Suas atitudes mais prováveis serão:
1. Votar pela aceitação dos embargos de infringência.
2. No segundo julgamento, ser o mais severo dos julgadores, fortalecido pelo voto anterior.
A aceitação dos embargos será uma vitória de Pirro.
O resultado mais provável da AP 470 será um segundo julgamento rápido,
em torno da tipificação do crime de formação de quadrilha. Poderá
resultar em condenações um pouco menores, mas não o suficiente para
livrar os condenados da prisão.
Com isso, se dará um mínimo de legitimidade às condenações.
Celso de Mello é um garantista circunstancial, apenas a última tentativa de legitimar um poder que perdeu o rumo.
A deslegitimação do STF
Para entender melhor o jogo.
No primeiro julgamento, devido à atuação do grupo dos 5 – Gilmar
Mendes, Luiz Fux, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e o próprio Celso – o
STF foi alvo de críticas generalizadas – embora veladas – do meio
jurídico. Não há jurista ou advogado, estudante de direito ou doutor
sério deste país que não tenha entendido o julgamento como o exercício
abusivo do poder discricionário.
Apenas uma coisa diferencia Celso de Mello de seus pares.
Este tentou preservar o mínimo apreço pela liturgia do cargo. Os demais
perderam o pudor, exercem a politicagem mais malandra, típica das
assembleias político-estudantis – como adiar o julgamento para
permitir pressão da mídia sobre o voto de desempate de Celso – sem
nenhuma estratégia de imagem. Querem exercer o poder plena e
abusivamente. Não pensam na história, nem sequer na legitimação das
sentenças, mas no gozo imediato do poder.
Lembram – em muito – os burgueses da revolução industrial, os texanos
barões de petróleo invadindo a Europa, pisando no Louvre de botas,
agindo sem nenhum apreço pela liturgia do cargo.
Mal comparando, Celso é o juiz do leste que ouve todos os réus, trata
civilizada, mas severamente, as partes e, cumprindo os rituais, manda
todos para a forca, com carrasco oficial seguindo o cerimonial.
Os demais se assemelham ao juiz do velho oeste, de barriga de fora, em
um saloon improvisado de sala de julgamento, que interrompe o
julgamento no meio, para não perder tempo, e manda enforcar os acusados
na árvore mesmo.
São tão truculentos e primários que seguem a truculência primária da
mídia, não cedendo em nenhum ponto, pretendendo o aniquilamento total, o
extermínio, a vitória em todos os quadrantes, mesmo nas questões menos
decisivas.
Tivessem um mínimo de esperteza, aceitariam os embargos, atrasariam por
algumas semanas o final do julgamento, e profeririam as mesmas
sentenças duras mas, agora, legitimadas pela aceitação dos embargos.
Mas são muito primários e arrogantes.
A deslegitimação do padrão Murdoch
Essa é a perna mais fraca da estratégia de Rupert Murdoch e de sua
repetição pelo Truste da Mídia (e pelo cinco do STF), quando decidiu
conquistar o espaço político para enfrentar os verdadeiros inimigos –
redes sociais – que surgiram no mercado.
A estratégia demandava insuflar a classe média, ainda seguidora da
mídia, com os mesmos recursos que marcaram grandes e tristes momentos da
história, como o macarthismo, o nazi-fascismo europeu dos anos 20 e
30, a Klu Klux Klan nos anos 60.
Essa estratégia exige uma linguagem virulenta, que bata no intestino do
público, e pregadores alucinados, que espalhem o ódio. Qualquer
espécie de juízo – isto é, da capacidade de separar vícios e virtudes –
compromete a estratégia, porque ela se funda na dramaturgia, no
maniqueísmo mais primário, na personificação do mal, na luta de
extermínio, no pavor de qualquer mudança no status quo.
Não há espaço para nenhuma forma de grandeza, respeito ao adversário
caído, pequenas pausas de dignidade que permitissem dar um mínimo de
conforto aos seguidores de melhor nível.
Por isso mesmo, nenhuma personalidade de peso ousou aderir a esse novo
mercado que se abria. E ele passou a ser ocupado pelos aventureiros
catárticos, despejando impropérios, arrotando poder, mostrando os
músculos, ameaçando com o fogo do inferno, todos vergando o mesmo
figurino de um Joseph McCarthy e outros personagens que foram jogados no
lixo da história.
Guardadas as devidas proporções, foi essa divisão que se viu no Supremo.
A recuperação dos rituais
O universo jurídico ainda é o mais conservador do país, o mais
refratário às mudanças políticas e sociais, aos novos atores que surgem
na cena pública. Certamente apoiaria maciçamente a condenação dos réus.
Mas o que viam no julgamento?
Do lado dos acusadores, Ministros sem nenhum apreço pela Justiça e
pelos rituais, exercitando a agressividade mais tosca (Gilmar), o
autoritarismo e deslumbramento mais provinciano (Joaquim), a malandragem
mais ostensiva (Fux), a mediocridade fulgurante (Ayres Britto) a
hipocrisia sem retoques (Marco Aurélio).
Do lado contrário, a dignidade de Ricardo Lewandowski, um seguidor das
tradições das Arcadas, percorrendo o roteiro que todo juiz admira, mas
poucos se arriscam a trilhar: o julgador solitário, enfrentando o
mundo, se for o caso, em defesa de suas convicções.
Aí se deu o nó.
Por mais que desejassem a condenação dos “mensaleiros”, para a maior
parte dos operadores de direito houve enorme desconforto de se ver na
companhia de um Joaquim, um Gilmar, um Ayres Brito e do lado oposto de
Lewandowski.
Pelo menos no meio jurídico paulista, ocorreu o que não se imaginava:
assim como os petistas são “outsiders” do universo político, os quatro
do Supremo tornaram-se “outsiders” do universo jurídico. E Lewandowski,
achincalhado nas ruas, virou – com justiça – alvo da admiração
jurídica. Além de ser um autêntico filho das Arcadas.
É aí que surge Celso de Mello para devolver a solenidade, remontar os
cacos da dignidade perdida da corte, promover a degola dos condenados
mas sem atropelar os rituais,
Ele não é melhor que seus companheiros. Apenas sabe usar adequadamente
os talheres, no grande festim que levará os condenados à forca.
Luis NassifNo GGN
Do Blog COM TEXTO LIVRE.
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