terça-feira, 6 de março de 2012

Instituto Vladimir Herzog contesta milico defensor do terror de Estado


O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, em entrevista a Miriam Leitão, das Organizações Globo, disse ontem (1/3/2012) que a Comissão da Verdade, prevista em lei sancionada pela Presidência da República em Novembro de 2010, é “maniqueísta” e parcial porque seu objetivo é “promover o esclarecimento de torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”. Acha ele que, para assegurar a imparcialidade da comissão, ela também deveria investigar atos de violência cometidos por aqueles que combatiam a ditadura.
Depois de sugerir que os desaparecimentos do deputado Rubens Paiva e de Stuart Angel só sensibilizam até hoje a opinião pública porque eles pertenciam às “classes favorecidas”, o general Rocha Paiva mostra duvidar de que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada na época da ditadura. E, quando Miriam Leitão lembrou que “Vladimir Herzog foi se apresentar para depor e morreu”, Rocha Paiva questiona: “E quem disse que ele foi morto pelos agentes do Estado? Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar.”
Como se alguém que se apresentara para depor não estivesse sob a guarda e a responsabilidade do Estado e de seus agentes. Como se assegurar a integridade física e a própria vida de um depoente, qualquer depoente, não fosse obrigação oficial fundamental do Estado e de seus agentes, a quem ele se apresentara. Como se a Justiça do Brasil já não houvesse reconhecido oficialmente, há 33 anos, em decorrência de processo movido pela viúva Clarice Herzog e seus filhos, que Vladimir Herzog foi preso, torturado e assassinado nos porões da ditadura, por agentes do Estado.
Além de tudo isso, posteriormente, em julgamento proferido no âmbito da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei nº9.140/96, o próprio Estado brasileiro ratificou o reconhecimento dessa prisão ilegal, tortura e morte.
Ao indagar, mais adiante, “Quando é que não houve tortura no Brasil?”, o general tenta justificar em sua entrevista os martírios que foram perpetrados pela ditadura deixando entender que torturar é uma atividade legitimada e consagrada pelos usos e costumes nacionais.
General, tortura nunca foi usos e costumes, nem no Brasil nem em lugar algum. Sempre foi e é a violação do império da lei, que condena quem tortura. Tanto que a nossa Constituição Federal é taxativa ao determinar que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art.5º, inciso III). E impor o respeito à lei – não vi olá-la – é o dever precípuo mais básico dos agentes do Estado. Esses agentes estão cobertos pelo manto institucional, portanto exercem um poder infinitamente maior que qualquer outro cidadão.
É por isso, por ser um crime cometido pelo Estado – não por cidadãos comuns, julgados pela Justiça comum – que as torturas e mortes perpetradas por agentes do Estado e sob sua bandeira são o que precisa ser investigado e exposto pela Comissão da Verdade. Não acobertado pelo Estado ou por qualquer de suas instituições.
E a imparcialidade da Comissão estará em agir à luz da Justiça e da lei ao investigar e expor os crimes cometidos pelo Estado e seus agentes – não ao talante de quem detém o poder.
Tudo isso torna claro que a manifestação do general Luiz Eduardo Rocha Paiva atenta contra o Estado Democrático de Direito, também preconizado na Constituição Federal do Brasil, que tem entre seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana”, além da República Federativa do Brasil reger-se nas suas
relações internacionais pelos princípios, entre outros, da “prevalência dos direitos humanos” (Constituição Federal, arts. 1º, III, e 4º, II).


INSTITUTO VLADIMIR HERZOG
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