Valor Econômico – 15/06/2010
O implacável braço direito de José Serra
César Felício, de Manaus
Da Suframa à Fazenda paulista, Mauro Ricardo Costa bate de frente para impor mudanças, mas colhe resultados.
Durante os 15 anos em que trabalha com Serra, o atual secretário da
Fazenda sempre foi designado para funções de enfrentamento com políticos
e empresários.
Arrogante, implacável e eficiente. Essa trinca de adjetivos começou a
acompanhar o funcionário público Mauro Ricardo Machado Costa, em 1996
quando atual secretário da Fazenda de São Paulo tinha apenas 34 anos.
Nome certo para compor um eventual ministério do candidato tucano à
Presidência, José Serra, Mauro Ricardo foi deixado naquele ano no
comando da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) como uma
herança de Serra, que se desincompatibilizava do Ministério do
Planejamento para disputar (e perder) a eleição para a Prefeitura de São
Paulo, ao sucessor Antonio Kandir.
Em três anos em Manaus, descritos posteriormente por Mauro Ricardo a
interlocutores como “os piores da sua vida”, o administrador de empresas
formado pela Fundação Getúlio Vargas do Rio, viveu um atropelo atrás
do outro. Teve desentendimentos com dirigentes locais de empresas, a
mídia amazonense, o então governador Amazonino Mendes, que estava no
PFL (hoje DEM) e os trabalhadores do polo industrial.
O resultado é reconhecido por aliados e até por adversários do PSDB:
nunca mais a autarquia foi a mesma, em termos de poder e de gestão de
recursos públicos. Criada no governo Castello Branco em 1967, a Suframa
começou a fomentar a produção industrial nos anos 70 e 80, em um modelo
que previa cotas de importação, mercados protegidos e benefícios
fiscais, tanto para importações quanto para qualquer compra de insumos
fora do Amazonas. A Zona Franca tornou-se a produtora exclusiva no
Brasil de diversos produtos, de motocicletas a relógios.
O superintendente era uma referência de poder no Estado que rivalizava
com os governadores. Conta-se no Estado a polêmica entre Ruy Lins, um
superintendente no governo Figueiredo, e o então governador José
Lindoso (Arena), na década de 1980. Em uma solenidade, Lins não
concedeu a palavra ao governador, que sentiu-se ofendido e pediu a
demissão do técnico. Foi ignorado.
Com a redemocratização, a classe política local passou a controlar a
autarquia. O primeiro superintendente dessa nova fase, Roberto Cohen,
nomeado pelo então governador Gilberto Mestrinho (PMDB), foi demitido em
meio ao primeiro escândalo, chamado à época, em 1985, de “crime do
colarinho verde”. Tratava-se da manipulação do câmbio com a
comercialização clandestina de cotas de importação fictícias.
Funcionários de escalão inferior foram punidos. Em 1993, outro
escândalo, o de vendas simuladas de açúcar para o Estado, levou à
demissão do diretor de Mercadorias Nacionais e Internacionais, José
Renato Alves, à época cunhado do então prefeito de Manaus, Eduardo
Braga, hoje ex-governador e candidato a senador pelo PMDB.
Quando Serra assumiu o Ministério do Planejamento, teve que aceitar na
Suframa a permanência de Manoel Rodrigues, um superintendente de
confiança de Egberto Batista, que foi secretário do Desenvolvimento
Regional no governo Collor. Uma das prioridades de Serra no ministério
foi tentar conseguir a demissão de Rodrigues, sustentado pelo governador
Amazonino Mendes.
Mauro Ricardo, um auditor fiscal, já começava a exercer o seu papel de
interventor. Havia saído da coordenação de programação e logística da
Receita Federal em 1993 para ser secretário de administração geral do
extinto Ministério do Bem-Estar Social, no último ano do governo Itamar
Franco. Caiu nas graças de Serra ao se tornar subsecretário de
Planejamento e Orçamento do ministério em 1995.
Ao assumir o cargo, em abril de 1996 na Suframa, o fluminense de
Niterói, que jamais trabalhou em seu Estado de origem, tinha um mandato
claro: sua missão era acabar com a ingerência política na autarquia e
condicionar a aprovação de Processos Produtivos Básicos (PPBs) –
conjunto de regras que as interessadas em benefícios fiscais precisam
cumprir, comprovando a realização de uma série de etapas da produção
dentro do polo – a metas até então ausentes da Zona Franca, como o
direcionamento para exportações. Desde 1991 o superintendente perdeu o
poder sobre a concessão dos PPBs, que passou para uma comissão
interministerial, mas sempre manteve sua influência.
O corte da influência política foi radical e hoje é elogiado até por
opositores do PSDB. “Ele fez uma reforma adequada no mérito, exagerada
na forma. Puniu o justo e o pecador”, comenta Eduardo Braga. A
reestruturação levou Amazonino e seus aliados a uma grande pressão junto
ao então presidente Fernando Henrique Cardoso pela demissão de Mauro
Ricardo. Em maio de 1997 o governador estava prestes a conseguir o seu
objetivo, quando a sua citação no escândalo da venda de votos a favor da
emenda constitucional da reeleição fragilizou politicamente tanto
Amazonino quanto o governo federal.
