Por Izaías Almada
Comprei o livro "O príncipe da privataria", do jornalista Palmério
Dória, ao meio dia numa livraria Saraiva. Comecei a ler por volta das
duas e meia da tarde e fui terminar às duas e meia da madrugada, após
pequenas interrupções para reflexões e dois ou três cafezinhos, além de
um vigoroso e saudável sanduíche às oito da noite.
É um daqueles livros que lemos de uma enfiada só, como "A privataria
tucana" do também jornalista Amaury Ribeiro Jr., e da mesma Geração
Editorial. Elogiar o autor e a editora pela pesquisa e a investigação
feita sobre a vida de um homem público, como o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, seria gastar linhas a mais: a obra fala por si. E fala
sobre o que se sabia mais ou menos, sobre o que se poderia desconfiar,
mas – sobretudo – põe o dedo na ferida e expulsa o pus acumulado nos
últimos anos de intensa e desavergonhada hipocrisia sobre ética e
corrupção no Brasil.
Mais do que muitos dos fatos narrados e/ou lembrados, importa ler com
atenção aquilo que o livro apresenta nas entrelinhas: o perfil e o
caráter de um intelectual e político construído à luz de uma opção
econômica e às sombras de uma definição ideológica. Em outras palavras:
como aderir sem meias tintas ao neoliberalismo econômico avassalador dos
anos 80, abrindo as porteiras do Brasil à espoliação impiedosa do
capital internacional e abraçar uma ideologia voltada a atender aos
interesses mais retrógrados e conservadores de uma elite (o leitor pode
tapar o nariz se quiser) aculturada e servil a propósitos exógenos.
Está aí o grande valor da investigação do jornalista Palmério Dória com a
ajuda do amigo e também jornalista Mylton Severiano: demonstrar a
trajetória de uma personalidade inequivocamente submissa aos padrões e
patrões que gerem seus negócios fora do Brasil, numa incansável batalha
para vender um país com a porteira fechada. Bem como apontar a
arrogância de quem, supondo-se extremamente inteligente, um intelectual à
altura daquilo que sobrou dos restolhos de uma Revolução Francesa em
termos republicanos, mas que conseguiu em oito anos, graças à compra de
votos para a própria reeleição, criar um país de fancaria. Uma sociedade
de renegados.
Uma leitura atenta aos capítulos 11 e 14 mostra a radiografia de um
acadêmico, integrante de uma universidade que sofreu e ainda sofre, por
parte de muitos de seus mestres, um impiedoso e rançoso ataque como
defensores da tal modernidade ou posmodernidade, seja lá o que isso
signifique em termos de desenvolvimento humano, capazes de tudo e mais
um pouco para provarem ao mundo que o marxismo e o esquerdismo da sua
juventude foram um mau passo dado na vida. “Esqueçam o que escrevi”, foi
o brado de liberdade. Brado que, curiosa e paradoxalmente, não ecoou
dentro da Academia Brasileira de Letras, que pelos vistos torna
“imortal” em literatura alguém que renega as letras que escreveu. E
nesse aspecto, sobre a obra acadêmica do personagem em questão, o
capítulo 15 é saboroso. Corrupção (i)mortal?
O contingente de hipócritas no país, se não aumentou nos últimos anos do
século XX e nos primeiros do XXI, acaba por deixar sua indelével marca
do Acre, de mister X, ao Rio Grande Do Sul de Pedro Simon e Brossard,
como bem demonstra "O príncipe da privataria", quando joga os holofotes
sobre os mecanismos de construção para se criar no Brasil uma
alternativa alongada de poder político e econômico neoliberal. No mínimo
por vinte anos, mas interrompida em parte pela eleição de um
metalúrgico nordestino e também, pela primeira vez, de uma mulher na
presidência.
São os mesmos holofotes que fazem surgir agora, aqui e ali, já às
vésperas de nova eleição presidencial, inequívocos traços de fermentação
fascista, onde os seculares complexos da casa grande colonial, sempre
submissa ao pensamento colonizador, não foram ainda superados por muitos
dos brasileiros que não conhecem bem os “senhores do norte” e menos
ainda os seus irmãos do sul.
O corredor polonês pelo qual tiveram que passar os médicos cubanos em Fortaleza é bastante emblemático...
Postado há 1 hour ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
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