A Presidenta já encarou os militares uma vez
O Conversa afiada reporduz texto de Mauro Santayana, extraído da
Carta Maior:
O manifesto dos militares contra o
governo tem o efeito danoso de estimular os nossos adversários externos,
que nele começam a ver o retorno aos confrontos entre civis e militares
do passado, dos quais eles souberam aproveitar-se. O documento já está
sendo usado em São Paulo contra a candidatura do PT.
por Mauro Santayana, em Carta Maior
Em um de seus inquietantes
paradoxos, Chesterton compara dois grandes santos da Igreja, para
mostrar que o temperamento antagônico de ambos conduzia a um resultado
comum. “São Francisco – dizia o autor de Ortodoxia – era a montanha, e
São Domingos de Gusmão, o vale, mas, o que é o vale, senão a montanha ao
contrário?”
Em termos lógicos, e nisso o
pensador católico foi mestre, o côncavo e o convexo se completam, como
as duas partes de uma esfera oca. Seguindo o mesmo raciocínio, a
ascensão e a queda, das pessoas, das empresas e – com mais propriedade –
das nações, são duas categorias que se integram, no todo histórico. É
preciso administrar a ascensão pensando na queda e ver, na queda, a
oportunidade de repensar os métodos a fim de recuperar a ascensão.
Tudo indica que o Brasil se
encontra em ascensão, mas é preciso ver esse momento com as necessárias
cautelas. O mundo passa por um desses espasmos históricos bem conhecidos
no passado. A Europa está atônita, daí a sua tentativa de, na
demonização dos paises muçulmanos, de cujo petróleo depende, criar um
inimigo externo que una os seus países, historicamente adversários. Mas,
ainda assim, a crise econômica promovida pela licença de caça que seus
governos deram aos bancos, continua a dividi-los.
Ainda que 25 países tenham
concordado com a política de arrocho fiscal determinada pela Alemanha,
com o apoio da França, a Inglaterra e a Tchecoslováquia negaram sua
assinatura. Os países que engoliram a pílula, começam a cuspi-la de
volta, conforme a reação de Rajoy, da Espanha, solicitando flexibilidade
na adoção das medidas recessivas, qualquer sinal de solidariedade do
grupo. O primeiro ministro anunciou em Bruxelas que só pode prometer a
redução do déficit público a 5,8 do PIB. E já surgem divergências entre a
Alemanha e o Banco Central Europeu.
A Segunda Guerra Mundial foi um
excelente negócio para os Estados Unidos, que dela emergiram como a
grande potência hegemônica. Agora, no entanto, alguns dos paises que
dela participaram e que contribuíram para a vitória com sangue, começam a
sair do círculo de giz, e a constituir uma nova realidade planetária.
Muitos desses países, como a Índia e a China, foram impiedosamente
colonizados pela Europa, até meados do século 20. O Brasil, a Rússia, a
Índia, a China e a África do Sul constituem novo pólo de poder, que está
atraindo outras nações africanas e asiáticas.
Não se trata, ainda, de uma aliança
política. São países bem diferentes, com visões de mundo claramente
distintas, mas conscientes de que, se souberem interagir de forma
pragmática – no respeito mútuo aos mandamentos de autodeterminação –
serão capazes de se defenderem dos projetos de novo domínio anglo-saxão
sobre a humanidade.
Durante a Guerra Fria, o pretexto
para a intervenção dos Estados Unidos e da Grã Bretanha nos países
periféricos era o do combate ao comunismo. Qualquer ação desses países,
em sua política interna, que significasse a adoção de medidas de
desenvolvimento autônomo, como a reforma agrária, a encampação de
empresas estrangeiras que ofereciam serviço público de péssima
qualidade, e relações comerciais com os paises socialistas, significava
uma traição ao sistema ocidental, “democrático” e “cristão”. Assim, os
princípios de autodeterminação dos povos e de não intervenção nos
assuntos internos dos Estados foram abandonados, embora a retórica das
Nações Unidas continuasse a proclamá-los.
Sendo assim, a América Latina –
considerado território de caça de Washington – foi invadida por tropas
americanas ou por mercenários armados pelos Estados Unidos diversas
vezes, isso sem falar na ação ostensiva e clandestina de seus agentes,
na preparação dos golpes militares violentos, como ocorreu no Brasil, no
Chile, na Argentina, entre outros países.
O Brasil vem sendo elogiado pelos
seus êxitos na criação de um grande mercado interno, como resultado da
política social e do incentivo às atividades econômicas de Lula e Dilma.
Ao mesmo tempo, a partir de 1985, conseguimos manter o sistema
democrático, com a realização das eleições conforme o calendário, e a
alternância no governo de partidos e de pessoas. É uma hora carregada de
perigos. Os Estados Unidos, que se encontram em crise, podem cair na
velha sedução de usar dos recursos de que ainda dispõem, a fim de cortar
o nosso caminho, como fizeram em 1954, no governo Vargas, e em 1964,
com Jango. Não podemos permitir que a luta partidária, legítima e
necessária, se deixe influir pelos interesses externos.
Sendo assim, o manifesto dos
militares contra o governo tem o efeito danoso de estimular os nossos
adversários externos, que nele começam a ver o retorno aos confrontos
entre civis e militares do passado, dos quais eles souberam
aproveitar-se. O documento já está sendo usado em São Paulo contra a
candidatura do PT.
Qualquer movimento que nos divida,
como brasileiros, diante das ameaças estrangeiras, deve ser repudiado
pelo nosso sentimento de pátria, comum aos civis e militares.
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