segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Os “Cinco Olhos” e os cegos

Como FHC ignorou os alertas da espionagem dos EUA durante seu governo

No Brasil e ao tempo de FHC, espiões travestidos de funcionários da embaixada norte-americana colocaram
equipamentos de escuta ambiental no gabinete da Presidência
Flickr / World Economic Forum

Depois de grampeado, o papa Francisco fingiu, por meio do seu porta-voz, ser a espionagem vetusta e desimportante. De fato, trata-se de fenômeno antigo e praticado pelos sumérios, por volta do ano 4000 a.C. Talvez a atividade de espião seja mais antiga do que a de prostituta. Na Idade Média, a República de Veneza a usava para evitar sabotagens nos portos, preparar a defesa contra a França e evitar ser transformada em Estado pontifício.

Quando da Guerra Fria, um 007 valia por um batalhão e as agências KGB, CIA e Stasi enterravam a privacidade e se desesperavam com os agentes duplos. Em 1905, a escritora Emma Orczy lançou A Prímula Vermelha e abriu um filão literário novo, com a espionagem a gerar suspenses. Ian Fleming, depois de passar pelo serviço secreto britânico, criou o agente James Bond, detentor do código 007.

Mas considerar a espionagem desimportante sempre foi sinal de tibieza. O Vaticano tem um núcleo de inteligência e problemas. Além da lavanderia bancária via IOR, proliferam os “corvos”, incluído o mordomo infiel Gabriele.

No Brasil e ao tempo de FHC, espiões travestidos de funcionários da embaixada norte-americana colocaram equipamentos de escuta ambiental no gabinete da Presidência, conforme documentou e informou CartaCapital. Da minha parte, na condição de Secretário Nacional, encontrei por acaso no Aeroporto de Manaus um grupo de norte-americanos engravatados. Todos vieram me cumprimentar e deixaram cartões de visita a revelar suas identidades de agentes da CIA, NSA e DEA. Em resposta à minha pergunta, esses 007 contaram que tinham estado na Floresta Amazônica, no lado brasileiro, para colher informações, inclusive sobre o narcotráfico.

A representação que encaminhei pelo Gabinete de Segurança Institucional com o intuito de alertar o presidente FHC não deu em nada. O caso chegou à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, que resolveu me ouvir, mas a sessão, por manobra parlamentar tucana, restou adiada sine die.

Como fachada para bisbilhotar usava-se o argumento da guerra às drogas. Depois do trágico 11 de Setembro, o terrorismo virou justificativa para encobrir interesses políticos, militares, econômicos e comerciais. Para se ter uma ideia, chegam mensalmente a Maryland, na sede da NSA, 180 milhões de informações. E um banco com 850 bilhões de dados originários em bisbilhotagens é servido pelo poderoso motor de busca X-Key-Score.

O sistema geopolítico de espionagem eletrônica dos EUA é conhecido por “Five Eyes” (Cinco Olhos).  Na verdade, virou um clube de espionagem anglofônico a envolver EUA, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Os “Cinco Olhos” são reforçados por aquele dos aliados: Otan, União Europeia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Espanha, Japão, Coreia do Sul, Israel, México, Índia, Colômbia, Chile e Brasil. São considerados inimigos, e bem olhados, China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, Paquistão, Síria e Cuba.  Como advertiram as grampeadas presidenta Dilma Rousseff e a chanceler alemã Angela Merkel, houve quebra de confiança a partir do momento em que os 007 a serviço dos “Cinco Olhos” espionaram os aliados. Desconfiança grave, pois o objetivo primário desse clube é detectar os Estados Nacionais com capacidade de reduzir a influência americana e os inimigos que representam uma ameaça, real ou potencial, aos cidadãos e aos militares.

Embora 35 líderes tenham sido bisbilhotados, apenas Dilma Rousseff e Merkel protestaram à altura. A brasileira na ONU e pela suspensão de sua visita oficial aos EUA. Merkel na União Europeia e por telefonema a Obama. As duas apresentaram um projeto de resolução às Nações Unidas. A resolução, depois de dantescos espetáculos protagonizados pelos EUA característicos de violações à segurança de Estados Nacionais e aos direitos naturais da pessoa humana em face da quebra da privacidade, deverá ser aprovada.

Como adverte Marvin Cetron, um dos maiores especialistas no tema espionagem, “é muito mais difícil regrar a espionagem, até diante de novas tecnologias que surgirão, do que limitar a difusão e o tráfico de armas atômicas”. Segundo Cetron, as agências norte-americanas há mais de oito anos conseguem decodificar sinais de celulares.

Dilma Rousseff fez questão de ressaltar na ONU: seu governo, ao contrário ­daquele de FHC, não admite espionagens e ­bisbilhotagens. Merkel, parece, só vai se acalmar se a Alemanha tornar-se o sexto olho do sistema, deixada a condição de aliado. Pano rápido. A definição de espião, contida na Convenção de Haia de 1907, está superada. O mundo democrático deve muito a Julian Assange e Edward Snowden.

Wálter Maierovitch
No CartaCapital

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