quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Mesmo com jogo de compadres no JN, imagem de Marina pode ter sido abalada


Marina respondia olhando para a câmera com gestos calculados, sem reações naturais a perguntas incômodas. Bom treinamento de mídia melhora comunicação. Mas se perde autenticidade, corrói a imagem
por Helena Sthephanowitz publicado 28/08/2014 11:04, última modificação 28/08/2014 12:27
JN
Calculismo: palavras e gestos com sotaque de ensaiados
A candidata à presidência Marina Silva (PSB) foi a entrevistada desta quarta-feira (27), na bancada do Jornal Nacional. Apesar das perguntas de William Bonner e Patrícia Poeta terem parecido incômodas à primeira vista, um olhar atento ao programa permite notar algo próximo de um "jogo de compadres", como dois times que combinam previamente o resultado bom para ambos.
O telejornal tinha de manter o estilo de interrogatório aplicado aos outros candidatos para não ser acusado de ser parcial. Mas o conteúdo das perguntas e as interrupções foram bem mais leves com Marina. Duas de três perguntas formuladas foram sobre o mesmo tema: contradições no discurso da ética e do que ela chama de “nova política”.  Bonner evitou atingir diretamente a candidata. As réplicas e tréplicas feitas pelo apresentador  também foram sobre o mesmo tema, sem se aprofundar nas questões. Perguntas sobre economia, tema comum aos outros entrevistados, ficaram de fora. Bonner evitou a pergunta que todos queriam ouvir. “A senhora vai terminar Belo Monte ou não?"
As perguntas até serviram como "vacina" para a candidata abordar os assuntos de interesse dela, que já vinham sendo cobrada a falar. Diferentemente de Aécio, Campos e Dilma, Bonner não tocou no assunto economia. Marina foi poupada de ter de explicar sobre as medidas amargas propostas por seus gurus econômicos e sobre suas intensas relações com o mercado financeiro, inclusive com a banqueira Neca Setúbal, herdeira e acionista do banco Itaú, que coordena seu programa de governo.
A pergunta mais incômoda foi sobre o "avião fantasma" usado na campanha por ela e que matou Eduardo Campos. Bonner perguntou se o pagamento feito por laranjas e sem registro de doações ou pagamentos à Justiça Eleitoral não era coisa da velha política. Marina enrolou, evitou explicações objetivas e procurou isentar-se e defender seu partido de responsabilidade. Tentou encerrar o assunto dizendo que o caso estava sob investigação pela Polícia Federal. Bonner insistiu, mas não muito. Praticamente repetiu a pergunta sem aprofundar nas suspeitas de caixa dois. Mesmo assim Marina sofreu desgaste em seu discurso sobre ética.
Questionada sobre qual seria a diferença entre a sua postura e a de políticos em geral quando confrontados com uma denúncia, Marina afirmou que o seu “compromisso com a verdade” não se tratava de “retórica”. Ela disse ainda que não tentava “tangenciar ou se livrar do problema”. Até ser confrontada pelos apresentadores do JN, Marina se recusava a responder a perguntas sobre o caso. Quando questionada, passava a palavra para o seu candidato a vice, Beto Albuquerque.
A segunda pergunta foi sobre a candidata ter ficado em terceiro lugar nas eleições de 2010 no Acre, seu estado natal. A apresentadora Patrícia Poeta perguntou se quem a conhecia não votava nela. Marina disse "é difícil ser profeta em sua própria terra", porque ela teve que confrontar interesses, ao lado de Chico Mendes. “Cheguei a ficar quatro anos sem poder andar na metade do meu Estado”, disse. “Mas não podia trocar o futuro das próximas gerações pelas eleições.” A explicação não convenceu muito, porque a carreira política dela foi alavancada justamente por ter lutado ao lado de Chico Mendes. Ela foi vereadora, deputada estadual e senadora duas vezes após confrontar os interesses. Nada disso explica ter perdido seu eleitorado em 2010.
A última pergunta repetiu o tema da tal "nova política", questionada por fazer "alianças entre diferentes" que ela condena nos outros. Bonner citou a escolha do vice Beto Albuquerque, que votou pela liberação do cultivo de transgênicos e a favor do uso de pesquisas com células-tronco embrionárias, de forma contrária às posições de Marina. Ela praticamente confirmou o que Bonner insinuou. Quando os outros fazem alianças ela chama de velha política. Quando ela faz a mesma coisa vira "nova política". Marina, ainda classificou como lenda a versão de que é contra o plantio de transgênicos. No entanto, em seu perfil na Wikipédia, Marina postou: “Durante sua administração no Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva acabou perdendo a luta histórica contra os transgênicos”.
As contradições desvios das respostas de seu assuntos abalam um pouco a imagem da candidata por mostrar antigas práticas que não batem com o discurso do novo. E há um outro elemento que pode ter desagradado parte dos telespectadores. Marina estava muito bem treinada no uso da câmera. Sempre respondia olhando para a câmera e fazendo gestos com as mãos, típicos do treinamento de mídia. Foi fria e calculista nas respostas, sem reações naturais diante de perguntas incômodas. O bom treinamento de mídia, que pode ser uma virtude para melhorar a comunicação com o eleitor, se perder a autenticidade corrói a imagem da candidata. Afinal, ninguém quer eleger uma atriz.
 

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