E foi o que ocorreu com Dilma Rousseff entre os anos 2010 e 2014. Temos
uma outra Dilma, eloquente, à vontade, com domínio do tempo
jornalístico. Isso ficou patente ao assistir ao vivo a sabatina com os
presidenciáveis do pleito presidencial de 2014 promovido pelo consórcio
Folha/Uol, no Palácio da Alvorada, em Brasília, na tarde desta
segunda-feira, 28 de julho.
Chama a atenção a descontração de uma presidente sempre bem-humorada
mesmo que as perguntas que lhe destinavam pareciam mísseis teleguiados
por Israel em direção à Faixa de Gaza, a diferença é que a segurança da
presidente funcionou como perfeita bateria antimíssil, derrubando logo
de início o caráter provocativo das questões e abatendo por completo o
lait-motiv dos inquisidores que não era outro que deixá-la sem norte e
sem rumo, sem resposta, insegura, encurralada.
A segurança das respostas de Dilma também ficou evidente. Sabia dados
econômicos na ponta da língua, e mais que isso, se sentia muito à
vontade para desqualificar informes estatísticos aventados por Kennedy
Alencar e Josias de Souza, não demonstrando irritação com quem fazia a
pergunta e sim, buscando apresentar o enfoque que em cada situação lhe
parecia ser o mais correto, verdadeiro, genuíno.
Essa sabatina deixou em apuros a visão de nossa grande imprensa: quase
sempre distorcida, colocando por baixo do tapete jornalístico o que de
bom é feito pelo governo e dando desmedida exposição midiática a
qualquer indicador que demonstre inflação descontrolada, desemprego em
alta, desaquecimento econômico. E para isso incansável em expor cenários
comparativos os mais inusitados como: a maior taxa de desemprego na
indústria em meses com maior números de lua no quarto minguante; a maior
escalada inflacionária desde que foi inventada a penicilina ou desde
quando foi descoberto o ex-planeta Plutão; desde que foi lançado nas
farmácias e drogarias de todo o país o regulador Xavier; ou ainda, dos
tempos em que Monteiro Lobato criou a boneca Emília e se envolveu na
campanha nacionalista "O petróleo é nosso!"
E nossa imprensa chega às raias do risível quando investe pesado em
pintar tempestades perfeitas irrompendo assim do nada, como se surgisse
ao acaso em perfeitos dias ensolarados.
Com domínio do lugar da fala, Dilma foi a senhora absoluta do tempo da
entrevista, colocou sob sua perspectiva o que era de seu desejo
explicitar, soube com rara habilidade de comunicadora – coisa que ela
realmente não é ou pelo menos nunca demonstrara antes ser – não se
prender à maneira e ao contexto com que os temas eram levantados pelos
entrevistadores.
E estes contextos eram claramente desfavoráveis ao seu governo. A maior
parte dos tópicos foram levantados tendo como pano de fundo claro clima
de confrontação, aquele clima que se bem emoldurado, costuma render além
de boas manchetes jornalísticas, farto combustível a ser alardeado pela
oposição como fraqueza da presidente que tenta a reeleição.
E tudo assumia tinturas de escândalo, escárnio, menosprezo ao governo da entrevistada. Algumas das bombas logo desarmadas foram:
Santander: Dilma considerou a ação do banco espanhol para
influenciar no processo eleitoral como inadmissível, afirmou ainda estar
estudando medidas a serem tomadas e disse que o pedido de desculpas do
banco foi não mais que protocolar, ou seja, que o governo brasileiro não
ficara satisfeito com as explicações e, que pretende,algo entre 0 e 10
como 1,5 ou 2.
