Os movimentos criados em torno de bandeiras como "não vai ter Copa" são,
antes de tudo, um atestado de burrice. No Brasil, é mais ou menos como
apostar em alguma audiência para um Dia Nacional contra a Feijoada ou o
Paulinho da Força organizar uma manifestação contra a venda da tequila
no Primeiro de Maio.
Um exemplo disso aconteceu neste sábado (23) na capital paulista. Um
desses atos, organizados sabe-se lá por quem, reuniu cerca de 350
manifestantes a pretexto de protestar contra a Copa. Confrontados com a
própria insignificância, líderes da "mobilização" passaram a teorizar.
"A conjuntura há duas semanas era diferente. A luta contra a Copa mudou
de qualidade quando a sociedade organizada iniciou um movimento",
afirmou um representante do grupo Território Livre, seja lá o que a
declaração quis dizer. Ao fundo, soavam como cântico lemas como "Greve
Geral, piquete e ocupação, contra Fifa, a PM e o patrão"; à frente, um
bando segurava uma faixa pregando uma "Copa de greves".
A pregação do "X-Tudo" é, novamente, uma tentativa típica de rebeldes
sem causas, mas com muitas consequências. Uma delas é lançar
trabalhadores contra trabalhadores. Na mesma onda misturam-se
provocadores, gente bem intencionada e lideranças espertas. Os eventos
em São Paulo são eloquentes.
As paralisações de transportes afetaram a maioria da população. Nelas,
havia motoristas e cobradores que recebem uma miséria e têm o direito a
melhores condições de vida. Empregados de uma das viações pediam, por
exemplo, respeito ao horário de almoço e o fim do desconto do salário
nos dias de falta por doença. Reivindicações que, em pleno século 21,
remontam a tempos do capitalismo selvagem. Mas havia também uma parcela
bastante articulada muito mais interessada em ver o circo pegar fogo.
Como lembrado à exaustão, tais categorias exibem dirigentes com um
histórico de banditismo e subserviência patronal indignos dos milhares
de trabalhadores que dizem representar. Lideranças parasitárias do
imposto sindical aproveitam-se da dispersão profissional da área em que
atuam --funcionários de empresas de transportes, por natureza, trabalham
isolados, diferentemente do que ocorre numa fábrica-- para exercer a
manipulação e infiltrar asseclas de objetivos obscuros, às vezes nem
tanto.
Isso nada tem a ver com a Copa. Reportagem da Folha prestou um serviço
inestimável ao mostrar que os gastos públicos com o torneio são ínfimos
se comparados às demais despesas oficiais. Pelos cálculos do jornal, o
governo está investindo cerca de R$ 26 bilhões na competição, total que
na verdade é menor considerando que haverá reembolso de uma fatia do
dinheiro. Pode-se ir mais longe no capítulo proporções. Segundo lista da
revista americana Forbes, as quinze famílias mais abastadas do Brasil
concentram uma fortuna de R$ 270 bilhões de reais, cerca de 5% do PIB
nacional. Ao final da Copa, aliás, estarão ainda mais ricas, pois muitas
delas fazem parte de grupos de mídia beneficiários do torneio.
Nada disso anula o fato de que, num território com as enormes carências
do Brasil, sempre que o Tesouro deixa de gastar com o básico da
sobrevivência, há uma sensação de desperdício. Também é reprovável
embarcar num clima de pão e circo e varrer para baixo do tapete as
irregularidades na construção de estádios e de outras obras --males que
contagiam a vida pública nacional e devem ser investigados sem nenhuma
complacência.
Mas daí a tentar criar um clima de não vai ter Copa vai uma distância
muito grande. Brasileiro gosta de futebol, assim como detesta
roubalheira. Colocar tudo no mesmo saco só faz sentido na cabeça de
senhores e oportunistas que conhecem massas apenas quando servidas em
cantinas de luxo.
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