Foi pródiga, nesse sentido, a sessão em que o Supremo se inviabilizou no
empate de cinco a cinco, que vale o mesmo que o empate de zero a zero,
duas partes que se anulam. O que reduziu todo o poder de decisão, no
Olimpo do Judiciário, à voz de um só.
A discussão entre os ministros Marco Aurélio Mello e Luís Roberto
Barroso, por exemplo, tem a ver com mais do que a influência da opinião
externa, ou "do país", sobre o tribunal. Em resposta a Barroso, que se
disse subordinado à sua consciência de juiz e não à multidão, e muito
menos ao que dirão os jornais do dia seguinte, Marco Aurélio
proclamou-se subordinado, sim, "aos contribuintes" a que "deve contas".
É um assunto que deveria figurar entre as preocupações permanentes das
redações e dos seus jornalistas, dos críticos culturais, dos colunistas
de costumes, de procuradores e promotores públicos, e de muitos outros.
Deveria. A regra predominante, considerado o conjunto das atividades
sensíveis ao tema, é procurar se "dar bem" fazendo "média" com a
tendência mais favorecedora.
No caso suscitado pelos dois ministros, a prevalência da opinião mais
exposta poderia até dispensar os juízes e os julgamentos, bastando
aplicar a presumida vontade dos "contribuintes". E ainda chamar isso de
"democracia direta", para alegria de certos esquerdoides.
Mas o risco não é de desemprego. A "vontade do povo" foi um argumento
utilizado por juízes na Alemanha nazista e depois repetido nos
julgamentos em que foram eles os réus, no pós-guerra. E, mesmo sem
chegar a extremos políticos, sabe-se que a opinião do povo, da multidão,
do contribuinte, ou lá que categoria se use, é manipulável e pode ser
distorcida pelos meios que aparentemente a refletem quando, de fato, a
induzem. Opinião pública: o que é isso, afinal?
Não foi Marco Aurélio nem foi Barroso quem suscitou o tema. Foi Gilmar Mendes.
A sessão seria cansativa, com votos muito extensos, não fosse Gilmar
Mendes oferecer uma representação criativa, e a TV estava ali também
para isso, como sempre. Dramático, espacial nos gestos teatrais, a voz
ondulante como nos mares bravios, o ministro tonitruou um discurso à
maneira dos tribunos das oposições de outrora, bem outrora. Estava
preocupado porque "o país está a nos assistir" (o infinitivo dos
portugueses, em vez do gerúndio dos brasileiros, é permanente, digamos,
no seu estilo). E o STF não pode decepcionar esses espectadores, povo,
contribuintes, as ruas. Preocupação muito reiterada, em especial, com
referência ao número absurdo de sessões consumidas pela Ação 470: já 53!
Um absurdo! E tome exclamações.
Foi bom o ministro recorrer à velha oratória, mas não à velha
aritmética. Iria lembrar-se de que a Ação 470 levou 38 réus ao STF.
Logo, implicou 38 julgamentos. Em média, portanto, cada um não ocupou
nem uma sessão e meia. Incluídas no total e na média as sessões que não
foram exatamente de julgamento, mas ocupadas com os recursos chamados
embargos declaratórios e já com os combates pelos embargos infringentes.
Se a aritmética é lembrada, lá se ia um pedaço fundamental da
representação.
Tanta preocupação com o esperado do STF pelos espectadores e
contribuintes (não são necessariamente a mesma coisa, sabendo-se que a
classe alta acompanha o julgamento com o mesmo interesse que aplica na
sonegação - e há quem diga que pelos mesmos motivos) leva a alguma
dúvida. Porque, até onde se soube com certeza em nossos dias, o que todo
cidadão brasileiro pleiteia do Judiciário é a segurança de que cada um
conte com a busca da verdade e da justiça possíveis, para que ninguém
seja injustiçado por pressa de juiz nem por interesses políticos ou
econômicos.
Janio de FreitasNo fAlha
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