No processo eleitoral de 1998, houve um recrudescimento da pressão. A
atuação de Mauro Ricardo tornou-se o pivô de uma divisão da base
governista. A ala de Amazonino pedia a sua substituição e os tucanos o
sustentavam. “Foi a única vez em que pensei em romper com Fernando
Henrique”, diz um de seus defensores à época, o senador Arthur Virgílio
Neto (PSDB-AM), que chegou a ser ministro da Secretaria-Geral da
Presidência na gestão de FHC.
Mauro Ricardo – o primeiro superintendente a mandar cercar a área do
distrito industrial, para impedir invasões – moveu uma ação de
reintegração de posse para expulsar ocupantes de terras vinculados a
políticos simpatizantes de Amazonino. Cortou a conversa também com o
empresariado. “Ele dizia que só recebia em sua sala representantes de
empresas que assinavam cheque”, relembra o ex-prefeito de Manaus Serafim
Corrêa (PSB), colega de Mauro Ricardo em cursos de formação de auditor
fiscal. Em outras palavras, Mauro Ricardo só conversava com diretores
das empresas do polo com efetivo poder decisório, o que excluía muitos
interlocutores.
“Ele era um homem sanguíneo, que dançava conforme a música. Se estava
tocando valsa, era valsa. Se fosse rock and roll, ele ia para o rock
and roll”, comenta o presidente do Centro da Indústria do Amazonas
(Cieam), Maurício Loureiro, citando como exemplo a negociação em torno
da cobrança de uma taxa da Suframa de 1,9% sobre o valor FOB das
importações das empresas. No meio do processo, sindicalistas promoveram o
enterro simbólico de Mauro Ricardo dentro do Distrito Industrial. O
superintendente suspeitou que o protesto contava com o apoio das
empresas e suspendeu o diálogo.
Nos seus três anos de Manaus, Mauro Ricardo teve pouco convívio social.
“Ele não frequentava restaurantes, bares e festas. E raramente
visitava”, disse Serafim, que era interlocutor do superintendente na
ocasião. Um de seus apoios era Arthur Virgílio, que lembra do empenho de
Mauro Ricardo em tocar violão entre seus raros amigos da época.
A profissionalização da Suframa foi uma das marcas deixadas pelo
gestor. “Ele nos deu segurança para trabalhar. Criou a base que foi
mantida e ampliada pelos superintendentes que o sucederam”, comenta o
atual superintendente-adjunto da Suframa, Oldemar Iank. Seus sucessores,
Antonio Sérgio Mello, Ozias Rodrigues e a atual superintendente,
Flavia Grosso, também são eminentemente técnicos.
O que não surtiu efeito foi a tentativa de converter a Zona Franca do
mercado interno para o externo. A meta de R$ 1 bilhão de exportações
prevista para 1998 só foi atingida dez anos depois. “Ninguém exporta por
decreto”, comenta Iank. O faturamento anual das empresas do polo, que
era de US$ 11,7 bilhões em 1995, caiu para US$ 7,2 bilhões em 1999, ano
em que Mauro Ricardo saiu da superintendência para assumir a
presidência da Fundação Nacional da Saúde (Funasa). Em 2009, o
faturamento foi de US$ 25,9 bilhões.
Em parte em razão do magro resultado econômico, em parte graças à
campanha movida por Amazonino, Mauro Ricardo contribuiu para cristalizar
a imagem contrária à Zona Franca de Manaus de que Serra até hoje tenta
se desvencilhar. Atual prefeito de Manaus pelo PTB, Amazonino foi
procurado pelo Valor, mas não quis conceder entrevista. Há dez anos, em
conversa com o jornal, disse o seguinte: “O Mauro não tinha uma visão
correta sobre o papel da Zona Franca, mas refletiu o pensamento do
governo federal. Quando batia de frente com o governo, em relação às
medidas econômicas que afetavam a Zona Franca, ele não sabia o que
fazer, aguardava instruções”.
Ao sair da Suframa, a autarquia havia sido transferida do Ministério do
Planejamento para o do Desenvolvimento, no segundo governo Fernando
Henrique. Mauro Ricardo assumiu a presidência da Funasa, já
completamente vinculado ao então ministro da Saúde, José Serra. O
político tucano era ministro há um ano e o ex-superintendente da Suframa
sucedeu a Januário Montone, outro homem de confiança de Serra. Não
houve na Funasa o mesmo abalo sísmico que ocorreu em Manaus.
Mauro Ricardo permaneceu em Brasília até janeiro de 2003, quando o
então governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), pediu a Serra uma
indicação para a presidência da Copasa, a estatal mineira de
saneamento. A intenção de Aécio era transformar a empresa em geradora
de caixa para o Estado e atração no mercado de capitais. Serra, que não
estava em nenhum cargo público, após a derrota na eleição presidencial
de 2002, indicou Mauro Ricardo.
