Repórteres da grande mídia combinam pauta contra Lula
Não é fácil cobrir
política no Brasil, segundo repórter de um dos grandes veículos de mídia
que cobriram a palestra que o ex-presidente Lula deu a centenas de
blogueiros na última sexta-feira. Informações que tal repórter me deu
sem saber com quem falava serão úteis para a compreensão da manchete
sobre o evento que ganhou as capas dos grandes jornais de sábado
(17/05).
A grande imprensa
compareceu em peso ao hotel Braston, no centro velho de São Paulo, onde
está acontecendo o 4º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas
Digitais. Havia repórteres de vários grandes meios de comunicação – O
Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, G1, UOL, Terra, IG… Só
não foi visto repórter da Veja.
O corredor que dá acesso
ao salão de convenções na sobreloja do hotel estava intransitável. Por
ali, misturavam-se os participantes do evento e a imprensa. Esta, porém,
tinha uma porta de acesso exclusiva ao salão, que desembocava em um
cercadinho feito para os repórteres.
Salvo um ou dois
incidentes entre blogueiros menos pacientes com as manipulações
midiáticas e repórteres, a imprensa foi bem recebida. Porém, esses
“operários da notícia” estavam tensos e este blogueiro descobriu que não
era por medo do público que ali estava, mas devido à pressão que um
desses “operários” – que, por razões óbvias, não será identificado –
insinuaria que todo repórter de política sofre quando tem que cobrir
Lula.
Para extrair sinceridade
de um dos membros da imprensa que ali estavam, a solução foi este que
escreve dissimular a razão de sua presença no local fingindo que
participava de outro evento no salão de convenções contíguo àquele em
que Lula palestraria. Travou-se, então, o seguinte diálogo com um dos
repórteres:
Blogueiro — O que está acontecendo aí?
Repórter – O Lula vem falar.
Blogueiro – Quem é toda essa gente?
Repórter – São blogueiros aliados do PT; Lula vem falar pra eles.
Blogueiro – Lula é sempre notícia, né?
Repórter – Notícia cabeluda. Dá um trabalho danado.
Blogueiro – Por quê?
Repórter – A gente tem que achar a “pauta certa”…
(…)
Infira você, leitor, qual é a “pauta certa”.
A palestra em questão
foi excelente. Lula estava inspirado, como sempre. Enquanto encantava a
plateia com suas tiradas engraçadas, fiquei pensando o que a imprensa
poderia encontrar para comprometê-lo. A presença maciça de repórteres em
mais um encontro do ex-presidente com blogueiros certamente se
destinava a encontrar algo que pudesse servir para a mídia tentar
desgastá-lo publicamente.
Ao fim da fala de Lula,
achei que ele não oferecera matéria-prima para que os robôs teleguiados
pela grande mídia pudessem usar. E não havia mesmo. Por isso, foi
preciso inventar.
Após Lula falar,
participantes do Encontro de Blogueiros relataram uma cena inusitada
presenciada por vários deles: repórteres de vários veículos distintos
reuniram-se para discutir que pauta comum todos entregariam às suas
respectivas redações.
Um repórter sugeria
distorcer, omitir ou destacar este ponto, outro contestava aquela ideia e
dava outra. Alguns dos blogueiros que presenciaram a cena
aproximaram-se do grupo de repórteres inquirindo-os sobre se era comum
fazerem aquilo, reunirem-se e combinarem o que iriam divulgar sobre o
que haviam presenciado.
A interpelação dispersou
os repórteres, que foram se reunir em outra parte. O resultado dessa
reunião, porém, começou a ser visto no mesmo dia nos portais G1, UOL
etc., e ganhou maior repercussão nos jornais de sábado (17). Abaixo, uma
das manchetes principais de primeira página que decorreram de uma
distorção criminosa da fala do ex-presidente.
Chega a ser
inacreditável que a mídia tenha pinçado e distorcido uma frase de Lula
dessa forma. O ex-presidente disse o seguinte:
“Nós
nunca reclamamos de ir a pé (ao estádio). Vai a pé, vai descalço, vai
de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. A gente está
preocupado? Ah não, porque agora tem que ter metrô até dentro do
estádio. Que babaquice que é essa?“
O que Lula disse foi
que, no Brasil, nunca ninguém pediu que estações de metrô fossem
construídas dentro de estádios de futebol e que agora estavam cobrando
alguma coisa que nunca foi pedida no Brasil. E emendou dizendo que
brasileiro, para ver futebol, não mede esforços.
As palavras do
ex-presidente, da forma como foram expostas, dão a entender que ele acha
que o povo não merece ter estação de metrô dentro de estádio de
futebol, o que seria não só uma “babaquice”, mas um desperdício de
recursos públicos, pois o povo não vai a estádios todo dia, mas usa
metrô todo dia e por certo os locais para construir estações devem ser
mais adequados.
Pode-se construir
estação de metrô em um hospital, em shoppings e em terminais rodoviários
ou de trens porque são locais de grande afluxo diário de pessoas, mas
não faz sentido construir dentro de um estádio de futebol. Durante a
Copa até seria útil, mas e depois?
O que fica desse
episódio é a confirmação de um procedimento da velha mídia que todo
mundo conhece, mas que nem todos devem se lembrar. Em 2006, por exemplo,
quando foi apreendido o dinheiro dos “aloprados”, aconteceu a mesma
coisa – repórteres e policiais armaram um cenário com o dinheiro
apreendido que fez seu volume físico parecer maior.
Infelizmente, mais uma
vez se confirma que a luta para agradar as chefias leva jovens
repórteres a praticar toda sorte de trapaças com a notícia. E que esta é
“tratada” para dizer aquilo que os patrões desses jovens querem que
seja dito, obviamente em prejuízo do direito do público a receber fatos
em vez de versões e interpretações subjetivas como essa de que trata o
post.
Eduardo Guimarães
Eduardo Guimarães
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