segunda-feira, 12 de maio de 2014

Fernando Lugo diz que novos golpes na América Latina virão da mídia e de grandes empresas


 

Sul 21 - Data:11/mai/2014, 18h01min 

 

Vanessa Martina Silva, do Opera Mundi

“Possivelmente, os novos golpes na América Latina não vão sair dos quartéis militares, mas das multinacionais e dos meios de comunicação.” A opinião é de Fernando Lugo, senador paraguaio e presidente deposto por um golpe parlamentar em junho de 2012.

Em evento organizado na Grande São Paulo nesta sexta-feira (09/05) para discutir o processo histórico e político que permeou golpes militares no cone sul e o funcionamento da Operação Condor no contexto das ditaduras, o político paraguaio afirma que o manual da derrubada de governos democráticos hoje é outro: tem traços muito mais civis do que essencialmente militares.

“Os processos políticos na Bolívia, na Venezuela e no Equador indicam a superação neoliberal, mas temos o desafio de evitar o que ocorreu de maneira grosseira em Honduras”, disse referindo-se ao golpe de junho de 2009 que acabou derrubando o presidente Manuel Zelaya.

“No Paraguai, quem ganhou com o golpe? Os plantadores de soja, o agronegócio. No país, há uma classe que sempre teve os grandes negócios do Estado e tem medo de perder seus privilégios. Mas o povo originário, os camponeses continuam sem terras. Somente nesta transição morreram 138 camponeses no Paraguai”, afirmou, ao citar a multinacional Monsanto como responsável por financiar o golpe paraguaio.

Internacionalização da direita

O teatro projetado pelo arquiteto modernista Rino Levi, na Praça do 4º Centenário em Santo André, ficou lotado de jovens nesta sexta-feira (09/05), em sua maioria universitários, interessados em conhecer melhor o histórico de derrubada de governos democráticos no continente e a cooperação do aparelho de repressão de Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai via Operação Condor.

O evento “Ditaduras no Cone Sul 50 anos Depois”, realizado pelas prefeituras de Santo André e São Bernardo do Campo, teve início ontem e seguirá até domingo (11/05) abordando temas como a integração das Forças Armadas no contexto da Operação Condor; Copa do Mundo e os governos ditatoriais; o papel dos Estados Unidos nos golpes militares na região; repressão a artistas e manifestações culturais; a censura da mídia e o papel da Igreja Católica no período. A transmissão pode ser acompanhada ao vivo aqui.

A partir das discussões, será criado o Observatório da Democratização no Cone Sul. As exposições do seminário internacional deverão se tornar um livro com 200 páginas, que será entregue aos participantes e a escolas da região.

Além de Fernando Lugo, o painel de ontem debateu a “Luta de Resistência e a Democratização dos Países do Cone Sul” e teve entre seus expositores o filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente Goulart, o sobrinho do ex-presidente chileno Salvador Allende, Andre Pascal Allende, e a ex-guerrilheira do Araguaia Crimeia de Almeida.

“O objetivo do Plano Condor foi impedir toda mudança social e democrática na América do Sul e liquidar todos os movimentos progressistas em nossas mãos”, afirmou Lugo após fazer um apanhado histórico das ditaduras na região e particularmente no Paraguai, onde o ditador Alfredo Stroessner governou de 1954 a 1989, perseguindo os movimentos de resistência no país e dando as bases para o desenvolvimento de um Estado neoliberal.

Ao mesmo tempo em que hoje há um movimento favorável à integração sul-americana com a criação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), do Banco do Sul e do fortalecimento do Mercosul, há, na opinião do ex-presidente, uma “internacionalização da direita e da extrema direita” no subcontinente e “o desafio dos governos progressistas é conter as forças fascistas que estão se alinhando”.

Verdadeira democratização

Com sete meses de gravidez, Criméia de Almeida foi sequestrada e torturada por altos comandantes do Exército brasileiro por ter participado da Guerrilha do Araguaia entre 1968 e 1972. Ao sair da prisão, após nunca ter sido julgada, iniciou uma luta pela anistia ampla, geral e irrestrita e pelo direito de conhecer o que aconteceu com as 475 pessoas que morreram ou desapareceram durante a ditadura militar.

Mas, apesar da sentença proferida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010 determinou que não existe autoanistia, que os militares não estão isentos das mortes e desaparecimentos no país e que os responsáveis devem ser julgados e punidos, nada foi feito no Brasil. Na avaliação de Criméia, apesar de a instauração da Comissão da Verdade no país ser um avanço, ela caminha lentamente e com pouca transparência.

Andrés Pascal Allende, sobrinho do ex-presidente Salvador Allende completou o balanço da herança da ditadura nos tempos atuais ao mencionar que no Chile, a Constituição vigente é a que foi feita pelo ditador Augusto Pinochet e questionou: “o que está sendo feito para impedir que ocorram novos golpes na América do Sul?”.

“Na verdade, as escolas militares seguem ensinando as mesmas doutrinas de 30 anos atrás. No Chile, os militares são obrigados a estudar a tese de geopolítica de Pinochet, então que mudanças tivemos nas Forças Armadas?” Em sua visão, a região ainda corre o risco de vivenciar situações similares à dos anos 1960-70, “basta ver o manual que está sendo implementado na Venezuela com as agitações nas ruas e o que ocorreu com o Paraguai”, afirmou.

Diante deste quadro, se as Forças Armadas “não abrirem as portas para a participação cidadã, não eliminar seu caráter classista e não reduzir os gastos com defesa, estaremos diante do perigo de novos golpes militares na América Latina”. Allende conclui que para fazer estas mudanças no interior das Forças Armadas, “não podemos estar sozinhos, por isso é fundamental que tenhamos unidade entre os latino-americanos”.
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