Enviado por luisnassif, sab, 10/03/2012 - 09:10
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Quem
imaginava uma presidente emocionalmente abalada, depois de chorar em
público pela saída de um assessor, pode desistir. A Dilma Rousseff que
entrou no salão do Palácio Alvorada para tomar café vinha lépida,
feliz, rejuvenescida e entusiasmada pela visita a Hannover, Alemanha,
para participar da Feira de Tecnologia.
Lá, conferiu os stands alemães, quase todos apenas com filiais de empresas coreanas.
Depois,
os brasileiros, com sistemas criativos, inovadores. “Todo mundo tinha
coisa bem legalzinha”, conta a mineira Dilma, Entusiasmou-se com o
sistema de controle de voo da Embraer, com a apresentação de Marcos
Stefanini, de uma empresa brasileira de TI, que mostrou o grande
diferencial brasileiro: jeitinho, criatividade.
Foram 90 minutos de entrevista, interrompida por um telefonema de Lula que mostrou ter recuperado a voz.
A
seguir, os trechos principais da entrevista, a primeira exclusiva
concedida por Dilma Rousseff, após as entrevistas da posse. Nela, diz
que a preocupação número um do governo, daqui para diante, será com o
tsunami monetário e os riscos que traz para a indústria brasileira. “As
condições do mercado mudaram”, avisa ela. E analisa também as marolas
em torno da suposta crise da base política.
Como os países ricos estão tratando a crise
É importante analisar como os países ricos tratam a crise.Comecemos pelos Estados Unidos. O governo Barack Obama assumiu que queria política de crescimento imediato e correção de rumos fiscais no médio prazo. O problema foi a derrota no Congresso que o obrigou a optar pelo "quantitative easy" (programa de expansão monetária). Empurraram a crise com a barriga, aumentaram a quantidade de dinheiro nos bancos, mas não rolaram as dívidas das famílias, o que poderia ter destravado o mercado interno. Só agora nas eleições, depois de quatro anos de crise, começam a rolar as dividas das famílias.
O
"quantatitve easy" é um mix de política macro, com taxas de juros lá
embaixo, expansão monetária acelerada e segurar o lado fiscal. É
evidente que por trás dela há a intenção de desvalorizar o dólar e
melhorar o emprego interno.
O governo Obama foi levado a isso politicamente.
No
caso da Europa, não: optaram por isso. O último relatório do BIS (o
banco central dos bancos centrais) mostra que a estratégia visa dois
objetivos principais: impede a crise bancária e ganha tempo para dois
mecanismos: desvalorizar o euro e jogar a conta sobre países emergentes
que têm câmbio flutuante. Mas, por outro lado, pode estar criando uma
enorme bolha monetária.
Não há unanimidade no
governo alemão com respeito ao tamanho da liquidez. Para eles foi
importante para evitar um Lehman Brothers alemão, mas só isso. Não
existe unanimidade na Alemanha sem sobre isso nem em relação à Grécia.
Por trás da expansão da bolhas, há um medo da inflação, pelo histórico alemão com a hiperinflação. Medo que nós compartilhamos.
A arbitragem com países de câmbio flutuante
No
filme "Muito Grande para Falir", na cena final o Secretário do Tesouro
Paulson pergunta a Ben Bernanke se estava satisfeito com o fato dos
grandes bancos terem absorvido os empréstimos para rolar dívidas.
Bernanke, quieto, responde: não tenho certeza se eles vão emprestar. De
fato, não emprestaram: uma parte ficou depositada no próprio FED,
outra parte foi devolvida.
No caso da Europa, são
um trilhão de euros emprestados a 1% ao ano, que em breve entrarão na
ciranda financeira. Irão investir em títulos da Itália e Espanha,
aumentando sua exposição? Não: virão fazer arbitragem aqui e em outros
países. Tem uma enorme bolha a caminho.
O problema
é que essa desvalorização cambial artificial é a forma de
protecionismo mais feroz que se tem. Há um discurso dos países
centrais, de que são defensores do livre comércio. Mas praticam o
protecionismo mais feroz que se tem. E essa desvalorização artificial
da moeda não está regulada pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Então não venham reclamar de algumas medidas absolutamente defensivas
que o Brasil toma.
Hoje em dia, via tsunami
monetária, está em curso no mundo a prática das desvalorizações
competitivas, o que se chama de "empobreça seu vizinho".
É uma situação esquizofrênica na Europa, que não consegue uma solução de crescimento.
Muitos
países estão com graus de desemprego do ponto de vista política
incompatível com sistemas democráticos abertos. A dívida grega não é
financiável, assim como a de Portugal. Como conviver com nível de
desemprego que chega a atingir 45% dos jovens? Destrói o tecido social,
tira das pessoas a esperança.
A estratégia brasileira
No Brasil, vamos ter que perceber duas coisas:
Primeiro,
as condições do mercado internacional mudaram. Estamos vivendo
situação diferenciada. Não se pode perder a consciência do tsunami
monetário. Tem que fazer avaliação sobre as estratégias a serem
tomadas, e não se faz de forma abrupta e apaixonada. Com muita cautela,
frieza, tranquilidade, iremos acompanhar o desenrolar da situação e
tomar as medidas cabíveis.
Não tenho como adiantar as medidas cabíveis, mas para o governo brasileiro esta é a questão principal.
