O Ministro Joaquim Barbosa não tem mais utilidade. Deve começar a ser desconstruído pelas mesmas forças a que serviu e às quais passa agora a ser um incômodo.
No post anterior,
tratei do que via de perdas pessoais, humanas no julgamento da AP 470.
Preferi tratar Joaquim Barbosa como um caso à parte. Não que ele não
seja um perdedor. Na AP 470 não há vencedores. E Joaquim Barbosa é um
dos grandes perdedores.
O Ministro Joaquim Barbosa é patético. Carrega consigo uma dimensão
trágica, como só os patéticos conseguem ter. Mas não trágico como Otelo,
pois que Otelo não era patético. Patético e trágico tal qual Macbeth.
E, coerente a Macbeth, se os maus presságios que me desassossegam a
alma a respeito de sua pessoa estiverem certos, Joaquim Barbosa estará
cumprindo uma trajetória parabólica que começa sua descendente.
O início:
A indicação de Joaquim Barbosa ao STF foi um gesto político de Lula.
Mas esse gesto político, uma justa homenagem e uma forma de reparação
aos negros do Brasil, também é uma maldição a pesar sobre o indicado.
Interessante, poderia pesar também sobre a ex-ministra Ellen Gracie, a
primeira mulher a assumir como ministra da suprema corte do Brasil. No
entanto, todos parecem entender o gesto político de sua indicação, mas
ninguém considera que ela foi escolhida apenas por ser mulher. Por que
isso pesa sobre os ombros de Joaquim Barbosa? Pesaria sobre os ombros de
qualquer outro negro que assumisse o cargo?
De Frei Beto sobre Joaquim Barbosa:
“Em março (2003), Márcio Thomaz
Bastos (então, ministro da Justiça) indagou se eu conhecia um negro com
perfil para ocupar vaga no STF. Lula pretendia nomear um para a
suprema corte do país. Lembrei-me de Joaquim Barbosa”.
Conhecera-o, meses antes, de forma prosaica, em uma agência de viagens,
em 2002, quando o, então, procurador Joaquim Barbosa cultivava a arte
de ser simpático e ainda cuidava de suas próprias passagens aéreas:
“Instalei-me no primeiro banco vazio, ao lado de um cidadão negro que nunca vira.
- Você é o Frei Betto? – indagou-me.
Confirmei. Apresentou-se: Joaquim Barbosa… Trocamos ideias e, ao me despedir, levei dele o cartão e a boa impressão.”
E assim, ficou a indicação de Barbosa em função de sua cor e não de sua
capacidade, apesar de sua respeitável formação acadêmica e de ter
alçado aos cargos que ocupou sempre por concurso público.
Do ex-ministro Cesar Peluso sobre Barbosa:
“A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado
como arrogante.Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o
Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor”.
Ou seja, como aos negros em geral, neste país, não era dado a Joaquim
Barbosa o reconhecimento de estar em pé de igualdade nem quando
alcançava o ponto máximo da carreira a que se propôs seguir.
Isso o incomoda? Basta ver o seu comentário após entrevero com o ministro Gilmar Mendes:
“Enganam-se os que pensavam que o STF iria ter um negro submisso, subserviente.”
Ou quando da resposta que deu a Peluso:
“sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar liberdades
comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto”. “porque
alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas
liberdades com negros”. “Sempre minha resposta veio na hora, dura.”
Permitamo-nos um interregno, é interessante como, realmente, o tempo é o
senhor da história. Comparemos a imagem que se forma hoje sobre
Joaquim Barbosa – presidente do STF e a crítica do Ministro Joaquim
Barbosa ao então presidente Cezar Peluso, em 2012:
“as pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do
STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as
normas quando se tratava de impor à força a sua vontade”.
Voltando à história de Joaquim Barbosa, empossado ministro e com
problemas ortopédicos, começam a fazer-lhe a fama de relapso com suas
obrigações. Suas várias licenças médicas são vistas como uma forma de se
ausentar do trabalho. Flagram-no bebendo em um bar, confraternizando
com amigos durante uma das licenças.
Preto e indolente. Não é outro o motivo de sua discussão com o Ministro Gilmar Mendes:
Eles discutiam duas ações que já haviam sido julgadas no Supremo em 2006:
“JB - Não se discutiu claramente.
GM - Se discutiu claramente e eu trouxe razão. Talvez
Vossa Excelência esteja faltando às sessões. [...] Tanto é que Vossa
Excelência não tinha votado. Vossa Excelência faltou à sessão.
JB - Eu estava de licença, ministro.
GM - Vossa Excelência falta à sessão e depois vem...”
Aqui, outra vez, o tempo arma uma arapuca para Joaquim Barbosa usando
suas próprias palavras. Na resposta já clássica de deu a Gilmar Mendes:
“Vossa Excelência está destruindo a justiça deste país...Vossa
excelência não está nas ruas, Vossa Excelência está na mídia,
destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. ...Vossa
Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus
capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar”.
“Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro”.
Uma das acusações que se faz à AP 470 é justamente em relação ao seu
caráter midiático. Os grandes grupos de mídia pautando o Supremo e
Joaquim Barbosa a sua estrela maior.
