Tão logo a revista Época chegou às bancas, a reação dos administradores da página oficial do Black Bloc SP foi rápida:
“Uma pergunta simples: Quem diabos é Leonardo Morelli? Chega a ser
cômico e até mesmo causar ânsia de vômito uma reportagem dessas.
Qualquer ser evoluído que possua um polegar opositor e uma massa
encefálica com capacidade mínima de raciocínio chegaria a conclusão de
que é uma das mais profundas idiotices alguém se expor assim (…) Globo
fazendo globisse.”
Na Black Bloc RJ, o mesmo tom mareado:
“Mais essa agora…Quando terminei de ler essa ‘reporcagem’, me deu um
embrulho no estômago (…) Vamos lá, esse tal de Morelli dizendo que
financia ‘O Black Bloc’ com esse dinheiro todo (…) Vão procurar saber
mais sobre o Morelli, pesquisem sobre ele, verão como o cara é
fanfarrão… E nem precisa ser adepto da tática pra saber que uma pessoa
que está nas ruas lutando por direitos e melhorias, não daria entrevista
para uma bosta de revista como a Época, né?”
E quem é Leonardo Morelli?
53 anos, aposentado, coordena a ONG Defensoria Social, criada em 2004
como resultado da Campanha da Fraternidade (CNBB) e que prega o modelo
da Justiça Ativa no país. “Um colegiado de instituições que atua na
defesa ATIVA da sociedade em prol da PAZ & SUSTENTABILIDADE,
visando a prevenção à práticas empresariais que resultam em danos
sociais, ambientais e à saúde pública de populações, culturas e biomas
naturais ameaçados”, é o que consta em sua apresentação. Com efeito, o
discurso ecológico-políticamente-correto colabora para a arrecadação de
dinheiro, chegando a 100 mil euros só neste ano segundo relata o
próprio Morelli. O que as as empresas, institutos e associações que
praticam os repasses deveriam ter atentado era para a tal justiça ativa
que se opõe à paz. A admissão pública de investimento dos recursos em
treinamentos de ativistas mascarados certamente dificultará os aportes
daqui pra frente. Pelo menos os oficiais.
O gesto de Morelli caiu como um coquetel molotov entre os Black Blocs.
“Recebemos dinheiro? Então cadê o meu?” foi o comentário mais comum
entre os adeptos da chamada tática.
“Estamos de olho no Morelli faz tempo. Está tentando assumir os Black
Blocs não é de hoje. Mas agora a questão do dinheiro ficou feio.
Abrimos mão de vida pessoal, ganhamos hematomas da PM e vem uma pessoa
que se diz da ‘luta’, com uma merda de matéria dessa”, diz S. Fawkes.
M. Flag endossa: “Qualquer um que se manifesta em nome dos Black Blocs
já está errado, não há porta vozes. O fato dele juntar e treinar
táticas e se dizer financiador também está errado. E se a intenção dele
era levar uma mídia fajuta, tá errado de novo!”
A busca pela liderança feita por Morelli é ponto sensível entre BBs. No
dia 7 de setembro, empunhou um microfone e tentou protagonizar a
festa. Ali, no vão do Masp, fez a convocação para o 15 novembro: “Vamos
programar um dia de fúria. Será um dia de ataque a empresas. Vamos
provocar danos materiais. Não será um dia pacífico. Alston e Siemens
estão na mira. Perto do que roubaram no metrô, o que custa uma vidraça?
É incitação à violência, sim”.
Desde então a data é aguardada com ansiosidade. E por que então
Leonardo Morelli abriu as portas para um veículo da editora Globo há
menos de duas semanas para o ato?
“Ele quer sabotar, distorcer e foder com os mais ativos da prática.
Está cooptando meninos jovens que estão praticando BB nas ruas,
oferecendo dinheiro. O que você acha de centenas de meninos na rua e
ele jogar dinamites no colo deles? Esse cara tem as costas quentes, está
convocando e se expondo desse jeito e não é intimado sequer? É
traídor, é acusado de infiltrar e boicotar movimentos libertários desde
os anos 80”, relata Libertine, ativista com atuações no Rio e em SP.
