Depois de combater políticas de bem-estar, nossos dinossauros escondem números reais e usam fantasia social.
Na medida em que dados concretos começam a ser divulgados, começa a
ficar claro que a guerra contra a Copa é expressão de um delírio
conservador que recebe, acessoriamente, o apoio ruidoso de uma retórica
de ultraesquerda – bastante comum em situações políticas como a atual.
Alguns números.
A sugestão de que os estádios de futebol tiveram reajustes e sobrepreços
excessivos não resiste a uma matemática contábil. A inflação acumulada
do país, no período, chegou a 40%. A alta média dos estádios ficou em
36%. Num país que convive com metas inflacionárias como política
oficial, reajustes desse tipo são parte natural da paisagem dos
investimentos públicos e privados.
Imaginar que o futebol retirou dinheiro da Educação é um acinte. Em
2007, quando o país foi confirmado como sede da Copa, o orçamento do
Ministério da Educação consumia R$ 50,4 bilhões. Em 2014, a conta é de
R$ 112,3 bilhões – mais que o dobro, em valores deflacionados.
Os gastos totais com a Copa, somando empréstimos públicos, privados,
investimentos estaduais e municipais, chegam a R$ 26,7 bilhões.
Não é pouco dinheiro, convenhamos. Mas é menos, por exemplo, que metade
do patrimônio da família Marinho, dona da TV Globo, segundo a revista
Forbes. Em outra conta: num país com PIB de R$ 4,5 trilhões, os R$ 26 bi
continuam sendo um bom dinheiro, mas não vamos perder a perspectiva dos
números.
Agora, algumas ideias.
É claro que toda pessoa tem direito de ser contra a realização da Copa no Brasil.
Em 2007 levantei críticas neste espaço – como qualquer pessoa, interessada na arqueologia da internet, poderá comprovar.
Sete anos depois, essa discussão está fora de lugar. Depois da crise de
2008, a maior do capitalismo mundial em 85 anos, não é possível ignorar o
lugar da Copa no estimulo a investimentos realizados no país. Os
trabalhos da Copa garantem um acréscimo anual de 0,4% no PIB brasileiro.
Também ajudam a criar 3,6 milhões de empregos. Talvez não seja a melhor
saída. Nem a mais duradoura. Mas cabe lembrar que, sem alternativas,
que jamais foram apresentadas, a pessoa não tem o que comer nem o que
vestir, não é mesmo? Do ponto de vista dessas pessoas, a Copa já é uma
vitória, ainda que parcial, beneficiando a população mais pobre. Ou
desemprego no orçamento dos outros não arde?
Além de sugerir medidas de austeridade, que afundaram a Europa, alguém
apareceu com ideias mais adequadas, socialmente aceitáveis?
A campanha contra a Copa é antiga. Se você fizer a arqueologia de seus
críticos, irá encontrar declarações solenes de que o governo brasileiro
deveria render-se definitivamente a supostas mediocridades nacionais e
devolver a Copa para a FIFA. O argumento, na época, é que nem os
estádios ficariam prontos. Sem comentários, não é mesmo?
O debate seguinte foi outro. Nossos dinossauros se tornaram sociais – e
foi para isso que a aliança com porta-vozes de uma retórica de
ultraesquerda se tornou necessária.
Repare: a mesma turma que em 2007 – o ano em que o Brasil foi escolhido
como país-sede --derrubou a CPMF, aquele imposto semi-invisível que
garantia verbas para a saúde pública, resolveu pedir dinheiro para
postos de saúde como argumento para combater a Copa.
Sem ruborizar, teve a mesma reação diante do programa Mais Médicos.
A tecnologia política é conhecida. Depois de negar recursos que
poderiam, de forma consistente e duradoura, promover uma mudança real na
saúde pública, vamos à rua pedir hospitais padrão-FIFA.
Com todo respeito pela população que dá duro na fila dos hospitais
públicos – e também pelos que são ludibriados regularmente pelos planos
privados – cabe perguntar: quem queremos enganar com isso?
Quem está falando de indignação real? Quem joga na hipocrisia total?
A resposta virá em outubro. Até lá, o que se quer é enganar o eleitor.
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