Estimados leitores, eu adoro o século 21, em particular porque esse é o tempo em que a internet passou a botar pra quebrar, no mais amplo e completo sentido.
Ela passou a quebrar a forma de a gente formar opinião, se esse for o
nosso objetivo – formar opinião, quero dizer. Agora, aqui, nesse
instante, eu vou poder anexar um vídeo e todos vocês vão poder assistir e
formar a sua opinião, não pelo que vão ler escrito por mim, mas pelo
que é dito no vídeo.
Quem fala no vídeo igualmente não pode vir negar e dizer que eu isso ou
eu aquilo, ou que vocês isso ou aquilo, porque o que está dito está dito
e falado, e não há o que se dizer a respeito, uma vez que para isso
serve o vídeo.
E o vídeo mostra Marina Criacionista Silva defendendo algo descabeçado como válido, em nome da sua fé pentecostal.
Antes de mais nada, aqui vai o vídeo.
Marina é pentecostal, de uma das muitas seitas cristãs que andam por aí.
O Brasil tem na sua Constituição que todo mundo pode ter a religião que
quiser, ou nenhuma, o que me parece ótimo. O Brasil também é uma
república laica, o que significa que todo mundo pode ter a sua religião,
desde que não tente impor o que acredita aos demais não-crentes. Mais: o
Estado não pode seguir fé alguma, porque o Estado representa a todos, e
a única forma de respeitar as diferentes crenças é não permitir que
nenhuma delas possa fazer o que deseja, que é exatamente o que não
podem.
No Brasil, até hoje, nunca a religião foi um fator relevante na escolha
dos governantes porque todos eles eram agnósticos ou católicos soft, a
forma de religião que se satisfaz com alguns rituais e não está aí para
incomodar ninguém.
Marina Criacionista Silva representa uma ameaça a algo essencial, que é a
neutralidade do governante perante a religião, ou a capacidade de
mantê-la contida no seu espaço individual, e jamais permitir que a sua
eventual crença se espalhe para o espaço de responsabilidade e poder que
ele, como governante, recebe de nós.
Ao darmos o poder para um governante normal, damos a ele a permissão
para ir até ali e parar, e esses governantes o fazem porque jamais
pensaram em romper com os limites entre fé e Estado. Marina não nos
oferece essa garantia porque não pode, porque ela acredita em algo tão
fundamentalista que não consegue lidar com essa divisão essencial e que é
parte do contrato não escrito que todos assinamos, governados e
governantes, e que nos salva. O contrato diz que religião não vai ser
assunto, não vai fazer parte da pauta, e somente por isso eles podem
sentar nas cadeiras para as quais os elegemos, em especial na mais
importante de todas.
Marina Criacionista acredita no criacionismo, uma tese maluca e que diz
que o mundo foi criado como está hoje, prontinho, há uns seis mil anos.
Sim, estimados leitores, seis mil. Não seis bilhões, o que já seria uma
ofensa, mas seis mil, o que constitui um desatino.
Marina se escapa das perguntas respondendo à la Maluf, não respondendo.
Ela diz que acredita que Deus criou o universo, o que parece razoável
para um crente. Mas sabem o que ela não faz? Ela não diz quando Deus
realizou essa façanha. Se perguntarem, vão levar um susto.
Da mesma forma ela tenta escapar da questão do casamento gay, dizendo
que casamento lembra demais “votos”, algo religioso. Mas estamos falando
de casamento civil, que é simplesmente um direito constitucional, e
sim, é diferente de união. que pode ser mais complicado e oferecer
menos, quando a Constituição manda todos serem iguais diante da lei. Um
presidente pode ir contra a Constituição por conta da sua religião?
Sabem o que mais ela faz, e vocês podem ver no vídeo? Ela fala em
“evolucionismo”. Eles fazem isso, os criacionistas, tentando igualar a
crendice que defendem a uma teoria científica, a da Evolução. Incapazes
de responder a Darwin, eles tentam insinuar uma igualdade inexistente
porque um pensa, os outros não.
Marina critica os que não admitem colocar a fé na mesma ordem da ciência
e pede tolerância, tudo que a fé jamais deu a quem quer que fosse, até
ser colocada nos eixos pelo Iluminismo. Marina esquece, ou não sabe, que
ciência e fé não são, nunca serão, não podem ser a mesma coisa, sabem
por quê? Porque uma exige comprovação, a outra não. Ciência não é
opinião, não é desejo, não é preferência, não é revelação. É comprovação
objetiva, passível de medição. O que eu penso da ciência não faz a
menor diferença, eu não opto por acreditar nela ou não. Fé? Bom, ela
somente existe porque alguém resolve acreditar nela.
Pode haver duas coisas mais distintas?
Escolas não são igrejas. Escolas são locais de aquisição de
conhecimento, do que se sabe, não do que se acredita. As crianças não
têm que decidir entre seguir fé ou ciência. Na aula de religião, a
escola religiosa ensina o que quiser. Na aula de Biologia, não, não
pode, porque criacionismo não é Biologia, é fé. E é exatamente isso que
Marina acha natural, que as escolas promovam a escuridão do
desconhecimento. Uma presidente pode sequer considerar algo assim?
Ao admitir que se sequer debata, e ainda por cima se ensine algo tão
profundamente ofensivo a qualquer ser humano no século 21, Marina se
desqualifica para o que pretende fazer: ser um governante eleito de uma
república moderna e laica.
Ela pode governar o Irã, mas não o Brasil. Que assim seja, e todos seremos mais felizes, inclusive o Irã.
Fica a dica.
Marcelo Carneiro da Cunha
No Terra Magazine
2 comentários:
Meu amigo agindo assim você vai fazer a Dilma perder voto, lembre-se nem todos pensamos iguais. Abraços.
Meu nobre amigo.
Agindo assim tenha certeza que você vai contribuir para a nossa candidata Dilma perca votos, lembre-se nem todos pensamos iguais. Abraços
Postar um comentário