Libertine não está usando figura de linguagem. Ela se refere à
apreensão das 119 bananas de dinamite ocorrida em Guarulhos no final do
mês passado, que Morelli apressou-se em assumir como de propriedade do
grupo Ação Direta, do qual se disse líder e porta-voz. Afirmou ser
munição para o “Dia de Fúria”.
A fama de “traidor de movimentos” de que fala Libertine é confirmada
pelo Coletivo Libertário, órgão de divulgação do anarquismo, que o
classifica como “traíra” do Movimento Libertário Brasileiro nos anos 80
e 90, com suas práticas de arrecadação de fundos e de levar
“convidados” desconhecidos dos demais membros.
![]() |
Morelli
|
Após a chegada de Época nas bancas e sob a enxurrada de protestos,
Morelli apressou-se na explicação. “Excluindo-se os aspectos
sensacionalistas da matéria (?), seu conteúdo é íntegro (?) e reflete
exatamente as condições impostas por nós para que um jornalista de um
grande veículo de mídia tivesse acesso ao que não permitimos a qualquer
interessado com a intenção de desmistificar uma das acusações do
governo e das elites de que escondemos a cara porque seríamos
criminosos ou estaríamos associados a coisas ilegais. A matéria é
assinada por Leonel Rocha, meu amigo pessoal há mais de 10 anos e cujo
brio profissional é amplamente respeitado como um dos mais sérios
jornalistas investigativos deste país (…) Não é novidade para ninguém
que está em curso uma contumaz campanha de criminalização de
manifestantes e ativistas das causas sociais desde que o processo
crescente de manifestações perdeu o controle, antes consolidado com
grupos que tem identificação com partidos políticos, como PSOL, o que
se aplica ao MPL, cujos principais expoentes – temendo a radicalização
que cresce – firmaram acordo com a presidente Dilma Roussef de que
acalmariam as massas, anunciando o fim das manifestações logo após
terem sido recebidos – em junho – nas suntuosas dependências palacianas
de Brasília.” Mais adiante, Morelli dá mostras de suas variações sobre
o tema: “Na mesma edição (da revista Época), uma matéria especial na
editoria TEMPO – CENAS BRASILEIRAS entitulada (sic) “TODOS CONTRA A
VIOLÊNCIA” é um LIBELO contra a fúria que cresce na população que
instintivamente começa a adotar nuances da tática BLACK BLOC…” Hein?
Libelo contra a fúria?
A milésima tentativa de publicar-se algo na linha “quem são, o que
pensam e o que querem os Black Blocs” não é difícil de compreender e
muito menos de desbaratar. Não é preciso ser gênio nem mesmo estar nas
ruas para saber da aversão dos ativistas pela “mídia corporativista”. A
revista Veja já havia forjado uma entrevista com uma integrante do
Ocupa Cabral, desmentida em viva voz de bate-pronto.
Em oposição à Veja, Época não inventou nada, porém retratou um falso
líder com pinta de maluco. Acreditar no tal Morelli, que diz que “os
blockers precisam de visibilidade”? Se precisassem de visibilidade não
esconderiam o rosto. Com as polícias e poder judiciário famintos por
encontrar associações que legitimem formação de quadrilha, quem diabos
admitiria a posse de 119 bananas de dinamite?
A intenção da revista é evidente. Ridicularizar os mascarados, tocar o
terror na classe média, fomentar a conspiração de auxílio internacional
na desestabilização do país (com 100 mil euros?), criar uma nova Emma
na capa, enfim, vender.
Já a intenção de Leonardo Morelli é uma grande interrogação. Com sua
lista de reivindicações que vai da redução do buraco na cama da de
ozônio às renúncias de Geraldo Alckmin e Sergio Cabral, tudo o que
conseguiu foi a fúria dos mascarados contra si próprio.
Independentemente de ter cancelado o ato em sua página oficial, os
black blocs informam que o dia de fúria está mantido. “Nossa luta é
pela derrubada de líderes débeis”, disse Veronica Voluier.
Mauro Donato
No DCM
Um comentário:
As manifestações começaram bem, mas no final perderam o foco.
Postar um comentário