Se não me engano, creio que foi em uma aldeia da Galícia que escutei, na
década de 70, de camponês de baixíssima estatura, a história do cego e
do anão que foram lançados, por um rei, dentro de um labirinto escuro e
pejado de monstros. Apavorado, o cego, que não podia avançar sem a ajuda
do outro, prometia-lhe sorte e fortuna, caso ficasse com ele, e,
desesperado, começou a cantar árias para distraí-lo.
O anão, ao ver que o barulho feito pelo cego iria atrair inevitavelmente
as criaturas, e que o cego, ao cantar cada vez mais alto, se negava a
ouvi-lo, escalou, com ajuda das mãos pequenas e das fortes pernas, uma
parede, e, caminhando por cima dos muros, chegou, com a ajuda da luz da
Lua, ao limite do labirinto, de onde saltou para densa floresta,
enquanto o cego, ao sentir que ele havia partido, o amaldiçoava em altos
brados, sendo, por isso, rapidamente localizado e devorado pelos
monstros que espreitavam do escuro.
Ao final do relato, na taverna galega, meu interlocutor virou-se para
mim, tomou um gole de vinho e, depois de limpar a boca com o braço do
casaco, pontificou, sorrindo, referindo-se à sua altura: como ve usted,
compañero... con el perdón de Dios y de los ciegos, aun prefiro, mil
veces, ser enano...
Lembrei-me do episódio — e da história — ao ler sobre a convocação do
embaixador brasileiro em Telaviv para consultas, devido ao massacre em
Gaza, e da resposta do governo israelense, qualificando o Brasil como
irrelevante, do ponto de vista geopolítico, e acusando o nosso país de
ser um “anão diplomático".
Chamar o Brasil de anão diplomático, no momento em que nosso país acaba
de receber a imensa maioria dos chefes de Estado da América Latina, e os
líderes de três das maiores potências espaciais e atômicas do planeta,
além do presidente do país mais avançado da África, país com o qual
Israel cooperava intimamente na época do Apartheid, mostra o grau de
cegueira e de ignorância a que chegou Telaviv.
O governo israelense não consegue mais enxergar além do próprio umbigo,
que confunde com o microcosmo geopolítico que o cerca, impelido e
dirigido pelo papel executado, como obediente cão de caça dos EUA no
Oriente Médio.
O que o impede de reconhecer a importância geopolítica brasileira, como
fizeram milhões de pessoas, em todo o mundo, nos últimos dias, no
contexto da criação do Banco do Brics e do Fundo de reservas do grupo,
como primeiras instituições a se colocarem como alternativa ao FMI e ao
Banco Mundial, é a mesma cegueira que não lhe permite ver o labirinto de
morte e destruição em que se meteu Israel, no Oriente Médio, nas
últimas décadas.
Se quisessem sair do labirinto, os sionistas aprenderiam com o Brasil,
país que tem profundos laços com os países árabes e uma das maiores
colônias hebraicas do mundo, como se constrói a paz na diversidade, e o
valor da busca pacífica da prosperidade na superação dos desafios, e da
adversidade.
O Brasil coordena, na América do Sul e na América Latina, numerosas
instituições multilaterais. E coopera com os estados vizinhos — com os
quais não tem conflitos políticos ou territoriais — em áreas como a
infraestrutura, a saúde, o combate à pobreza.
No máximo, em nossa condição de “anões irrelevantes”, o que poderíamos
aprender com o governo israelense, no campo da diplomacia, é como nos
isolarmos de todos os povos da nossa região e engordar, cegos pela raiva
e pelo preconceito, o ódio visceral de nossos vizinhos — destruindo e
ocupando suas casas, bombardeando e ferindo seus pais e avós, matando e
mutilando as suas mães e esposas, explodindo a cabeça de seus filhos.
Antes de criticar a diplomacia brasileira, o porta-voz da Chancelaria
israelense, Yigal Palmor, deveria ler os livros de história para
constatar que, se o Brasil fosse um país irrelevante, do ponto de vista
diplomático, sua nação não existiria, já que o Brasil não apenas apoiou e
coordenou como também presidiu, nas Nações Unidas, com Osvaldo Aranha, a
criação do Estado de Israel.
Talvez, assim, ele também descobrisse por quais razões o país que disse
ser irrelevante foi o único da América Latina a enviar milhares de
soldados à Europa para combater os genocidas nazistas; comanda órgãos
como a OMC e a FAO; bloqueou, com os BRICS, a intervenção da Europa e
dos Estados Unidos na Síria, defendida por Israel, condenou, com eles, a
destruição do Iraque e da Líbia; obteve o primeiro compromisso sério do
Irã, na questão nuclear; abre, todos os anos, com o discurso de seu
máximo representante, a Assembleia Geral da Nações Unidas; e porque —
como lembrou o ministro Luiz Alberto Figueiredo, em sua réplica — somos
uma das únicas 11 nações do mundo que possuem relações diplomáticas, sem
exceção — e sem problemas — com todos os membros da ONU.
Também do Blog CONTEXTO LIVRE.
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