Se
perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é
acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são
abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos.
A necessidade do investimento no Brasil
A
própria China está promovendo uma transição do modelo de exportações
para o mercado interno. Não vão parar de importar, mas irão se situar
de forma diferente no mundo.
Por todas as
manifestações que lemos: acho que os chineses se sentiram muito
fragilizados diante da crise dos seus maiores mercados. Não podem mais
confiar só no mercado externo.
Wen Jiabao disse que
o modelo era desequilibrado, insustentável (usa quatro adjetivos):
eminentemente desequilibrado: levará a impasses que terão que ser
resolvidos.
A China caiu na armadilha do sobre investimento elevado, o que cria rigidez econômica muito forte. Agora, tentam fazer a versão.
No
Brasil, anda estamos na fase de acelerar investimento. Em breve
pretendo fazer uma reunião pessoal com os maiores empresários do país
sobre a questão do investimento, Uma parte da decisão depende da
expectativa, do que Delfim gosta de chamar de "espírito animal". O
Brasil oferece todas as condições.
Em todos os
lugares que vamos são as mesmas avaliações dos empresários
internacionais. No último dia na Alemanha tivermos reunião com Angela
Merkel na ABDI (o equivalente à nossa Confederação Nacional da
Indústria).
A reunião foi para que nos falassem
como pretender investir no Brasil. Havia uma porção de setores, quase
uma rodada de negócios. E todos eles vinham, diziam que tinham empresa
tal, na área tal, e todo interesse em investir no Brasil. Hoje em dia a
maior parte da população alemã é de aposentados e crianças. E o Brasil
tem o bônus demográfico. Eles olham para isso, para nosso mercado,
para a estabilidade macroeconômica e política, para nossa tradição de
respeitar contratos.
Revertendo a queda na indústria
Aqui
não temos dúvida de que a economia mundial caminha para recessão com
excesso de liquidez. A China reduzirá crescimento para 7,5% com a clara
intenção de reverter o modelo para dentro. Outros grandes países vão
perseguir esse fortalecimento do mercado interno, com, a possível
exceção da Índia, que tem um déficit externo muito complicado.
Temos que ter consciência disso.
A
situação atual não é a mesma de 2011. Nós tínhamos absorvido a
expansão monetária dos Estados Unidos que de uma forma ou outra foi
encaixada. Agora é absolutamente diferente, é recessão com uma
gigantesca expansão monetária acumulada e uma tendência a uma volta aos
mercados domésticos.
Vamos ter uma política clara
em relação ao Brasil, da qual o melhor exemplo é a revisão do acordo
automotivo com o México. Foi feito em 2002, em outra conjuntura, na
qual cabia o acordo. E está em vigor até agora, em condições não
adequadas ao Brasil.
O Brasil vai
institucionalmente tomar medidas para garantir que nosso mercado
interno não seja canibalizado. Tem queda na indústria, mas dá para
reverter. Não daria se deixássemos continuar por dois, três anos. Agora
dá e vamos fazer o possível e o impossível para defender a indústria
nacional.
O papel da redução dos juros pelo BC
A
redução dos juros, pelo Banco Central, não é só para esquentar a
economia brasileira. Cumprimento o BC porque a intenção maior é
equilibrar a taxa interna com a internacional. Hoje em dia esse
diferencial é responsável pela maior arbitragem que existe no mundo.
Iremos fazer isso sem comprometer a luta contra a inflação.
O fantasmas das falsas crises políticas
Existe
uma forma quase fantasmagórica de cobrir a política. A imprensa vem
falando em crise com a base aliada. Não existe crise. Os conflitos -
que sempre existirão - tem a ver com os processos pelos quais exercemos
o nosso presidencialismo. Tem que ser de coalisão, mas não deixa de
ser presidencialismo.
No caso do Brasil, alcançamos
grande maturidade nas relações executivo-legislativo e
executivo-judiciário. Podemos nos vangloriar de ter certa estabilidade.
Por
aqui seria inconcebível uma relação Executivo-Congresso do tipo
democrata-republicano As diferentes opiniões que se estruturam dentro
da sociedade brasileira não permitiriam isso.
Temos
tradição de sermos obrigados, como políticos que somos, a olhar o
interesse de todos: o que nos EUA às vezes me parece que não é o caso.
Ninguém aqui pode durante muito tempo só defender seus interesses específicos sem que haja reação da parte da sociedade.
É
sempre bom que tanto Executivo quanto Legislativo e Judiciários saibam
que essa é exigência de postura de todos: presidentes, ministros,
deputados, senadores e juízes. Esse é aspecto importante da nossa
democracia e explica também porque, mesmo tendo eleições bastante
atritadas, em alguns casos até duras, logo depois da eleiçao há como
uma pacificação geral
Ai do presidente que não falar em nome de todos os brasileiros e brasileiras. Em outros países do mundo não se vê isso
Ao
lado da coalisão há questão do interesse de todos, balanço do
presidencialismo que fala em nome de todos e coalisão que são
interesses partidários. É normal que se reivindique e se debata. É
intrínseco a esse processo
E partidos não podem
arcar com ônus de inviabilizar acordos: são partes do acordo. Quando
votam contra governo, são pontos muito específicos. Não tem desvio,
conduta inadequada: que eles façam assim é da regra do jogo, que
façamos de outro é da regra do jogo.
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