A ascensão:
A mudança dos “donos do poder” em relação ao Ministro Joaquim Barbosa
começa com a sua indicação para a relatoria da AP 470 – O mensalão.
A Ministra Carmen Lúcia não pode ser considerada uma “bruxa
shakespeariana”, longe disso, mas, tal qual elas, foi profética, em
2007, ao comentar o que ocorreria com Joaquim Barbosa, a partir dessa
relatoria, em uma troca de correspondência com o Ministro Lewandowisk
flagrada por jornalistas bisbilhoteiros:
“Esse vai dar um salto social com o julgamento”
Com quanto possa carregar uma ponta de preconceito, o comentário de
Carmen Lúcia denuncia que já era sabido, desde então, que o julgamento
do “mensalão” era uma porta para a ascensão social. Claro, desde que as
coisas certas fossem feitas. O ministro Lewandowisk, por exemplo, foi o
revisor desse processo e ninguém dirá que obteve um “salto social”. O
Ministro Celso Mello sentiu na pele o que é “não fazer a coisa certa”.
Mas, como vimos de seu diálogo com Frei Beto, Joaquim Barbosa sabia fazer a coisa certa.
A sua atuação como magistrado, na AP 470, ainda será estudo de caso nos
cursos de direito, tal o grau de “inovação”, se não, de desrespeito
aos mais basilares direitos dos réus. Mas condenar o PT na figura de
José Dirceu era a “coisa certa” que esperavam de Joaquim Barbosa. As
outras 39 almas eram o bônus e Joaquim Barbosa não se fez de rogado em
pena-las.
Desde então, o “preto indolente” transformou-se em “o menino pobre que mudou o Brasil”.
Passou a ser cumprimentado nas ruas, dava autógrafos. Nas fotos que vi,
todos os que o cumprimentavam eram brancos de classe média, mas todos
sorridentes e orgulhosos em estar junto do novo herói, Batman ou Anjo
Vingador.
A brutalidade e a intolerância com que conduzia o julgamento foram
relevadas – traços de uma personalidade “mercurial”, dizia a Folha.
Tudo lhe era permitido, de negar cumprimento à Presidente da República
na recepção ao Papa a ofender jornalista, desde que a “coisa certa”
fosse feita.
E ela foi feita, a condenação dos “mensaleiros” foi comemorada em
manchetes da grande imprensa, dezoito minutos no “Jornal Nacional”. Algo
só comparável ao frenesi quase orgiástico das grandes conquistas do
esporte nacional.
A queda:
A partir daí, algo mudou na relação da grande imprensa para com Joaquim Barbosa.
Sua atitude passou a ser relativizada. Em uma das muitas discussões com
o Ministro Lewandowisk, chamou-o de “chicaneiro”. Coisas muito piores
já havia dito – foi censurado publicamente. Agora, havia limites.
Apareceu seu apartamento em Miami, adquirido com uma forma, digamos,
“inovadora” em relação ao recolhimento de impostos. Apareceram suas
passagens aéreas em viagens não oficiais.
Por fim, Joaquim Barbosa cometeu o seu grande erro.
Na busca pelos holofotes costumeiros, enviou para a prisão os
mensaleiros que importavam, em dia de feriado nacional. Entre eles um
homem convalescendo de extensa cirurgia cardíaca. Numa artimanha
jurídica, pôs em regime fechado, por alguns dias, prisioneiros
condenados ao semiaberto .
Quando li, no dia seguinte, a palavra “brutalidade” na Folha de São
Paulo se referindo a ele, quando, depois, Elio Gaspari, na mesma Folha,
comparava sua atitude a de linchamento e, ainda depois, quando soube
que a Globo noticiou no mesmo Jornal Nacional a carta de repúdio a ele
dirigida por artistas, intelectuais e juristas, pensei – “foi para o
tronco”.
São esses os maus presságios que me desassossegam a alma – com os
“mensaleiros” condenados e presos, o Ministro Joaquim Barbosa não tem
mais utilidade. Deve começar a ser desconstruído pelas mesmas forças a
que serviu e às quais passa agora a ser um incômodo.
Incômodo não só pela associação aos seus métodos truculentos que
precisa ser evitada. Incômodo porque, como vimos, Joaquim Barbosa só
presta reverência a si próprio, não compõem nem demonstra “gratidão”.
“A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O
empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas
mãos de pessoas brancas e conservadoras”.
Joaquim Barbosa será presidente do STF até novembro de 2014, depois,
passará a presidência para Ricardo Lewandowisk e retornará à planície
árida do plenário. Como abrir mão da figura do “Anjo Vingador”?
Joaquim Barbosa não encarna a figura do “menino pobre que mudou o
Brasil”, esse é Lula. Oriundo da burocracia federal, é um classe-média
típico.Típico até na necessidade de compensações simbólicas, e, no caso
de Barbosa, até por outros e bons motivos. Estaria sonhando em ascender
à alta burguesia, aos “donos do poder”?
Se é essa a sua intenção, aprenderá, como Macbeth aprendeu em relação
ao trono da Escócia, que “os donos do poder” são uma oligarquia
hereditária.
Sergio Saraiva
No GGN
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