Apoio da Globo em 64 foi comércio, não ideologia
Em 1964, quando João Goulart foi deposto pelos militares, a Globo
noticiou o golpe que lançou o Brasil nas trevas como a restauração da
democracia; quase 50 anos depois, os Marinho pedem desculpas, como se
aquele tivesse sido um erro meramente editorial; na verdade, foi uma
aposta comercial, que permitiu à Globo se transformar num dos maiores
grupos de mídia do mundo, mesmo passando por cima da lei, como no acordo
Time-Life; hoje, cada um dos irmãos Marinho possui uma fortuna estimada
em mais de US$ 7 bilhões; o arrependimento pode até fazer bem à alma,
mas o certo seria devolver à sociedade todos os benefícios gerados pela
relação promíscua com os militares.
Brasil 247
- O fato político mais importante deste fim de semana, sem dúvida, foi o
histórico mea culpa das Organizações Globo, em relação ao regime
militar de 1964. Em editorial do jornal O Globo, publicado no sábado, a
família Marinho reconheceu como erro seu apoio à ditadura que mergulhou o
Brasil nas trevas, um dia depois de a emissora ter sido alvo de um
inusitado protesto, quando integrantes do grupo Black Blocs jogaram
esterco na sede da emissora em São Paulo.
No texto do Globo, no entanto, a empresa da família Marinho aponta o
apoio ao golpe – noticiado pelo Globo, em 1964, como a restauração da
democracia – como um "erro editorial". Uma questão de ideologia, talvez.
Na verdade, essa é uma desculpa canhestra. A adesão de Roberto Marinho
aos militares foi, antes de tudo, uma opção comercial, que permitiu à
Globo se transformar num dos mais poderosos grupos de de mídia do mundo –
hoje, seus três filhos (Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto)
têm fortunas estimadas em US$ 7 bilhões para cada um deles.
Chegar até lá envolveu competência, qualificação técnica, mas também uma
série de privilégios, como no polêmico acordo da Globo com a Time-Life,
que deu ao empresário Roberto Marinho condições de lançar sua
televisão, que tomou o lugar da Tupi e ajudou a afundar o império de
Assis Chateaubriand.
Abaixo, um resumo do que foi o acordo Globo-Time-Life, segundo o Museu da Corrupção:
A inauguração da TV Globo ocorreu em 26 de abril de 1965. Dois meses
depois, Carlos Lacerda denunciou como ilegais as relações da emissora
com o grupo norte-americano Time-Life.Três anos antes, um acordo
polêmico assinado entre Time-Life e as Organizações Globo, permitiu à
empresa brasileiro acesso a um capital em torno de 6 milhões de dólares,
o que lhe garantiu recursos para comprar equipamentos e montar sua
infra-estrutura. Em troca, o Time-Life teria participação em 30% de
todos os lucros aferidos pelo funcionamento da TV Globo. O acordo foi
considerado ilegal, pois a Constituição Brasileira naquela época proibia
que qualquer pessoa ou empresa estrangeira possuísse participação em
uma empresa brasileira de comunicação.
A questão foi levada ao conhecimento do Contel (Conselho Nacional de
Telecomunicações), que em junho de 1965 abriu um processo para
investigar o caso. Paralelamente, em outubro do mesmo ano, o deputado
Eurico de Oliveira apresentou um requerimento à Câmara pedindo a
instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
No dia 20 de abril de 1966, o presidente da empresa, Roberto Marinho
depôs e explicou aos congressistas que dois contratos haviam sido
firmados com o Time-Life, um contrato de assistência técnica e uma conta
de participação. Como uma tentativa de legalizar o acordo,
mencionava-se claramente nos termos deste acordo que a Time-Life ou Time
Inc. não tinha o direito de participar ou de interferir na
administração da Globo.
Na prática, Time-Life possuía grande influência dentro da Globo: Joseph
Wallach, o ex-diretor da Time-Life na Califórnia, se tornou de fato um
diretor executivo dentro da Globo.
Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito terminaram em setembro
de 1966, com um parecer desfavorável à Globo. Os parlamentares
consideraram que os contratos firmados com o Time-Life feriam a
Constituição, alegando que a empresa norte-americana estaria
participando da orientação intelectual e administrativa da emissora.
Em fevereiro de 1967, o governo federal mudou a legislação sobre
concessões de telecomunicações, criando efetivas restrições aos
empréstimos de origem externa e à contratação de assistência técnica do
exterior. Contudo, tratava-se de um dispositivo legal sem efeito
retroativo, e os contratos do Time-Life com a TV Globo eram de 1962 e
1965.
Em outubro de 1967, o consultor-geral da República Adroaldo Mesquita da
Costa emitiu um parecer sobre o caso Globo/Time-Life. Ele considerou que
não havia uma sociedade entre as duas empresas e assim a situação da TV
Globo ficou oficialmente legalizada.
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