Depois que o nome de Eduardo Campos surgiu na delação de Paulo Roberto da Costa, Marina Silva tenta nos convencer de que é possível entrar na chuva e não se molhar.
Explico. Ao mesmo tempo em que tenta entrar no coro conservador ao falar
do “apadrinhamento, da corrupção, do uso político” na Petrobras, Marina
afirma que “não quer uma segunda morte de Eduardo Campos por
leviandade.” Pode?
Ou a candidata denuncia a leviandade — e neste caso não lhe cabe fazer
afirmações levianas sobre a maior empresa brasileira, colocando seu
tijolo na preservação do mítico “mar-de-lama” criado por Carlos Lacerda
para atacar as conquistas do governo Getúlio Vargas.
Ou então utiliza argumentos de natureza emocional (“segunda morte”) para
fugir do debate real, finge que sua campanha não tem nada a ver com
isso e segue na corrida atrás de votos procurando a criminalizar os
adversários.
O que não dá é ficar em posturas opostas, quando convém. Ora vítima de
uma possível injustiça, ora candidata imaculada. Existe algo mais “velha
política”?
Governador do Estado onde foi construída a refinaria Abreu e Lima,
apontada pelos adversários do governo como usina de um
superfaturamento-monstro, o que está longe, muito longe, de ter sido
demonstrado, Eduardo Campos chegou a ser arrolado como testemunha de
defesa por Paulo Roberto da Costa e lutou arduamente para não ser
ouvido. Por que o delator de hoje acreditava que Eduardo Campos pudesse
ser útil em sua defesa de ontem?
Não sabemos.
O que ele poderia não dizer, atitude que, do ponto de vista jurídico, pode ser ainda mais decisiva?
Não sabemos.
Mas sabemos que o delator Paulo Roberto da Costa convocou uma testemunha
para sua defesa — Eduardo Campos. Nenhum ministro, senador ou deputado
foi acionado nessas mesmas condições. O tesoureiro do PT João Vacari não
foi, nem o deputado Candido Vaccareza.
Contrariado com a convocação, Eduardo Campos travou uma negociação difícil para não ser obrigado a atender ao pedido.
Marina agiu de forma parecida quando se verificou que o PSB fazia campanha com um avião registrado em nome de laranjas.
Ela própria só não embarcou no voo da tragédia porque naquela manhã
Eduardo Campos se dirigia para um seminário ao qual a vice não tinha
interesse em comparecer.
Marina viajou seis vezes no Cessna que caiu em Santos. Segue normalmente
em campanha. Prometeu solenemente dar explicações que nunca vieram. Mas
segue falando em “corrupção”, “apadrinhamento”, “uso político.”
Isso acontece porque o moralismo — que é uso seletivo e maroto de
princípios éticos com fins políticos — é uma moeda de troca eleitoral. O
mensalão do PSDB-MG segue a grande prova definitiva a respeito.
Há outro caso ilustrativo, também.
Curiosamente, Julio Delgado, deputado do PSB de Marina, é relator no
processo de cassação do petista André Vargas, que segue em pauta no
Congresso e deve ser resolvido até o final do ano. Em 2005, Delgado foi
relator do processo que levou a cassação de José Dirceu. Procure na
acusação um fiapo de prova contra o então deputado. Não vai encontrar.
O caso desta vez tem a ver com outro jatinho particular, também.
Após muitos murmúrios que nada provaram, Vargas encontra-se na mesma situação de sempre.
Sérgio Moro, o juiz que é reponsável pela Operação Lava a Jato, escreveu
que não foram encontratos indícios de “relações criminosas” entre André
Vargas e Yousseff. Repito: não foram encontrados indícios de relações
criminosas.
A única acusação contra ele é ter viajado com a família num jatinho de
Alberto Yousseff, o doleiro do esquema de Paulo Roberto da Costa, aquele
que considerou que Eduardo Campos poderia ser útil em sua defesa. Se a
Justiça coloca suspeitas sobre os negócios de Yousseff, não coloca em
dúvida a propriedade do avião.
Embora o deputado tenha até pago pelo combustível usado na viagem, ele
pode ser criticado por ter aceito favores indevidos de um empresário com
vários interesses junto ao governo. Está certíssimo. É gravíssimo.
Mas, sendo assim, imagine o que se pode pensar de um jato que andava por
aí, como um cachorro sem dono, com um candidato a presidente e sua vice
a bordo, prometido a um proprietário de assinatura ilegível.
É disso que estamos falando.
Mesmo levando em conta as diferenças fundamentais que a visão
convencional enxerga nos personagens é difícil deixar de imaginar que a
aproximação entre Neca Setubal e Marina tenha produzido grande
influência nas ideias e propostas da candidata nos últimos quatro anos.
Foi uma aproximação que incluiu o pagamento de 83% das receitas da ONG
montada por Marina após a campanha presidencial. Uma mesada de mãe para
filha.
O programa de governo de Marina inclui pontos de extrema importância
para os negócios da família Setubal, nós sabemos: desde a autonomia do
Banco Central, que a própria candidata condenara meses antes, o fim dos
créditos direcionados, a redução de impostos do sistema financeiro, e
assim por diante. Não estamos falando de um negócio aqui, outro ali. Não
é um caso Labogen, laboratório no qual Yousseff tinha interesses, sem
que se tenha demonstrado que André Vargas tenha feito qualquer esforço
suspeito para lhe prestar auxílio.
Estamos falando de mudar o rumo de um país, a sétima economia do mundo,
com um PIB de R$ 4,8 trilhões, alterando suas prioridades para a
distribuição de renda, o mercado interno.
Você pode achar errado usar palavras feias, como “apadrinhamento, uso político” para falar a respeito dessa mudança.
Mas sabemos muito bem do que se trata, não é mesmo?
(Se você gostou do título, saiba de uma coisa: não passa de uma versão
do célebre título de Janio de Freitas na cobertura da AP 470, o mensalão
PSDB-MG e do esquema de Marcos Valério-Delúbio: “2 pesos, dois
mensalões”)
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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