Em 30 de julho de 2002 o então candidato Ciro Gomes (PPS) alcançou,
segundo o Datafolha, 28% de intenção de voto estimulada, contra 33% de
Lula (PT). Antes, em fevereiro, segundo o mesmo instituto, Roseana
Sarney (PFL) havia alcançado 24% contra 27% de Lula. A história
registrou que foram ao 2º turno daquela eleição Lula (46,4%) e Serra
(23,1%). Ganhou Lula no 2º turno, com 61,2% contra Serra (PSDB) 38,7%.
Esse extrato da história eleitoral brasileira recente serve para
registrar a ocorrência de um espasmo político circunstancial, havido
naquele momento e que destoava do confronto eleitoral que a sociedade
brasileira já vivenciava (1994/1998) e que posteriormente ficaria ainda
mais forte. Ou seja: o Brasil estava polarizado entre duas forças
políticas, PT e PSDB e ficaria, assim, por mais três eleições.
Evidente que vivemos em um momento diferente. Aliás, muito diferente. Na
bancada do primeiro debate presidencial de 2014, na TV Bandeirantes, em
26.08, o PT esteve representado pela presidenta Dilma. Outros três
candidatos saíram da costela petista: Marina, Eduardo Jorge e Luciana
Genro. É uma amostra da importante contribuição política que o PT deu
ao Brasil. Aécio Neves, representou o PSDB, enquanto Pastor Everaldo e
Levy Fidelix fizeram o papel de coadjuvantes.
A marca específica do momento atual estaria localizada na ascensão e
afirmação de uma terceira via política e eleitoral, representada por
Marina, sua Rede Sustentabilidade e o PSB, partido onde está filiada
apenas para disputar as eleições. Anabolizada pela trágica morte de
Eduardo Campos, Marina entra na disputa já ocupando o segundo lugar nas
intenções de voto e deslocando o PSDB e seu candidato Aécio Neves para o
terceiro lugar.
Como ainda estamos há trinta e sete dias do primeiro turno, um olhar
mais detalhado na história dessa e de outras eleições presidenciais no
Brasil mostra que devemos ter cautela para afirmar categoricamente que a
disputa eleitoral, nesta primeira fase, já estaria resolvida com a
definição de um segundo turno entre Dilma e Marina Silva. Esta cautela
passou a ser mais exigida depois de assistirmos ao primeiro debate, com o
enfrentamento direto entre os candidatos.
Como o debate começou mais de 22h e terminou depois da uma da manhã é
evidente que foram poucos os brasileiros que assistiram ao confronto,
ainda mais por ser na Bandeirantes, que já tem normalmente uma audiência
baixa. Os que resistiram até o fim, apesar das regras que engessaram o
debate de ideias e propostas, puderam retirar importantes conclusões
políticas.
Dilma é de fato a mais preparada. Mostra profundo conhecimento da
administração do governo federal, apresentando e defendendo bem as
muitas e importantes obras e programas, apresenta também as melhores
propostas para avançar as mudanças no Brasil. Com uma postura sempre
séria é incisiva, firme e clara nas suas respostas, aparentando algumas
vezes irritação com críticas levianas levantadas, sobretudo, por Aécio
Neves.
Aécio, uma mistura do Conselheiro Acácio com Pedro Bó, roda em torno de
platitudes, aparentando ser um candidato genérico e vazio. Orienta
apenas para o ataque ao PT e ao governo federal, sem conseguir
apresentar propostas consistentes para melhorar o país. Como Aécio
dependia deste primeiro debate para se afirmar frente a ameaça real de
ficar fora do segundo turno, se deu mal com um desempenho fraco, marcado
por uma postura rancorosa, estudada e maquinada para se impor pela
arrogância.
Marina se saiu bem, até porque já tinha experiência deste tipo de debate
nas eleições de 2010. Sabe falar olhando para a câmera e as mudanças em
seu rosto apontam as variações de tonalidade e ênfase no que diz, ao
contrário de Aécio que mantêm a fisionomia congelada, não importando o
que esteja falando. Apesar desta postura televisiva favorável, Marina
apresenta também uma postura de fragilidade ideológica, muita aparência e
pouca consistência em suas análises políticas e propostas.
Sem responsabilidade, Marina aparenta ser corajosa, quando na prática
está apenas flertando com o incerto e o perigo de uma postura política
oca de conteúdo. Acena dar a condução econômica para o PSDB, numa
tentativa de acalmar o mercado, em particular o agronegócio, e por outro
lado, a parte social para o PT, na lógica de tentar conquistar
eleitores simpatizantes do partido. Com isso, promete fazer uma catação
(mistura heterogênea de sólidos) para administrar, o que pode gerar um
desgoverno monstruoso e sem rumo, que acabará por devorar o que a
população mais pobre conquistou em 12 anos de governos petistas.
