Quem lida com pesquisa de opinião vê o aumento de eleitores que dizem odiar algo ou tudo na política
por Marcos Coimbra, em CartaCapital, através do Viomundo
A figura de Joaquim Barbosa faz mal à cultura política brasileira. Muito já se falou a respeito de como o atual presidente do Supremo conduziu o julgamento da Ação Penal 470, a que trata do “mensalão”. Salvo os antipetistas radicais, que ficaram encantados com seu comportamento e o endeusaram, a maioria dos comentaristas o criticou.
A figura de Joaquim Barbosa faz mal à cultura política brasileira. Muito já se falou a respeito de como o atual presidente do Supremo conduziu o julgamento da Ação Penal 470, a que trata do “mensalão”. Salvo os antipetistas radicais, que ficaram encantados com seu comportamento e o endeusaram, a maioria dos comentaristas o criticou.
Ao longo do processo, Barbosa nunca foi julgador, mas acusador. Desde a
fase inicial, parecia considerar-se imbuído da missão de condenar e
castigar os envolvidos a penas “exemplares”, como se estivesse no
cumprimento de um desígnio de Deus. Nunca mostrou ter a dúvida
necessária à aplicação equilibrada da lei. Ao contrário, revelou-se um
homem de certezas inabaláveis, o pior tipo de magistrado.
Passou dos limites em seu desejo de vingança. Legitimou evidências
tênues e admitiu provas amplamente questionáveis contra os acusados,
inovou em matéria jurídica para prejudicá-los, foi criativo no
estabelecimento de uma processualística que inibisse a defesa, usou as
prerrogativas de relator do processo para constranger seus pares,
aproveitou-se dos vínculos com grande parte da mídia para acuar quem o
confrontasse.
Agora, depois da prisão dos condenados, foi ao extremo de destituir o
juiz responsável pela execução das penas: parece achá-lo leniente.
Queria dureza.
Barbosa é exemplo de algo inaceitável na democracia: o juiz que acha
suficientes suas convicções. Que justifica sua ação por pretensa
superioridade moral em relação aos outros. E que, ao se comportar dessa
forma, autoriza qualquer um pegar o porrete (desde que se acredite
“certo”).
Sua figura é negativa, também, por um segundo motivo.
Pense em ser candidato a Presidente da República ou não, Barbosa é um
autêntico expoente de algo que cresceu nos últimos anos e que pode se
tornar um grave problema em nossa sociedade: o sentimento de ódio na
política.
Quem lida com pesquisas de opinião, particularmente as qualitativas, vê
avolumar-se o contingente de eleitores que mostram odiar alguma coisa ou
tudo na política. Não a simples desaprovação ou rejeição, o desgostar
de alguém ou de um partido. Mas o ódio.
É fácil constatar a difusão do fenômeno na internet, particularmente nas
redes sociais. Nas postagens a respeito do cotidiano da política, por
exemplo sobre a prisão dos condenados no “mensalão”, a linguagem de
muitos expressa intenso rancor: vontade de matar, destruir, exterminar. E
o mais extraordinário é que esses indivíduos não estranham suas
emoções, acham normal a violência.
Não se espantam, pois veem sentimentos iguais na televisão, leem
editorialistas e comentaristas que se orgulham da boçalidade. Os
odientos na sociedade reproduzem o ódio que consomem.
Isso não fazia parte relevante de nossa cultura política até outro dia.
Certamente houve, mas não foi típico o ódio contra os militares na
ditadura. Havia rejeição a José Sarney, mas ninguém queria matá-lo.
Fernando Collor subiu e caiu sem ser odiado (talvez, apenas no confisco
da poupança). Fernando Henrique Cardoso terminou seu governo reprovado
por nove entre 10 brasileiros, enfrentou oposição, mas não a cólera de
hoje.
O ódio que um pedaço da oposição sente atualmente nasce de onde? Da
aversão (irracional) às mudanças que nossa sociedade experimentou de
Lula para cá? Do temor (racional) que Dilma Rousseff vença a eleição de
2014? Da estupidez de acreditar que nasceram agora os problemas (como a
corrupção) que inexistiam (ou eram “pequenos”)? Da necessidade de
macaquear os porta-vozes do conservadorismo (como acontece com qualquer
modismo)?
Barbosa é um dos principais responsáveis por essa onda que só faz
crescer. Consolidou-se nesse posto nada honroso ao oferecer ao País o
espetáculo do avião com os condenados do “mensalão” rumo a Brasília no
dia 15 de novembro. Exibiu-o apenas para alimentar o ódio de alguns.
A terceira razão é que inventou para si uma imagem nociva à democracia. O
papel que encena, de justiceiro implacável e ferrabrás dos corruptos, é
profundamente antipedagógico.
Em um país tão marcado pelo personalismo, Barbosa apresenta-se como
“encarnação do bem”, mais um santarrão que vem de fora da política para
limpá-la. Serve apenas para confirmar equívocos autoritários e deseducar
a respeito da vida democrática.
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