O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, em entrevista a
Miriam Leitão, das Organizações Globo, disse ontem (1/3/2012) que a
Comissão da Verdade, prevista em lei sancionada pela Presidência da
República em Novembro de 2010, é “maniqueísta” e parcial porque seu
objetivo é “promover o esclarecimento de torturas, mortes,
desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”. Acha ele que, para
assegurar a imparcialidade da comissão, ela também deveria investigar
atos de violência cometidos por aqueles que combatiam a ditadura.
Depois de sugerir que os desaparecimentos do deputado Rubens Paiva e
de Stuart Angel só sensibilizam até hoje a opinião pública porque
eles pertenciam às “classes favorecidas”, o general Rocha Paiva mostra
duvidar de que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada na época
da ditadura. E, quando Miriam Leitão lembrou que “Vladimir Herzog foi
se apresentar para depor e morreu”, Rocha Paiva questiona: “E quem disse
que ele foi morto pelos agentes do Estado? Nisso há controvérsias.
Ninguém pode afirmar.”
Como se alguém que se apresentara para depor não estivesse sob a guarda e
a responsabilidade do Estado e de seus agentes. Como se assegurar
a integridade física e a própria vida de um depoente, qualquer depoente,
não fosse obrigação oficial fundamental do Estado e de seus agentes, a
quem ele se apresentara. Como se a Justiça do Brasil já não houvesse
reconhecido oficialmente, há 33 anos, em decorrência de processo movido
pela viúva Clarice Herzog e seus filhos, que Vladimir Herzog foi preso,
torturado e assassinado nos porões da ditadura, por agentes do Estado.
Além de tudo isso, posteriormente, em julgamento proferido no âmbito
da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela
Lei nº9.140/96, o próprio Estado brasileiro ratificou o reconhecimento
dessa prisão ilegal, tortura e morte.
Ao indagar, mais adiante, “Quando é que não houve tortura no Brasil?”,
o general tenta justificar em sua entrevista os martírios que
foram perpetrados pela ditadura deixando entender que torturar é uma
atividade legitimada e consagrada pelos usos e costumes nacionais.
General, tortura nunca foi usos e costumes, nem no Brasil nem em
lugar algum. Sempre foi e é a violação do império da lei, que condena
quem tortura. Tanto que a nossa Constituição Federal é taxativa ao
determinar que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante” (art.5º, inciso III). E impor o respeito à lei –
não vi olá-la – é o dever precípuo mais básico dos agentes do Estado.
Esses agentes estão cobertos pelo manto institucional, portanto exercem
um poder infinitamente maior que qualquer outro cidadão.
É por isso, por ser um crime cometido pelo Estado – não por cidadãos
comuns, julgados pela Justiça comum – que as torturas e mortes
perpetradas por agentes do Estado e sob sua bandeira são o que precisa
ser investigado e exposto pela Comissão da Verdade. Não acobertado pelo
Estado ou por qualquer de suas instituições.
E a imparcialidade da Comissão estará em agir à luz da Justiça e da lei
ao investigar e expor os crimes cometidos pelo Estado e seus agentes –
não ao talante de quem detém o poder.
Tudo isso torna claro que a manifestação do general Luiz Eduardo Rocha
Paiva atenta contra o Estado Democrático de Direito, também preconizado
na Constituição Federal do Brasil, que tem entre seus fundamentos “a
dignidade da pessoa humana”, além da República Federativa do Brasil
reger-se nas suas
relações internacionais pelos princípios, entre outros, da “prevalência
dos direitos humanos” (Constituição Federal, arts. 1º, III, e 4º, II).
INSTITUTO VLADIMIR HERZOG
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