O Globo divulgou agora à tarde um comunicado, em que reconhece que seu apoio ao Golpe de 64 foi um erro.
“Desde
as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a
Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também
de fato, de uma verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.”
Não
foi um erro, foi um crime e deste crime as Organizações Globo
beneficiaram-se lautamente, ao ponto de fazer com que a fortuna dos três
herdeiros do capo Roberto Marinho constitua-se na maior do Brasil e uma das maiores do mundo.
Nenhum militar dos que tenham feito e servido à ditadura tem sequer um milésimo dos que o regime deu aos Marinho.
Portanto, começemos assim, chamando as coisas pelo que elas são. Não erro, não “equívoco”.
Crime.
Contra a democracia, contra o voto popular, contra a vida de milhares
de cidadãos mortos pela ditadura que a Globo ajudou a fazer e a
sustentar, e ganhando muito, muito, muitíssimo dinheiro com isso.
Esse dinheiro, certamente, a Globo não considera um “erro”, pois não.
Pois
seu império nasceu ali, junto com a ditadura, com um negócio ilegal
que o regime ditatorial tolerou e acobertou: a associação com o grupo
Time e as fartas verbas que os EUA destinavam a evitar o “perigo
comunista”, colocando a nascente e poderosa mídia, a televisão, nas mãos
amigas de “gente confiável”.
A
Globo usou esse poder. Em condições ilegais perante o Código Brasileiro
de Telecomunicações que proibia a concentração de emissoras em todo o
país nas mãos de um só grupo empresarial, comprou televisões em todo o
Brasil, dissimulando-as na condição de “afiliadas”, quando são
verdadeiras sucursais do grupo, presas inteiramente a seu comando e
estratégia de negócios.
Para isso, lambeu as botas da ditadura e serviu-lhe de instrumento despudorado de propaganda.
O
que seu editorial de hoje diz, ao procurar desvincular-se do horror da
tortura e da morte, ao falar de como Roberto Marinho protegia “seus
comunistas” é de uma indignidade sem par. Ou vamos entender que aquele
que não era seu empregado poderia bem morrer sob seu silêncio, ou vamos
entender que aqueles profissionais, que trabalhavam e contribuíam para o
sucesso da empresa, merecem ser exibidos como “gatinhos de estimação”,
gordos e protegidos, e “livres da carrocinha” que laçava outros pelas
ruas deste país.
A Globo nunca
teve vergonha de, nas palavras de seu Füher, “usar o poder” de que
dispunha em benefìcio dos políticos e governantes de sua predileção,
durante e depois do período militar.
Patrocinou
a Proconsult contra Brizola. Manipulou o debate de 89 em favor de
Collor e contra Lula. Apoiou desavergonhadamente a eleição de Fernando
Henrique Cardoso, encobrindo-lhe a escapada conjugal desastrada,
somando-se à manipulação eleitoral da nova moeda, promovendo a
dilapidação das empresas pertencentes ao povo brasileiro e apoiando e
dando legitimidade à vergonhosa corrupção que envolveu a aprovação da
proposta de reeleição em causa própria.
Quem quiser provas disso, leia O Príncipe da Privataria, que chegou este final de semana às livrarias.
A
autocrítica, que nos homens de bem é uma virtude e um momento a ser
louvado, na Globo é apenas o que ela é: interesse em dinheiro
transformado em sabujice.
Percebeu
que o projeto Lula-Dilma não pode ser derrotado, malgrado todas as
suas tentativas, e lança estes “mea culpa” fajutos para se habilitar –
ainda mais, ainda mais! – aos dinheiros públicos do Governo, vício
incorrigível de seu ventre dilatado e enxundioso.
Tudo
na Globo é falso, como tive a honra de escrever há quase 20 anos para
Leonel Brizola em seu famoso “direito de resposta” à Globo.
Nem o coro que diz que “voltou às ruas” – ele nunca saiu! – não é esse: é “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.
Porque o povo, que não é bobo, pode perdoar aqueles que erraram e mudaram sinceramente de atitude ao perceber seu erro.
A Globo, não.
Comeu
cada côdea do rico pão que o regime lhe deu e só mudou de lado quando
as ruas, inundadas pelas “Diretas-Já” tornaram o regime uma sombra em
ruínas.
