Acreditar em Deus é uma coisa. Ser fundamentalista é outra. Equacionar coisas tão distintas ou é profunda ignorância, ou é má-fé
Em artigo publicado nesta Folha, revelo minha preocupação em ter como
presidente da República Marina Silva, uma missionária de igreja
pentecostal que, consequentemente, é fundamentalista (e criacionista)
cristã. Um maremoto adveio. Mais de 50 blogs reproduziram o texto. Pelo
menos quatro colunistas deste jornal o comentaram, além de um artigo
publicado como direito de resposta nesta seção.
Milhares de comentários surgiram na internet. Até um desses partidos de
aluguel, caudatário do PSB, me agrediu. Ora, se o que foi dito em meu
artigo fosse algum absurdo ou irrelevante, ninguém lhe teria dado
atenção. Parece que, como escreveu Hélio Schwartsman, botei o dedo na
ferida.
No que segue, respondo aos principais argumentos dos marinistas.
Comecemos pela primeira dessas manifestações. Aparentemente falando em
nome do comitê de campanha de Marina Silva, Edson Barbosa entrega a
candidata. Se a finalidade do artigo era convencer o leitor de que
Marina não é criacionista, então falhou. Ele afirma que "Marina não está
entre aqueles que acreditam que os seres vivos vieram de uma ameba, de
uma gosma, de uma seleção natural". Pois não é por aí que começa o
criacionismo?
Em seguida, vêm aqueles que procuram confundir o leitor com um sofisma
elementar equacionando a crença em um Deus com o fundamentalismo. O
pedante e ávido candidato a ministro de qualquer coisa e colunista desta
Folha Eduardo Giannetti conclui sua diatribe com um exemplo de três
cientistas que acreditavam em Deus.
Mais uma vez, a falácia. Acreditar em Deus é uma coisa, ser
criacionista, fundamentalista, é outra. Equacionar coisas tão distintas
ou é ignorância, ou é má-fé. Aliás, parece que o colunista não tem a
mínima percepção da história do pensamento. Newton viveu na primeira
metade do século 17 e começo do 18. O próprio Darwin, tendo vivido no
século 19, não foi exposto à montanha de dados, acumulados
principalmente no século 20, que comprovam inequivocamente a evolução, a
própria teoria de Darwin.
Como descobriu o marinista que Einstein era deísta? Einstein disse uma
vez que não acreditava que Deus jogasse dados. Uma metáfora contra a
interpretação prevalecente à época e ainda hoje de que a variável
fundamental da mecânica quântica expressaria uma probabilidade, e não
uma certeza.
Não conheço nenhum testemunho de que Einstein acreditasse em Deus. Cerca
de 30% dos físicos americanos dizem que acreditam em Deus, mas não
conheço nenhum que seja fundamentalista.
A mais fantástica das interpretações de meu texto vem da extrema
direita. Demétrio Magnoli inventa uma definição de fundamentalismo que
não é senão uma consequência extrema do caso do fundamentalismo
islâmico. Tudo para concluir que ele próprio, narcisista e pretensioso, é
agnóstico. Quem se interessaria? Agnóstico é aquele que fica em cima do
muro. Já foi moda.
Para não perder a oportunidade, os professores da Unicamp Alcir Pécora e
Francisco Foot Hardman (0,1% do corpo docente da universidade),
legítimos representantes da mediocridade que se instalou na Unicamp,
concluem que minhas desconfianças em relação à maturidade de Marina
Silva dão "ao racismo uma máscara pseudocientífica". Repetem o besteirol
fascistoide de Demétrio Magnoli. Que falta de imaginação! Que vergonha
para a Unicamp!
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 83, físico, é professor
emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da
Folha
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