Em Belo Horizonte, o ex-presidente da Funasa assustou os empregados da
Copasa com o estilo distante, a cobrança por resultados e a pouca
disposição em colher sugestões de gestão da velha guarda da empresa. A
Copasa em 2002 teve um prejuízo de R$ 89 milhões. No último ano de Mauro
Ricardo na presidência da empresa, em 2004, houve lucro de R$ 253
milhões. A receita subiu de R$ 878 milhões para R$ 1,2 bilhão entre 2002
e 2004.
Ao chegar a São Paulo em 2005, quando Serra assumiu a prefeitura da
capital do Estado, Mauro Ricardo comandou um processo traumático, ao
lado do então secretário de Planejamento, Francisco Vidal Luna, e do
secretário de Negócios Jurídicos da prefeitura, Luiz Marrey Júnior:
alegando que a prefeita anterior, Marta Suplicy (PT), havia ordenado
gastos da prefeitura sem a devida cobertura orçamentária, Mauro Ricardo
suspendeu o pagamento a prestadores de serviço e fornecedores e
estabeleceu, unilateralmente, um cronograma de sete anos para o
pagamento da dívida. Foi a vez dos paulistas perceberem a pouca
disposição de Mauro Ricardo em entrosar-se com empresários, já sentida
pelos manauaras nos anos 90.
A receita de São Paulo cresceu 41,1% em termos nominais, entre 2007 e
2009, o tempo de Mauro Ricardo à frente da Secretaria da Fazenda.
Novamente o braço direito de Serra chocou a classe empresarial ao
recusar-se a receber, várias vezes, dirigentes e empresários antes da
tomada de decisões. As mais polêmicas delas foram as substituições
tributárias para diversos produtos, um mecanismo pelo qual uma
determinada empresa ganha a incumbência de recolher o imposto de sua
cadeia de fornecedores.
Mas não se limitou a isso: estabeleceu para os setores que gozavam de
benefícios fiscais regimes especiais, que só permitem a inclusão de
empresas que não tenham débito, de nenhuma forma com o Estado. Dessa
maneira, em caso de um empresário se sentir prejudicado por uma medida e
pretender recorrer, ele perderá a sua inclusão no regime.
Limitando seus contatos com a imprensa a temas técnicos, Mauro Ricardo
destoou apenas em um episódio: quando comentou a decisão judicial que
condenou a 94 anos de prisão a empresária Eliana Tranchesi, considerada
culpada por sonegação. “Achei pouco”, disse ao jornal “Folha de S.
Paulo”, propondo a seguir, em tom de brincadeira, a pena de
crucificação para os considerados sonegadores. A declaração causa
mal-estar até hoje nos meios empresariais de São Paulo.
Abaixo, extraído do Conversa Afiada, como a Folha fala de Mauro Ricardo e a Máfia do ISS: um homem sem rosto
![folha-449x1024](http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2013/11/folha-449x1024.jpg)
* * *
MP não descarta ouvir Kassab e Mauro Ricardo sobre fraude em SP
Promotor que investiga o caso afirma
não haver indícios contra eles, mas diz que pode covocá-los, se
necessário, para esclarecer denúnciais de servidor
08 de novembro de 2013 | 15h 14
No Viomundo
SÃO PAULO – O promotor Roberto Bodini, que investiga a fraude na
arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) na Prefeitura de São Paulo,
disse na tarde desta sexta-feira, 8, que não descarta a possibilidade
de convocar o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) e seu então secretário
de Finanças, Mauro Ricardo Machado Costa. Ambos foram citados pelo
auditor fiscal preso Ronilson Bezerra Rodrigues em grampos obtidos
durante a investigação.
“Nesse momento não há nenhum indício contra o ex-prefeito e o
ex-secretário, mas no decorrer das investigações, se necessário for,
poderei ouvi-los”, disse o promotor. Outra possibilidade é o Ministério
Público (MP) interrogar o próprio Ronilson.
No grampo divulgado nessa quinta-feira, 7, no Jornal Nacional, da TV
Globo, o fiscal dizia que a investigação deveria chamar o ex-prefeito e o
ex-secretário, pois eles tinham “ciência de tudo”.
“Preciso perguntar para Ronilson o que ele quis dizer com ‘ciência’ e com ‘tudo’”, disse o promotor.
Prisão. Bodini disse que, por ora, não deve oferecer denúncia
contra os três fiscais que ainda estão presos. Assim, ele não vai pedir
a prisão preventiva dos fiscais, que devem ser liberados à 0h deste
sábado, 9. O MP, no entanto, pedirá à Justiça a retenção dos
passaportes dos investigados.
PS do Viomundo: E o Gerson Carneiro nos manda a página interna
da Folha de S. Paulo, que usa “prefeito” no título (referência ao
ex-prefeito Gilberto Kassab) e a foto de Fernando Haddad.
![gerson](http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2013/11/gerson1-e1384050830502.jpg)
No Viomundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário