Por Leandro Fortes
Na CartaCapital dessa semana há uma história dentro de uma
história. A história da capa é o desfecho de uma tragédia jornalística
anunciada desde que a Editora Abril decidiu, após a eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva, em 2002, que a revista Veja seria
transformada num panfleto ideológico da extrema-direita brasileira.
Abandonado o jornalismo, sobreveio a dedicação quase que exclusiva ao
banditismo e ao exercício semanal de desonestidade intelectual. O
resultado é o que se lê, agora, em CartaCapital: Veja
era um dos pilares do esquema criminoso de Carlinhos Cachoeira. O outro
era o ex-senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Sem a semanal da
Abril, não haveria Cachoeira. Sem Cachoeira, não haveria essa formidável
máquina de assassinar reputações recheada de publicidade, inclusive
oficial.
A outra história é a de um jornalista, Policarpo Jr., que abandonou
uma carreira de bom repórter para se subordinar ao que talvez tenha
imaginado ser uma carreira brilhante na empresa onde foi praticamente
criado. Ao se subordinar a Carlinhos Cachoeira, muitas vezes de forma
incompreensível para um profissional de larga experiência, Policarpo
criou na sucursal da Veja, em Brasília, um núcleo experimental
do que pior se pode fazer no jornalismo. Em certo momento, instigou um
jovem repórter, um garoto de apenas 23 anos, a invadir o quarto do
ex-ministro José Dirceu, no Hotel Nahoum, na capital federal [aqui]. Esse ato
de irresponsabilidade e vandalismo, ainda obscuro no campo das
intenções, foi a primeira exalação de mau cheiro desse esgoto
transformado em rotina, perceptível até mesmo para quem, em nome das
próprias convicções políticas, mantém-se fiel à Veja, como quem se agarra a um tronco podre na esperança de não naufragar.
A compilação e análise dos dados produzidos pela Polícia Federal em
duas operações – Vegas, em 2009, e Monte Carlos, em 2012 – demonstram,
agora, a seriedade dessa autodesconstrução midiática centrada na Veja, mas seguida em muitos níveis pelo resto da chamada “grande” imprensa brasileira, notadamente as Organizações Globo, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo
e alguns substratos regionais de menor monta. Ao se colocar,
veladamente, como grupo de ação partidária de oposição, esse setor da
mídia contaminou a própria estrutura de produção de notícias, gerou uma
miríade de colunistas-papagaios, a repetir as frases que lhes são
sopradas dos aquários das redações, e talvez tenha provocado um dano
geracional de longo prazo, a consequência mais triste: o péssimo exemplo
aos novos repórteres de que jornalismo é um vale tudo, a arte da
bajulação calculada, um ofício servil e de remuneração vinculada aos
interesses do patrão.
A Operação Vegas, vale lembrar, foi escondida pelo procurador-geral
da República Roberto Gurgel, este mesmo que por ora acusa mensaleiros no
STF com base em uma denúncia basicamente moldada sobre os clichês da
mídia, em especial, desta Veja sobre a qual sabemos, agora, que
tipo de fontes frequentava. Na Vegas, a PF havia detecdado não somente a
participação de Demóstenes Torres na quadrilha, mas também de Policarpo
Jr. e da Veja. Essa informação abre uma nova perspectiva a ser explorada pela CPI do Cachoeira, resta saber se vai haver coragem para tal.
Há três meses, representantes das Organizações Globo e da Editora
Abril fecharam um sórdido armistício com Michel Temer, vice-presidente
da República e cacique-mor do PMDB. Pelo acordo, o noticiário daria um
descanso para Dilma Rousseff em troca de jamais, em hipótese alguma, a
CPI do Cachoeira convocar Policarpo Jr., ou gente maior, como Roberto
Civita, dono da Abril. A fachada para essa negociata foi, como de
costume, as bandeiras das liberdades de imprensa e de expressão, dois
conceitos deliberadamente manipulados pela mídia para que não se
compreenda nem um nem outro.
No dia 14 de agosto, terça-feira que vem, o deputado Dr. Rosinha irá
ao plenário da CPI apresentar um requerimento de convocação do
jornalista Policarpo Jr.. É possível, no mundo irrreal criado pela mídia
e onde vivem nossos piores parlamentares, que o requerimento caia,
justamente por conta do bloqueio do PMDB e dos votos dessa oposição
undenista sem qualquer compromisso com a moral nem o interesse público.
Será uma chance de ouro de todos nós percebermos, enfim, quem é quem naquela comissão.
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