Brasília –
Mesmo a peso de ouro, prefeituras enfrentam dificuldades para contratar
médicos no interior e até na periferia das grandes cidades. Nada menos
do que 1.228 municípios pediram ajuda ao Ministério da Saúde para atrair
recém-formados neste ano. A intenção era preencher 7.193 vagas, mas só
1.460 médicos demonstraram interesse, o equivalente a 20% da demanda.
Os números são do Programa de Valorização do Profissional da Atenção
Básica (Provab), iniciativa do Ministério da Saúde para levar médicos a
rincões do país e áreas carentes nas capitais e regiões metropolitanas. O
Provab oferece bônus de 10% nas provas de ingresso em residências
médicas a recém-formados que trabalharem por um ano em cidades do
programa.
Balanço do Ministério da Saúde mostra que 233 cidades não atraíram
nenhum interessado. Todos os 1.640 médicos inscritos foram selecionados
em fevereiro, isto é, ficaram aptos a fechar contrato imediatamente com
as prefeituras. Até a semana passada, porém, só 460 profissionais já
tinham começado a trabalhar, enquanto outros 140 estavam em processo de
contratação.
A formação e distribuição de médicos em território brasileiro entrou na
agenda do Palácio do Planalto. A presidente Dilma Rousseff determinou
aos ministérios da Saúde e da Educação que preparem um plano para
aumentar o número de médicos no país. O governo está convencido de que
faltam profissionais e estuda criar ou ampliar faculdades, assim como
facilitar a validação de diplomas de quem se formou no exterior, em
países como Cuba, Bolívia e Argentina. Outro projeto é abrir mais 4 mil
vagas de residência.
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A movimentação do governo desperta reações negativas nas corporações
médicas. O Conselho Federal de Medicina divulgou, em novembro, o estudo
“Demografia Médica no Brasil”, que apontou 371.788 profissionais em
exercício naquele ano, o correspondente a uma taxa de 1,95 médico por
mil habitantes. O governo quer elevar essa taxa para 2,5 até 2020 — ou
até mesmo 2,7. O CFM, porém, considera o atual número suficiente, e diz
que o problema está na má distribuição.
— É uma polêmica enorme dizer que falta ou sobra médico. Ninguém tem
estudo consistente. O que temos incontestavelmente é que os médicos são
distribuídos de forma trágica e injusta com a sociedade. Enquanto temos
um a cada 200 habitantes em certos lugares, em outros temos um para cada
10 mil — diz o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Cid Célio
Jayme Carvalhaes.
O Ministério da Saúde identificou 2.130 municípios com dificuldade de
manter ou expandir o Programa Saúde da Família. As cidades têm direito a
um número de equipes proporcional à população. Cada equipe é chefiada
por um médico. Segundo o ministério, boa parte das cidades tem direito a
mais equipes, mas não consegue criá-las por falta de profissionais.
Outro problema é a alta rotatividade. Em 1.190 cidades, mais de 75% das
equipes trocam de médico pelo menos uma vez por ano, o que o governo
considera excessivo. Em março, o ministério listou 26 municípios que não
tinham médico da Família e outros quatro que não tinham nenhum
profissional, conforme o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES). O cadastro revela que apenas 2% dos municípios possuíam taxa
superior a 2,5 médicos por mil habitantes, no ano passado.
Sempre que um profissional deixa o emprego, é comum que cidades fiquem
semanas ou meses sem médico. Com pouca procura, é preciso elevar
salários. Em geral, quanto mais longínquo e precário o município, maior o
valor pago ao médico.
No Amapá, o governo do estado cede seus profissionais aos municípios.
Sem isso, pequenas cidades ficariam desassistidas. Só que, além do
salário estadual, os médicos recebem pagamento das prefeituras, com
dinheiro repassado pelo ministério ao Saúde da Família. O Portal da
Transparência estadual revela que há médicos ganhando R$ 39 mil brutos
por mês. Um deles recebe mais R$ 5 mil da prefeitura de Marzagão (AP)
por só um dia de trabalho na semana.
Em Pracuúba (AP), com 3 mil habitantes, a secretária de Saúde, Marly
Gomes Vilhena, conta que a cidade passou 8 meses sem médico ano passado.
Nesse período, dois enfermeiros cuidavam da população. Hoje, há só uma
médica, com salário bruto de R$ 28 mil do estado e R$.5.500 da
prefeitura.
— Por causa de nossa carência, o médico está supervalorizado — resume o secretário de Saúde de Macapá, Otacílio Barbosa.
No Pará, a situação não é diferente. Em Santa Maria das Barreiras (PA), o único médico em atividade no mês passado era cubano.
— Os médicos vêm com interesse de ganhar dinheiro. Depois de juntar uma
boa quantia, vão em busca de conforto. Não querem ficar a vida inteira
aqui — reclamou o assessor da Secretaria de Saúde Charles Lopes Peres.
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