domingo, 31 de agosto de 2014

A candidata dos quatro tuítes



Conflitos banais da campanha confirmam a imensa fragilidade política de Marina Silva para falar de gays, juros, salário mínimo...

Denunciado por Jean Willys, o recuo dos quatro tuites na definição do preconceito contra homossexuais no plano do racismo foi a mais recente demonstração de um traço político marcante de Marina Silva: a imensa fragilidade política para defender seus pontos de vista e enfrentar contradições e conflitos. Quando isso acontece, ela prefere fingir que tudo não passou de um mal entendido.

Não vamos nos enganar: a defesa resoluta dos direitos dos homossexuais pode implicar na retirada do apoio do tristemente famoso deputado e pastor Feliciano, dono de uma retórica escandalosa que em 2013 provocou repúdio de vários setores da juventude e da consciência democrática do país — mas foi confortado por Marina, que na época enxergou “preconceito” nas críticas ao parlamentar.

Não foi o primeiro caso e é parte do personagem “Marina Silva” que se apresenta na campanha. A aura de predestinada pressupõe uma concorrente acima dos homens e das mulheres, das classes e dos interesses. Atuando num plano superior, Marina não erra.

Até hoje os colegas de governo Lula não conseguem conter o riso quando recordam o depoimento de Marina Silva no Jornal Nacional. Questionada pela nomeação de um candidato a vice presidente que fez campanha aberta pela liberação dos transgênicos, Marina reescreveu a própria história. Disse que nunca foi contra os transgênicos. Apenas gostaria de um sistema que permitisse o convívio da soja transgênica com a soja natural.

“Ela simplesmente ameaçou pedir demissão do cargo,” recorda um ministro que seguiu o debate de perto. Um alto funcionário do ministério do Meio Ambiente recorda que aliados de Marina chegaram a homenagear a ministra com flores — uma forma de marcar publicamente seu descontentamento.

A Medida Provisória que liberava os transgênicos não proibia a soja natural — apenas autorizava o plantio e comercialização da versão modificada genéticamente. Com sua declaração, a candidata perdeu uma excelente oportunidade para reconhecer perante os brasileiros a quem pede seu voto que errou ao combater os transgênicos — ou que foi incoerente ao aceitar um vice que nunca escondeu que fazia campanha por eles e até recebeu apoio financeiro do setor interessado. Preferiu investir em seu personagem. Mas não foi só. A mesma MP, que tratava de biossegurança de forma geral, foi alvo de Marina por outra razão: autorizava pesquisas com células-tronco, que ela condenava. A ironia, no caso, é que as pesquisas tinham apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia, cujo titular era Eduardo Campos, titular da chapa presidencial do PSB até a tragédia do Cessna.

O Valor Econômico de hoje registra que o mercado financeiro está abandonando Aécio Neves para apoiar Marina e explica: “o sonho de dez entre dez integrantes do mercado financeiro é ver a derrota da candidata do PT.”

Num esforço para não decepcionar nenhum dos dez entre dez, o programa de Marina Silva não faz menção a uma das grandes conquistas dos trabalhadores no governo Lula-Dilma — a legislação que garante reajustes automáticos do salário mínimo, sem necessidade de se promover conchavos anuais no Congresso nas semanas anteriores ao 1º de maio. Com isso, deixa a porta aberta para que.

Outra ponto do programa vem dos bancos privados mas este já foi atendido e, a julgar pela desenvoltura da coordenadora do programa de governo Neca Setubal, herdeira do Itaú, não deve cair nem com um milhão de tuites.

O programa de governo defende a ampliação da participação dos bancos privados no mercado de crédito, diminuindo a participação dos estatais. É coerente com a ideologia privatizante de Marina. Também é prejudicial do ponto de vista do consumidor.

Os bancos privados perderam terreno no mercado de crédito, depois da crise de 2008, porque se recusaram a competir pelos clientes. Mantiveram seus juros nas alturas, mesmo depois que o Banco Central trouxe a taxa Selic para índices compatíveis com aquele momento econômico. O Banco do Brasil e a Caixa só cresceram, a partir de então, porque resgataram clientes que o setor privado decidira abandonar, ameaçando quebrar empresas pela falta de capital de giro e empréstimos que costumavam ser renovados automaticamente.

Atendendo a determinação de Lula — uma imperdoável intervenção aparelhista do Estado petista, certo? — os bancos privados se afastaram da política de mercado para atender ao interesse público.

Essa é a questão. Quando fala em ampliar o espaço dos privados, o programa de governo esconde principal. O mercado de crédito funciona — ou deveria funcionar — sob regime de livre concorrência, onde cada um explora a fatia do mercado que conquistou. Nessa situação, a única forma de mudar a posição de uns e outros é obrigar os bancos que cobram menos a elevar seus juros, permitindo que as instituições que tem taxas maiores ganhem novos clientes.

Em qualquer caso, é uma medida que, elevando o custo do dinheiro, contribui para esfriar ainda a economia, estimulando uma recessão de verdade. Para beneficiar bancos privados, prejudica-se o consumidor e o empresário.

Alguma surpresa? Nenhuma.

Proprietária de uma retórica de palavras fortes, Marina é fraca de conteúdo — situação típica de discursos estruturados mas vazios.

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