Para se chegar à verdade, é preciso admitir quando se dizem versões
Ânimos a flor da pele no jornalismo.
O Brasil assistiu na noite de segunda-feira a uma rara e contundente
autocrítica no campo da grande mídia, quase sempre imersa em seu próprio
corporativismo.
No programa Roda Viva, da TV Cultura, o jornalista Janio de Freitas detonou a cobertura do mensalão pela imprensa. (assista aqui)
Pela pressão imensa que exerceram às vésperas do julgamento, em prol da
condenação, disse ele, os jornais perderam a autoridade moral para fazer
uma avaliação justa.
Janio de Freitas tem oitenta anos de idade e há trinta escreve uma das mais prestigiosas colunas do jornalismo político, na Folha de S. Paulo. O recado que deu foi dirigido a todos os grandes jornais, inclusive ao seu.
Do alto de uma experiência de quase seis décadas de profissão, Janio
criticou no programa a qualidade da produção dos jornais, a falta de
leitura crítica dos colegas e a mesmice das edições que faz com que as
publicações se confundam nas bancas.
Mas foi para as notícias sobre o julgamento, que deixou a observação
mais severa: “Não é que o jornal não possa ter uma opinião política
sobre determinado assunto – explicou o decano do jornalismo. Como
empresa privada, tem pleno direito a escolher a linha que quiser, mas
jamais suportando o discurso da neutralidade e da imparcialidade”. É
inadmissível essa conduta enviesada – completou.
Muito além da longeva experiência, a lucidez de Janio de Freitas por si só é desconcertante.
O ponto destacado é de fato o mais relevante na construção daquilo que se costuma chamar de opinião pública.
Quando o órgão de imprensa assume claramente sua posição, pode
participar, mesmo que às vezes de forma agressiva, na formação desta
opinião pública.
Mas quando a esconde nas entrelinhas, nas mensagens subliminares ou nos
títulos provocativos, busca simplesmente fazer da sua, a opinião do
público. É a versão se travestindo em verdade.
Essa falsa neutralidade agride não apenas quando mascara a posição, mas, sobretudo, quando se distingue daqueles que a assumem.
Arroga-se uma credibilidade ancorada justamente na linha divisória de
quem não tem preferências, e por isso mesmo, não carregaria suspeições.
A “conduta enviesada”, assim, não é apenas omissa, mas ensimesmada e excludente.
A questão pode ser vista mais claramente na forma como se acolhem as partes em um julgamento criminal.
Tomar a acusação como referência imparcial e a defesa como suspeita, por
exemplo, é o erro mais frequente de quem supõe expressar um juízo
isento – e, infelizmente, não ocorre apenas na imprensa.
Fazer do acusador uma espécie de juiz afronta a ideia central do
processo penal democrático e reedita os tempos negros do chamado, não à
toa, sistema inquisitorial.
Para se chegar à verdade, é preciso admitir quando se dizem versões.
Marcelo SemerNo Sem Juízo
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