Seus jovens executivos,
que planejaram este ato de contrição fajuto, com todos as suas
melosidades e senões, são apenas pequenos maquiadores deste monstro que
acanalhou a vida brasileira e que vai ter um fim mais rápido e ruidoso
do que muitos imaginam.
Porque o povo não é bobo, sabe que a Globo é um cancro que precisa ser extirpado da vida brasileira.
E é por isso que grita o que a Globo não pode confessar:
Abaixo a Rede Globo!
PS. reproduzo, enojado, o texto editorial de O Globo.
Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro
- A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco
RIO – Desde as manifestações
de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a
ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma
verdade dura.
Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.
Não
lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de
manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda
mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e
que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De
nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e
perene apego aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a
íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a partir de hoje no
ar:
1964
“Diante
de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente
que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou
editorialmente o golpe militar de 1964.
A
lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como
refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a
intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O
Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio
da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da
população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas
em Rio, São Paulo e outras capitais.
Naqueles
instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um
outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo
apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma
“república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas.
Na
noite de 31 de março de 1964, por sinal, O GLOBO foi invadido por
fuzileiros navais comandados pelo Almirante Cândido Aragão, do
“dispositivo militar” de Jango, como se dizia na época. O jornal não
pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2, quinta-feira,
com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A decisão da
Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a Democracia”.
A
divisão ideológica do mundo na Guerra Fria, entre Leste e Oeste,
comunistas e capitalistas, se reproduzia, em maior ou menor medida, em
cada país. No Brasil, ela era aguçada e aprofundada pela radicalização
de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por
meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para
que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros.
Obteve, então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir
parcela substancial do poder do Executivo ao Congresso havia sido
condição exigida pelos militares para a posse de Jango, um dos
herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele tempo, votava-se no
vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma combinação
ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente da
UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise
institucional.
A situação
política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os
militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça
para fazer reformas de “base” “na lei ou na marra”. Os quartéis ficaram
intoxicados com a luta política, à esquerda e à direita. Veio, então, o
movimento dos sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à
frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato
reagiu.
Naquele contexto, o
golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito
tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no
Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma intervenção
passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a sua
intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder
voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num
primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.
O
desenrolar da “revolução” é conhecido. Não houve as eleições. Os
militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de
José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto
indireto, falecido antes de receber a faixa.
No
ano em que o movimento dos militares completou duas décadas, em 1984,
Roberto Marinho publicou editorial assinado na primeira página.
Trata-se de um documento revelador. Nele, ressaltava a atitude de
Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos os atos
institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e a
independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das
intervenções do regime no meio universitário.
Destacava
também os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao
justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença
de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da
democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana. E,
ainda, revelava que a relação de apoio editorial ao regime, embora
duradoura, não fora todo o tempo tranquila. Nas palavras dele: “Temos
permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando
em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria
do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se
iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência
inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas
apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos
solidários.”
Não eram
palavras vazias. Em todas as encruzilhadas institucionais por que
passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto
Marinho sempre esteve ao lado da legalidade. Cobrou de Getúlio uma
constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30, foi contra o
Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a posse
de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por
setores civis e militares.
Durante
a ditadura de 1964, sempre se posicionou com firmeza contra a
perseguição a jornalistas de esquerda: como é notório, fez questão de
abrigar muitos deles na redação do GLOBO. São muitos e conhecidos os
depoimentos que dão conta de que ele fazia questão de acompanhar
funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os pessoalmente
para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a lista dos
“comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira
desafiadora.
Ficou famosa a
sua frase ao general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do
presidente Castello Branco: “Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos
meus”. Nos vinte anos durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO,
nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares,
sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da
normalidade democrática.
Contextos
históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e
instituições, mais ainda em rupturas institucionais. A História não é
apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o
mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com
segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se
enriquece ao reconhecê-los.
Os
homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito, História, e
devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o
apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele
momento a atitude certa, visando ao bem do país.
À
luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje,
explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram
outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto
original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só
pode ser salva por si mesma.”
No Tijolaço
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