Conflitos banais da campanha
confirmam a imensa fragilidade política de Marina Silva para falar de
gays, juros, salário mínimo...
Denunciado por Jean Willys, o recuo dos quatro tuites na definição do
preconceito contra homossexuais no plano do racismo foi a mais recente
demonstração de um traço político marcante de Marina Silva: a imensa
fragilidade política para defender seus pontos de vista e enfrentar
contradições e conflitos. Quando isso acontece, ela prefere fingir que
tudo não passou de um mal entendido.
Não vamos nos enganar: a defesa resoluta dos direitos dos homossexuais
pode implicar na retirada do apoio do tristemente famoso deputado e
pastor Feliciano, dono de uma retórica escandalosa que em 2013 provocou
repúdio de vários setores da juventude e da consciência democrática do
país — mas foi confortado por Marina, que na época enxergou
“preconceito” nas críticas ao parlamentar.
Não foi o primeiro caso e é parte do personagem “Marina Silva” que se
apresenta na campanha. A aura de predestinada pressupõe uma concorrente
acima dos homens e das mulheres, das classes e dos interesses. Atuando
num plano superior, Marina não erra.
Até hoje os colegas de governo Lula não conseguem conter o riso quando
recordam o depoimento de Marina Silva no Jornal Nacional. Questionada
pela nomeação de um candidato a vice presidente que fez campanha aberta
pela liberação dos transgênicos, Marina reescreveu a própria história.
Disse que nunca foi contra os transgênicos. Apenas gostaria de um
sistema que permitisse o convívio da soja transgênica com a soja
natural.
“Ela simplesmente ameaçou pedir demissão do cargo,” recorda um ministro
que seguiu o debate de perto. Um alto funcionário do ministério do
Meio Ambiente recorda que aliados de Marina chegaram a homenagear a
ministra com flores — uma forma de marcar publicamente seu
descontentamento.
A Medida Provisória que liberava os transgênicos não proibia a soja
natural — apenas autorizava o plantio e comercialização da versão
modificada genéticamente. Com sua declaração, a candidata perdeu uma
excelente oportunidade para reconhecer perante os brasileiros a quem
pede seu voto que errou ao combater os transgênicos — ou que foi
incoerente ao aceitar um vice que nunca escondeu que fazia campanha por
eles e até recebeu apoio financeiro do setor interessado. Preferiu
investir em seu personagem. Mas não foi só. A mesma MP, que tratava de
biossegurança de forma geral, foi alvo de Marina por outra razão:
autorizava pesquisas com células-tronco, que ela condenava. A ironia, no
caso, é que as pesquisas tinham apoio do Ministério de Ciência e
Tecnologia, cujo titular era Eduardo Campos, titular da chapa
presidencial do PSB até a tragédia do Cessna.
O Valor Econômico de hoje registra que o mercado financeiro está
abandonando Aécio Neves para apoiar Marina e explica: “o sonho de dez
entre dez integrantes do mercado financeiro é ver a derrota da candidata
do PT.”
Num esforço para não decepcionar nenhum dos dez entre dez, o programa
de Marina Silva não faz menção a uma das grandes conquistas dos
trabalhadores no governo Lula-Dilma — a legislação que garante
reajustes automáticos do salário mínimo, sem necessidade de se promover
conchavos anuais no Congresso nas semanas anteriores ao 1º de maio.
Com isso, deixa a porta aberta para que.
Outra ponto do programa vem dos bancos privados mas este já foi
atendido e, a julgar pela desenvoltura da coordenadora do programa de
governo Neca Setubal, herdeira do Itaú, não deve cair nem com um milhão
de tuites.
O programa de governo defende a ampliação da participação dos bancos
privados no mercado de crédito, diminuindo a participação dos estatais.
É coerente com a ideologia privatizante de Marina. Também é
prejudicial do ponto de vista do consumidor.
Os bancos privados perderam terreno no mercado de crédito, depois da
crise de 2008, porque se recusaram a competir pelos clientes.
Mantiveram seus juros nas alturas, mesmo depois que o Banco Central
trouxe a taxa Selic para índices compatíveis com aquele momento
econômico. O Banco do Brasil e a Caixa só cresceram, a partir de então,
porque resgataram clientes que o setor privado decidira abandonar,
ameaçando quebrar empresas pela falta de capital de giro e empréstimos
que costumavam ser renovados automaticamente.
Atendendo a determinação de Lula — uma imperdoável intervenção
aparelhista do Estado petista, certo? — os bancos privados se afastaram
da política de mercado para atender ao interesse público.
Essa é a questão. Quando fala em ampliar o espaço dos privados, o
programa de governo esconde principal. O mercado de crédito funciona —
ou deveria funcionar — sob regime de livre concorrência, onde cada um
explora a fatia do mercado que conquistou. Nessa situação, a única forma
de mudar a posição de uns e outros é obrigar os bancos que cobram
menos a elevar seus juros, permitindo que as instituições que tem taxas
maiores ganhem novos clientes.
Em qualquer caso, é uma medida que, elevando o custo do dinheiro,
contribui para esfriar ainda a economia, estimulando uma recessão de
verdade. Para beneficiar bancos privados, prejudica-se o consumidor e o
empresário.
Alguma surpresa? Nenhuma.
Proprietária de uma retórica de palavras fortes, Marina é fraca de
conteúdo — situação típica de discursos estruturados mas vazios.
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