Anão diplomático: Acerca do vexame cometido pela chancelaria
israelense de taxar o Brasil de “irrelevante” e “anão diplomático”, não
só reafirmou que agira de forma certa ao convocar a Brasília nosso
embaixador em Israel, como também disse e repetiu que apoia
integralmente a posição da ONU de que tem que haver um cessar fogo
imediato do bombardeiro de Israel sobre a população civil de Gaza. Falou
da importância do Brasil quando da criação do estado de Israel, de
grande parte da população brasileira ser descendente dos cristãos novos,
aqueles que no século XV assumiram novos sobrenomes como forma de
escapar da diáspora ibérica. Preferiu chamar de massacre ao invés
genocídio o que Israel está fazendo em Gaza. E deixou claro que não
pretende cortar relações diplomáticas com o estado judeu.
= Mensalão: Dilma afirmou que o processo envolvendo o PT e
partidos de sua base aliada, herdada ainda dos governos Lula da Silva
foi tratado, se visto em relação ao mensalão do PSDB, como “dois pesos e
19 medidas”. E desconcertou Josias de Souza com essa: “O mensalão
mineiro não foi julgado pelo STF e você sabe como será julgado em Minas,
não é Josias?”
= Corrupção: Dilma rechaçou a pecha que a oposição e a mídia
tenta desde há muito colar no PT de que é um partido que enseja o
crescimento da corrupção. Demonstrou que, muito ao contrário do que se
acostumaram a difundir, o PT é quem mais investiga qualquer caso de
corrupção, é o partido que teve, pela primeira até seus antigos
dirigentes condenados, bem ao contrário dos demais partidos que sempre
mantiveram a prática de engavetar as denúncias, abafar os escândalos,
nada investigar. Dilma reafirmou sua profunda confiança em órgãos como a
Controladoria-Geral da União, o Ministério Público Federal, a
Advocacia-Geral da União, o Tribunal de Contas da União.
= Inflação: Dilma nadou de braçada, dando informações detalhadas
sobre o comportamento anual das taxas de inflação de 1999 a 2013, e com
isso esclareceu que os governos do PT sempre estiveram dentro das metas,
e na maioria dos anos, bem abaixo do centro das próprias metas.
Destacou a robustez econômica do Brasil em relação a diversos países do
mundo. Afirmou que mesmo em meio à crise internacional de tal monta. o
Brasil optou por políticas de livre emprego e não pelo desemprego e
arrocho salarial, que segundo ela, eram práticas dos governos anteriores
ao PT.
= Cuba: Dilma fez clara defesa do seu Mais Médicos, explicou que o
maior número de médicos vem de Cuba simplesmente porque foi o país que
melhor atendeu aos propósitos do programa que é o de interiorizar o
atendimento à saúde básica nas regiões Norte e Nordeste, em lugares
remotos do Brasil, áreas indígenas e nas periferias das grandes cidades
de todo o país: primeiro abriu para médicos brasileiros, conseguiu pouco
mais de mil; depois abriu para médicos do exterior, pouco mais de 12
mil se inscreveram e destes cerca de 10 mil eram de nacionalidade
cubana, quando então o governo brasileiro buscou concretizar a parceria
com a entidade de saúde que tratava de convênios da espécie (OPAS).
Afirmou também que não se trata de salário e sim de bolsa. E que é algo
temporário, até que o Brasil consiga formar médicos em quantidade
suficiente às necessidade do país e consiga convencê-los a se
estabelecer em centenas de municípios-metas do Programa. Depois
mencionou que achava um contrassenso que, em pleno século XXI, ainda
existisse tanta aversão a Cuba. E afirmou que a totalidade dos países da
América do Sul, inclusive o Brasil, são unânimes ao se posicionar
contra o embargo/bloqueio mantido pelos Estados Unidos contra a pequena
ilha caribenha há tantas décadas.
= Rejeição: Dilma disse que boa parte dessa rejeição atribuída ao
PT e ao seu governo tem a ver com o desconhecimento da população das
ações do governo e que com o horário eleitoral isso será sanado. Lembrou
que um mês antes da Copa do Mundo pesquisas davam conta que mais de 60%
da população estavam contra o Mundial e que durante e logo após o
evento, cerca de 84% da população mostrou posição amplamente favorável,
positiva acerca de Copa no Brasil. Perguntada sobre o que pretende fazer
quanto à sua rejeição em São Paulo, apresentou várias grandes obras do
governo federal em São Paulo: 600 mil casas pelo “Minha casa, minha
vida”, grande parte da construção do Rodoanel. Creditou isso ao nível de
desinformação.
