Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Se a Globo confessar todos os pecados, o confessionário ficará ocupado por muitos anos.
Mas é de uma confissão específica que vamos tratar: o apoio ao golpe de 1964. A confissão, expressa numa nota publicada ontem, teve ampla repercussão, como era de esperar.
A questão mais intrigante, para mim, é: o que a Globo pretendeu com
isso? A única hipótese lógica que encontro é que ela quis fazer uma ação
de marketing que limpe uma marca – ela própria – que, como os protestos
de agora mais uma vez mostraram, sofre uma colossal rejeição dos
brasileiros.
São remotas, remotíssimas na verdade, as chances de que isso melhore o drama da má reputação da Globo.
Primeiro porque o raciocínio usado no texto é manipulador. Palavras de
Roberto Marinho, nos vinte anos do golpe, são evocadas para afirmar uma
lorota histórica que eu imaginava que ninguém mais usaria, conhecidos os
fatos reais: a de que foi o povo que exigiu a deposição de João
Goulart.
Disse Roberto Marinho: “Os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o
marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’.
Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou
‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
Pobre povo brasileiro: além de ser objeto de uma predação econômica
selvagem que transformaria o Brasil no campeão mundial de desigualdade
social, ainda é responsabilizado por isso.
Não foi a CIA, não foi a direita, não foram generais reacionários, não
foram barões da mídia como Roberto Marinho que deram o golpe do qual
seriam grandes beneficiários. Foi o povo, vítima número 1 da quartelada.
Por esse ângulo, para voltarmos à confissão do Globo, Roberto Marinho
estava, portanto, ao lado do povo, como um Zorro ou um Robin Hood.
Nas reflexões de RM rememoradas na confissão, são destacados “os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos”.
Avanço para quem?
Para ele, certamente. Os militares lhe deram uma televisão que
transformou a Globo de dona de um jornal de segunda categoria numa
grande corporação.
Basicamente, foi uma troca: Marinho levou a tevê e, em troca, garantiu
apoio à ditadura. No livro Dossiê Geisel, escrito à base de documentos
pessoais de Geisel, essa troca aparece com clareza. Roberto Marinho não
fazia nenhuma cerimônia em pedir mais e mais favores à ditadura
lembrando o apoio que dava a ela.
Para o “povo”, o golpe foi uma tragédia econômica. Os trabalhadores
perderam direitos trabalhistas como a estabilidade, e foram proibidos –
não raro a balas — de fazer greve para se defender na relação desigual
com as empresas.
Disso resultou uma brutal concentração de renda. A fatia do bolo
nacional do povo foi minguando, enquanto homens como Roberto Marinho
acumulavam uma fortuna pessoal que os levaria, ou a seus herdeiros, às
listas de bilionários feitas pela respeitada revista americana Forbes.
A falácia empregada na época, uma criação do homem forte da economia,
Delfim Netto, era que o bolo tinha antes que crescer para depois ser
distribuído.
Impedidos de responder com greves, os trabalhadores tinham, para usar a
grande expressão de Noam Chomsky, a “liberdade de consentir” naquela
tese desonesta, cínica e responsável pela favelização do Brasil.
Se realmente quiser melhorar sua imagem, a Globo terá mais sucesso com ações concretas.
Uma delas, que poderia ser a primeira, é pagar o que deve à Receita
Federal depois de ter sido flagrada numa fraude fiscal na compra dos
direitos da Copa de 2002.
O problema é que, para isso, não bastam palavras. É preciso colocar dinheiro: 1 bilhão de reais em valores atuais.
E quem acredita que a Globo põe a mão no bolso, mesmo em situações
escandalosamente claras como aquela, acredita em tudo, como disse
Wellington.
Postado há 4 hours ago por Blog Justiceira de Esquerda
Também do Blog Justiceira de Esquerda.
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