Notoriedade de Barbosa decorre não de virtudes, mas sim de atitudes atabalhoadas e ilegais
Pródiga em fornecer matéria-prima para chargistas e colecionadores de
frases, a vida política brasileira experimenta um momento inesquecível.
Os desdobramentos do julgamento do mensalão não cessam de emprestar
combustível a quem presta um pouco de atenção aos jogos do poder.
O personagem do momento não é nenhum dos condenados; mesmo o motivo da
ação foi relegado a plano secundário. Joaquim Barbosa --esse é o cara da
vez, como se diz. Infelizmente, sua notoriedade não decorre de
virtudes. Deriva de atitudes atabalhoadas e ilegais, segundo juristas de
diferentes matizes.
O showmício das prisões já foi suficientemente dissecado para mostrar as
irregularidades do arrastão aéreo da Polícia Federal. Mesmo o ministro
Marco Aurélio Mello, que de petista, lulista ou coisa parecida não tem
nada, assustou-se com o espalhafato barbosista. Mas a coisa seguiu em
frente --e tão espantosos quanto os procedimentos são as observações
disseminadas pelos súditos do ilustre "justiceiro".
Uma das principais: os mensaleiros devem ser tratados como qualquer
prisioneiro, sem direito a regalias. Nada a objetar. Mas vamos por
partes, ou por fatias, para ficar na moda. Todos são iguais perante a
lei, reza a democracia formal. Mas a lei, a pena, não é igual para
todos, simplesmente porque nem todos cometem os mesmos crimes.
Passa pela cabeça de gente bem-intencionada colocar um mensaleiro no RDD
e um Marcola ou Chico Picadinho cumprindo pena alternativa? E, diga-se a
verdade, o que chama a atenção não são privilégios dos novos
condenados, mas o fato de se negar a eles o que preveem os trâmites de
execução penal.
A sequência é ainda mais falaciosa. Aponta o contraste entre a situação
sub-humana em que vive a esmagadora maioria da população carcerária com
os supostos benefícios recebidos por hóspedes engravatados. Com
estridência variada conforme a mídia de que se servem, comentaristas são
enfáticos, categóricos. Propõem nivelar tudo por baixo.
Os presos ditos comuns se amontoam em celas, engolem o pão que o diabo
amassou, tomam banho frio sem sabonete e se revezam na hora de dormir,
pois falta espaço nas gaiolas carcerárias. Que assim seja então com todo
mundo.
Nem é preciso ser adepto de algum partido para perceber tamanha
regressão civilizatória. Não, não se trata de humanizar as cadeias e dar
condições dignas a seus ocupantes, mas sim de animalizar os adversários
políticos de ocasião. Ver as coisas de forma justa --por mais nuances
que o termo apresente no decorrer dos tempos-- e sem o ranço da vingança
irracional (ou eleitoral) implica admitir que o responsável pela
condição degradante das penitenciárias não é o governo x ou y. E sim um
sistema velho de séculos e que ninguém, nem PT, PSDB, PMDB, UDN, PSD ou
qualquer outro partido ocupante do poder teve a coragem de afrontar.
Por trás da "justiça" propagada pelo áulicos do barbosismo, surge o
desejo indisfarçável de reviver, com o mensalão, o clima da vassoura, do
caçador de marajás, da república do Galeão, da banda de música e
dezenas de personagens "incorruptíveis" que não resistiram ao exame da
história ou a um grampo telefônico. Tão desalentador quanto o
rebaixamento do debate, num país de inúmeras carências como Brasil, é
notar que o estandarte do momento ocupa um cargo de importância
indiscutível. E a campanha eleitoral mal começou.
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