= Dinheiro em casa: Josias de Souza quis saber porque ela
conservava consigo R$ 152.000,00 em espécie, porque não tinha esse
dinheiro em banco. Dilma foi de uma sinceridade desconcertante: ”acho
que isso vem do tempo em que eu vivia fugindo, dos três anos em que fui
presa durante a ditadura militar, eu era uma fujona”. Matou assim dois
coelhos de uma só cajadada. Primeiro, porque relembrou seu passado de
resistência à ditadura, coisa que nenhum de seus adversários na corrida
pelo Planalto podem trazer para si. Segundo, porque é uma pessoa de
hábitos e que prefere ir ao longo do ano ir depositando em poupança. È
óbvio que uma pessoa que é perseguida por um regime, como aquele que os
militares instauraram no Brasil no período 1964/1985, não cometeria a
insensatez de manter conta em banco, até porque nunca se sabia em que
residência pernoitaria ou em qual cidade buscaria refúgio. Simples
assim.
Ao final, nenhuma pergunta ficou sem resposta. E em nenhuma Dilma
fraquejou ou gaguejou, simplesmente porque enfrentou todos os temas com
extrema naturalidade e segurança. Aquela naturalidade de quem se orgulha
do que fez e a segurança de quem sente orgulho do que faz.
A candidata que tenta sua reeleição em outubro próximo é imensamente
diferente daquela desconhecida bancada por um
presidente-rei-da-comunicação como o foi Luiz Inácio Lula da Silva em
2010. Por outro lado, foi um bom exercício para jornalistas que sempre
se achavam "a última bolacha do pacote" perceber como a realidade é
outra quando há espaço para o contraditório.
Se eu fosse qualquer dos principais adversários da candidata Dilma
Rousseff começaria a me preocupar com os debates que virão pela frente.
Porque, levando em conta esse aperitivo servido pela Folha/Uol, Dilma
nunca esteve tão à vontade como agora para discorrer sobre qualquer
tema.
O mesmo não se pode dizer de Eduardo Campos. O pernambucano, neto de
Miguel Arraes, posou tempo demais tentando passar a imagem de que é a
encarnação de um novo modo de fazer política, uma terceira via possível
para a política nacional em contraponto ao binômio PT/PSDB, agora nos
debates terá que explicar pencas de contradições internas de seu
combalido PSB: histórias mal contadas e numerosos atritos envolvendo o
consórcio PSB/Rede de Marina Silva e atinentes à distância entre
“programático e pragmático”; percepção que nordestinos têm de que ele
traiu Lula em favor de sua ambição pessoal; compra de apoio político
para seu candidato ao governo de Pernambuco; coligações com expoentes da
direita ao estilo Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes; apoio aos
candidatos tucanos aos governos de Minas (Pimenta da Veiga) e São Paulo
(Geraldo Alckmin).
Quanto ao mineiro Aécio Neves, neto de Tancredo Neves, ele terá que
conviver com uma imprensa que decididamente não é a das Minas Gerais. E
terá que parar de gaguejar e de mostrar seu incontrolável nervosismo ao
tratar de temas triviais em uma campanha presidencial que faz completo
contraponto do atual governo ao legado de FHC; aeroportos que vão de
Montezuma a Claudio; bafômetro; drogas; evolução patrimonial; rádio
Arco-Íris; cerco à imprensa de oposição ao seu governo; perda de
posições de Minas Gerais para vários outros estados brasileiros nos
últimos 5 anos; mensalão tucano envolvendo seu candidato Pimenta da
Veiga ao governo de Minas; Petrobrax.
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