Sem medo de cometer injustiças, mas sempre no exercício livre da opinião, afirmo que Luís Fernando Veríssimo é o maior e melhor dos cronistas em atividade na mídia nacional, não apenas pelo sabor que imprime ao seu texto, mas também pela visão do mundo que revela, como alguém permanentemente atento à realidade e às suas estranhas – e muitas vezes perversas – contradições.
Estava aqui relendo uma crônica que ele escreveu em 24.03.2000 – lá se vão 13 anos - , intitulada “Silogismo”. Veríssimo tratava, então, de um posicionamento do governo tucano de FHC, que assegurava não poder dar aos trabalhadores um salário-mínimo que corrigisse as perdas de então, porque isso “comprometeria o programa de estabilização do Governo, quebraria a Previdência, inviabilizaria o país”. Era o mantra neoliberal daquela época, que rotulava de irresponsáveis e demagogos quem pensava o contrário.
Veríssimo argumentava, então, com o que denominou “um silogismo bárbaro”: se o salário-mínimo concedido não dava para boa parte da população viver dignamente e se não havia como mudar o panorama (na visão do Governo), uma parcela ponderável do povo estaria condenada “a uma subvida perpétua”, por força de uma política que, subserviente a interesses financeiros internacionais, fundamentava-se na miséria...
Essas e outras visões do pessoal tucano acabaram por desmascarar os milagres que então se apregoavam. Um deles: um “plano real” que era apresentado como produto genuinamente nacional – com direito a heróis e tudo mais - quando, na realidade, era uma necessidade/imposição do mercado globalizado, tanto que, em um passe de mágica, todas as economias de alguma relevância no planeta tiveram então a inflação estabilizada...
Os governos que se seguiram - fruto da saudável decisão popular nas urnas que, quando convém, os demotucanos esquecem - não chegaram a inverter , infelizmente, essa postura de subserviência a um mercado infame em que especuladores, empreiteiros e banqueiros ainda dão as cartas. Conseguiram, no entanto, medidas pontuais que, aqui e ali, estão atuando no sentido de diminuir a perversidade do sistema entre nós, com políticas públicas que apontam para a preocupação com os menos favorecidos. Estão aí as diversas “bolsas” que a direita tanto abomina (“Como podem gastar o meu dinheiro com esse bando de desocupados?”); está aí o sistema de cotas que provoca a ira pouco santa das elites (“Isso está estimulando o preconceito racial !”); estão aí, agora, os direitos concedidos às empregadas domésticas secularmente exploradas (“Mas isso vai provocar muitas demissões e um descontrole no âmbito familiar!”).
Não é preciso ser petista, lulista ou qualquer outro ista para perceber a diferença que existe entre o Brasil de hoje e o de então. E, invariavelmente, quando se tenta estabelecer esse paralelo, surge aquela pergunta orquestrada, para fugir do assunto: “Mas... e o mensalão?”.
A pergunta traz embutida, de modo subliminar, a tentativa de fazer vingar uma tese esquisita, beirando a paranoia : a de que o pessoal que se preocupa com as necessidades populares é essencialmente corrupto... A pergunta desconhece a história desse país, desde as Capitanias hereditárias, desconhece as folclóricas frases do “Roubo mais faço” de próceres paulistas, desconhece a corrupção no regime militar das obras faraônicas, desconhece (ou finge desconhecer) a Privataria tucana, o mensalão mineiro (também tucano); desconhece/esquece a nunca apurada, mas sempre denunciada, compra de votos para reeleição de um Presidente da República (o que equivaleu a quatro anos de poder e de manutenção de interesse econômicos que é fácil adivinhar...).
O perverso silogismo de Veríssimo volta a atacar, agora, sob nova roupagem, mas com os mesmos atores, diante de posturas e medidas governamentais. Se a Presidenta menciona que o mais importante para o país é a preservação e o incremento das conquistas sociais, as cassandras de plantão apontam para o “nervosismo do mercado”, que, “preocupado”, vê nessas palavras o perigo da “volta da inflação”... Uma chantagem, um estelionato ideológico, que a mídia comprometida repete à exaustão...
No momento em que o país atinge o menor nível de desemprego desde que ele é medido, esse dado, ao invés de ser tratado com o louvor que realmente merece, é sutilmente apresentado como “preocupante”, porque inibe a produtividade, vira custo para a indústria em função da valorização do empregado, “freia o PIB”, “trava o crescimento”. Ou seja, o pessoal neoliberal, coerente na sua perversidade, não muda mesmo. Para eles, o bom seria ter sempre à mão uma boa “reserva de mão de obra”, que alguns economistas de plantão a serviço dos exploradores chamam de “estoque”, reduzindo homens a coisas...
Felizmente, do lado de cá , o Veríssimo e sua visão do mundo também não mudam. E, como ele, pensam muitos dos cidadãos que, famosos ou desconhecidos, constituem o povo brasileiro. Se estivesse entre os vivos, Gonzaguinha responderia a esse pessoal que anseia pelo desemprego com os versos da sua composição “Um homem também chora”: “Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho / E sem o seu trabalho / Um homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se mata / Não dá pra ser feliz / Não dá pra ser feliz.
Rodolpho Motta LimaAdvogado
formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de
Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade
em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos
anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário
aposentado do Banco do Brasil. Direto da Redação
Do Blog O TERROR DO NORDESTE.
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