Faltam 32 dias para o primeiro turno. Até lá, estão marcados mais dois
debates. Na Record, 28 de setembro. Na Globo, 3 de outubro.
A movimentação de uma parte de aliados de Aécio Neves a favor da
desistência da candidatura própria e do voto útil em Marina Silva apenas
confirma aquilo que os leitores deste espaço sempre souberam.
As candidaturas do PSDB e do PSB jamais possuíram diferenças fundamentais de programa nem de visão de mundo.
A ideia, através do sacrifício de Aécio, é garantir a derrota de Dilma
Rousseff de qualquer maneira, impedir que o eleitor tenha condições de
realizar uma reflexão madura sobre as propostas da campanha e realizar
uma escolha a partir de informações consistentes e análises racionais.
Do ponto de vista de Aécio e do PSDB, a dúvida é o preço a pagar. Ao
curvar-se para a caravana de Marina passar, o PSDB estará fazendo um
movimento de autodestruição de sua representação polítíca, processo que,
pela dimensão do partido, irá comprometer o futuro de uma bancada com
12 senadores e 53 deputados federais, 8 governadores e 700 prefeitos,
além de contaminar os fundamentos do regime democrático.
Em 1960, uma atitude semelhante por parte da UDN levou à adesão a Jânio
Quadros e preparou o terreno para o golpe de 1964. Em 1989, a mesma
atitude levou a posse de Fernando Collor, ao impeachment e a uma crise
política que atravessou uma decada. Nos dois casos, o debate envolvia
uma escolha principal, um debate periódico entre as elites brasileiras, o
mesmo que se coloca agora.
A pergunta era e é: para derrotar um adversário que não se consegue
vencer nas urnas — os herdeiros de JK-Jango, em 1960, Lula-Brizola, em
1989 — é razoável optar pela aventura de alto risco, pelo caminho
irresponsável?
Vamos combinar que a eleição de 2014 apresenta uma peculiaridade. No
início de agosto, quando a campanha se desenvolvia sob condições que se
poderia chamar de normais, a candidatura de Aécio encontrava-se em 20%.
Eduardo Campos não subia além de 10%. Os números apontavam para uma
provável vitória de Dilma, autorizando especulações em torno de uma
eventual vitória em 1º turno. A oposição estava desenganada. Salvou-se
por um triz, num acidente, extrapolítico e extraeleitoral: a queda do
Cessna.
A entrada de Marina Silva mudou a eleição, sabemos todos. Criou um
ambiente de avessos ideológicos semelhantes àqueles que permitiram, em
1989, na vitória de Collor, a “falsificação da ira,” como definiu na
época o professor Francisco de Oliveira. O mesmo ocorreu em 1960, quando
até uma fatia do PCB rompeu com as candidaturas progressistas para
aderir a Jânio, o candidato que comia sanduiche de mortadela em comícios
para fingir que era pobre. Em 1985, na primeira eleição direta para
prefeitos de capital, fez-se uma aposta semelhante. A avenida Paulista,
Higienópolis e os Jardins se uniram contra Fernando Henrique e contra
Eduardo Suplicy — não havia eleição em dois turnos na época — para
ressuscitar Jânio. Após desinfetar a cadeira no dia da vitória, tomou
posse usando barba de Abraham Lincoln — era a farsa da farsa, agora como
comédia.
Se a democracia se exerce através de partidos, e não a partir de
indivíduos providenciais, não custa lembrar o retrospecto preocupante de
Marina Silva. Entre 2008 e 2014 ela esteve filiada a quatro partidos,
incluindo a Rede, que não conseguiu legalizar. Um recorde de
instabilidade. Sobreviveu recebendo o equivalente a R$ 50 000 por
palestras para clientes cujo nome não revela por exigência de seus
clientes — numa subordinação estranha para quem frequenta círculos tão
apegados à cultura anglo-saxã, na qual um comportamento desse tipo pode
impedir a nomeação até de uma secretaria de Estado, quanto mais
comprometer uma candidatura presidencial.
Personalidades que nunca foram testadas nas urnas pontificam sobre
economia, sobre os rumos do país, sobre a ideologia de Luiz Inácio Lula
da Sivla — e, claro, sobre a autonomia do Banco Central.
O alvo do esfacelamento democrático, da representação organizada de
interesses, é questionar a soberania do país e é por isso que ela ataca a
Petrobrás, o Pré-Sal e todo esforço para proteger o potencial energia
do Brasil. Também questiona o programa de usinas nucleares, presente no
cotidiano de todo país que não quer perder contato com seu futuro. O
argumento ecológico tem um horizonte que vai muito além de questões
relativas ao meio ambiente. É a porta aberta para uma política de
subordinação externa, como se vê neste estranho mundo do século XXI, com
países em ruína, estados em destruição. “A questão do Estado-Nação
ficou ultrapassada,” argumenta André Lara Rezende, um dos gurus de
Marina.
Dá para entender por que se deve discutir o que move a campanha de Marina Silva, certo?
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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