, como santo, e agora –
acredite-se – até como “ecologista”.
Acontece
que, ao entrar com a ação na Justiça contra a EBC, a igreja católica
não percebeu que o mundo mudou. Acostumada a mandar e a não receber
críticas, agora ela está recebendo um monte delas. Pior, seu passado
está sendo revelado. Pior ainda, revelou novamente sua ambição por mais
poder e riqueza.
Consta que a
ação pela manutenção dos programas foi apresentada pela arquidiocese do
Rio de Janeiro na 15ª Vara de Brasília. Na ação, a igreja diz que houve
“discriminação religiosa”. Se fosse sincera deveria dizer: “Olha,
estamos acostumados a mandar no Brasil, por que vocês não obedecem?” Ou
então: “Queremos manter esse espaço porque sempre ocupamos espaços
públicos e ninguém nunca reclamou”.
Ações
como essa da igreja têm a ver com a sua decadência. O número de
católicos caiu quase 20% nos últimos 10 anos; falta quem queira ser
padre. Tudo isso tem a ver com a sua imagem (manchada com as acusações
de pedofilia acobertadas pelo papa); a falibilidade da retórica cristã
sustentada por dogmas e imposições (que não convencem ninguém);
revelações do seu passado de (muita) lama e sangue, incluindo matança de
não-cristãos, de mulheres (somente por serem mulheres) e até relações
com Hitler e Mussolini.
Não é preciso ser ateu
A
doutrina ou moral católica é uma questão central nesse debate. Porque,
afinal, o que a igreja quer é o direito de usar um espaço público –
rádio e TV – para difundir que a mulher não vale nada; que
homossexualidade é doença; que a camisinha não deve ser usada “porque
não garante sexo seguro”; que o homem veio da mulher; que o sofrimento é
bom; que somos todos pecadores; que o casamento deve ser eterno. O mais
espetacular é que quem prega tudo isso são pessoas a quem foi proibido
namorar, transar, casar, ter filhos, formar família. Bem, caiu a ficha:
muita gente descobriu o óbvio: essa pessoa não tem condições de dar
conselhos sobre família, filhos, sexo, moral.
Vejamos
a questão política. Inventou-se na América Latina a tal Teologia da
Libertação. A doutrina não mudou uma linha, apenas incorporou o pobre em
seus discursos. Entenda-se o processo: ela não abandonou sua relação
com o poder, com os ricos; somente acrescentou os pobres. Fez-se uma
releitura dos ensinamentos bíblicos e se descobriu que Jesus era
esquerdista e revolucionário. Surge a igreja progressista. Como se por
acaso essa doutrina e essa hierarquia tivessem algo de socialista ou
democrático.
No bojo disso tudo,
para suprir a carência de religião do revolucionário de esquerda, dá-se
um nó no marxismo e inventa-se o marxista cristão, o marxista
transgênico. Desse modo todos ficam felizes: não é preciso ser ateu para
ser marxista; o cristianismo aceita. No túmulo, Marx se revolve com
esta invenção moderna da igreja. Patologia tupiniquim. Freud já explicou
essa carência que faz com que o militante não consiga viver sem pedir a
benção aos padres.
Morte anunciada
A
igreja tem poder sobre os espaços públicos, mas também atua na educação
(é dona das escolas mais ricas) e, principalmente, na comunicação.
Embora se apresente como aliada do movimento pelo direito à comunicação
(tem gente que acredita nisso), a igreja católica (progressista?
direitista?) é “dona” de 46 emissoras de televisão, tem 863
retransmissoras e nove grupos filiados. Essa igreja católica dos padres
de direita e dos “progressistas” possui 133 emissoras de rádio. Alguns
programas ela consegue retransmitir por mais de mil emissoras. (Fonte: www.donosdamidia.com.br).
Por
que essa igreja não se satisfaz com o que tem? Rica em finanças, dona
de escolas, terras, emissoras de rádio e TV, ela ainda quer mais. Qual o
limite para a ambição da igreja católica? A resposta é: a igreja tem um
projeto de poder eterno e para conseguir isso ela precisa sempre e
sempre juntar mais e mais poder. Este seu projeto não aceitaria jamais
abrir mão de um espaço na TV e no rádio, mesmo que seja moralmente
indefensável. Mesmo sabendo que se encontra em processo de extinção – ou
talvez por isso mesmo. É o seu jeito de evitar a morte anunciada.
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