Enquanto a elite rica e endinheirada estará protegida pelo Itaú, que não
terá mais intermediário e conduzirá diretamente o Banco Central.
Neste contexto, devemos esperar as próximas semanas para ver se Marina
conseguirá manter-se em segundo lugar e consolidar uma terceira via
eleitoral, rompendo a polarização entre PT e PSDB que marca a política
brasileira nos últimos 20 anos. É um tempo necessário também para
observar se suas intenções de voto estão apenas momentaneamente
anabolizadas pela morte de Eduardo Campos ou se aquele trágico evento a
catapultou em definitivo para a condição de protagonista da disputa
presidencial.
Será um tempo necessário também para a consolidação da influência dos
programas e comerciais de TV e rádio nas intenções de voto dos
eleitores. Novos debates, sabatinas, entrevistas e eventos de campanha,
onde veremos se Marina está mesmo preparada para encarnar a figura de
uma nova liderança política, capaz de se afirmar como uma real
alternativa de poder, apesar das gritantes contradições e divisões
internas entre o PSB e sua Rede Sustentabilidade.
Os próximos dias, portanto, serão de muitas emoções, articulações e
ações políticas, que poderão confluir para quatro possíveis cenários. Um
deles apenas com a definição no primeiro turno e os outros três
prevendo a realização do segundo turno, que agora é mais do que uma
forte tendência.
Segundo turno entre Dilma e Marina
Com a exibição do horário eleitoral, a tendência é ocorrer uma melhora
na avaliação do governo, o que naturalmente pode levar a uma melhora no
desempenho eleitoral de Dilma. Nesse cenário, Dilma poderá chegar e até
superar os 40% de intenção de voto, ficando, talvez, um pouco abaixo do
desempenho petista nas últimas três eleições presidenciais, em primeiro
turno, (46, 48, 46% em 2002, 2006 e 2010 respectivamente). Neste
cenário, Dilma iria para o 2º turno em 1º lugar.
Segundo turno entre Marina e Dilma
Neste cenário, que é uma variação do primeiro, temos a inversão nas
colocações do primeiro turno, com a candidatura de Marina incorporando
definitivamente quem quer qualquer mudança (pouca, média ou muita
mudança), avançando sobre uma parte do eleitorado tradicional da
oposição (PSDB) e sobre os ainda indecisos e ultrapassando Dilma, indo
para o 2º turno, contra o PT, em 1º lugar.
Segundo turno entre Dilma e Aécio
Neste cenário, Dilma fica em torno de 40%, Marina recuaria para a casa
dos 20% e Aécio recuperaria o eleitorado que perdeu com a entrada de
Marina na disputa, retomando o segundo lugar com algo acima de 20% dos
votos. Para ocorrer este segundo turno entre Dilma e Aécio, será
necessário que o candidato tucano, contando com a ajuda de setores da
grande mídia, consiga desconstruir parte do discurso e propostas de
Marina. Não bastará à candidatura de Aécio ficar batendo em Dilma, no PT
e no Governo. Se desconhecer Marina e mantiver o ataque focado em
Dilma, a candidata do PSB pode crescer e fortalecer o segundo cenário
descrito. O PSDB sabe disso e não foi à toa que a primeira pergunta que
Aécio fez no debate foi dirigida a Marina, questionando sua coerência
política.
Vitória de Dilma no primeiro turno
Neste cenário, uma parte do eleitorado que estaria pensando em votar na
oposição, vendo a desidratação eleitoral de Aécio e diante da
insegurança política e econômica representada pelas contradições da
candidatura de Marina, com medo do desarranjo institucional que pode
vir, opta por votar no projeto atual de desenvolvimento do país,
capitaneado pelo PT, já conhecido e mais seguro para o Brasil seguir
melhorando.
Nesta hipótese, a candidatura de Dilma seria beneficiada por um voto
útil enrustido, que viria de setores da elite econômica e da oposição em
geral, que tem criticas a sua conduta, mas temem, sobretudo, as
incertezas que Marina Silva representa para a economia e para e
estabilidade política. Este movimento atrairia um percentual de
eleitores suficiente para dar a vitória no 1º turno a Dilma, impedindo o
2º turno entre ela e Marina, que seria uma derrota humilhante para
Aécio e seu PSDB.
No CAf
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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